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segunda-feira, 27 de março de 2017

ASSUNTOS DIFÍCEIS DA BÍBLIA - JESUS "PREGOU" NO INFERNO?

Vou dar início aqui a mais uma série especial de artigos. Nesta irei trazer aqueles assuntos da Bíblia que dão panos para muita mangas. São os textos considerados de difícil interpretação e que ao longo do tempo vêm alimentando acalorados debates teológicos e, consequentemente, muitas heresias. Não meu intuito com esta série encerrar os temas que serão aqui abordados. Não sou tão pretensioso, mas vou expor meu entendimento acerca dos mesmos, buscando sempre refúgio na verossimilidade bíblica.

Jesus pregou no inferno? 


Muita gente tem dúvida se Jesus desceu ao inferno e pregou aos mortos, e não é para menos, já que os textos bíblicos que tratam este assunto estão entre os mais difíceis de se interpretar. Como qualquer outro texto difícil da Bíblia, existem diversas interpretações defendidas por vários teólogos. Porém, devido a algumas interpretações equivocadas sobre este tema, muitas heresias foram ensinadas ao longo da história da igreja.

Antes de começarmos é preciso saber que a palavra "inferno" é utilizada para traduzir quatro termos originais, sendo: Sheol, Hades, Gehenna e Tártaro. A palavra Tártaro é utilizada apenas uma vez (2 Pedro 2:4). Sheol é uma palavra hebraica utilizada com certa frequência no Antigo Testamento, e o grego Hades traduz o hebraico Sheol na Septuaginta (versão grega do Antigo Testamento), e também é utilizado no Novo Testamento de forma praticamente equivalente ao Sheol no Antigo Testamento.

Tanto Sheol quanto Hades podem assumir significados diferentes dependendo do contexto, sendo eles: sepultura, esfera dos mortos (estado desencarnado) e o lugar de punição dos ímpios após a morte (o inferno em seu estado intermediário).

Já o termo Gehenna é uma adaptação grega de uma palavra hebraica, e é utilizado no Novo Testamento para se referir ao inferno em seu estado final, ou seja, o lugar de condenação dos ímpios e de satanás e seus anjos após o juízo final (o lago de fogo). 

Neste texto nós iremos falar sobre o estado intermediário dos mortos, ou seja, o período de existência da alma separada do corpo enquanto aguarda a ressurreição para comparecer ao julgamento final. Logo, quando utilizarmos a palavra "inferno" não estaremos nos referindo ao inferno em seu estado final. 

Basicamente os principais textos bíblicos utilizados nos debates sobre este assunto são:
"Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; mortificado, na verdade, na carne, mas vivificado pelo Espírito; No qual também foi, e pregou aos espíritos em prisão; Os quais noutro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual poucas (isto é, oito) almas se salvaram pela água" (1 Pedro 3:18-20, grifo meu). 
"Porque por isto foi pregado o evangelho também aos mortos, para que, na verdade, fossem julgados segundo os homens na carne, mas vivessem segundo Deus em espírito" (4:6, grifo meu).
Não pretendo fazer uma exposição detalhada sobre o tema, pois o texto ficaria muito longo e bastante complexo. Vejamos apenas, bem resumidamente, as diferentes interpretações sobre o assunto.

"Jesus desceu ao inferno para pregar aos mortos"


De forma geral, essa interpretação defende que Jesus, entre sua morte e ressurreição, desceu ao inferno para pregar aos mortos. Dentro dessa visão, existem diferentes interpretações em relação a quem seriam esses mortos e qual o tipo de pregação. Vejamos:
  • Jesus desceu ao inferno para pregar aos mortos que foram vitimas do Dilúvio e se arrependeram antes de morrerem (neste caso trazendo salvação). 
  • Jesus desceu ao inferno para pregar aos mortos que morreram antes de seu ministério, dando-lhes oportunidade para arrependimento (neste caso trazendo salvação para os arrependidos e o juízo para os que não se arrependeram).
  • Jesus desceu ao inferno para pregar aos mortos que morreram no Dilúvio e não creram na pregação de Noé (neste caso trazendo juízo).
Qualquer uma das três interpretações acima não encontra base Bíblica, porém as piores são as interpretações que acreditam em uma pregação para salvação (1 e 2). Qualquer ensino que defenda uma segunda chance após a morte é herético e deve ser rejeitado. A Bíblia claramente ensina que após a morte só resta ao homem o juízo.
"E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo" (Hebreus 9:27).

"Jesus desceu ao inferno para libertar os santos do Antigo Testamento"


Nesta interpretação Jesus teria ido pregar o Evangelho e libertar aos santos do Antigo Testamento que estavam esperando a consumação da redenção por Jesus para serem levados ao paraíso. Em outras palavras, os santos do Antigo Testamento morreram na promessa, e Jesus precisou "aparecer" a eles para que a promessa fosse cumprida. Essa visão baseia-se em algumas referências como Salmos 16:10 e Mateus 12:40.

Essa é a interpretação mais conhecida, e já foi defendida em algum momento inclusive por Lutero, e ainda é a mais aceita por muitos protestantes. Com algumas diferenças, essa teoria também é a posição do catecismo Católico.

O problema com essa interpretação é que a Bíblia é bastante clara ao afirmar que os santos do Antigo Testamento em nenhum momento foram para um lugar esperar por uma consumação da salvação, mas foram estar com Deus (Gênesis 5:24; 2 Reis 2:11; Sl 73:23), pois eles também haviam sido justificados (Romanos 4:3; Hb 11:5).

"Jesus desceu ao inferno pregar aos anjos caídos"


Esta interpretação acredita que Jesus foi pregar aos anjos caídos, não no sentido de "evangelizar", mas de proclamar vitória sobre eles em uma pregação vindicativa. Os textos de Judas 1:6 e 2 Pe 2:4, são os mais utilizados na defesa dessa visão, além do texto de 1 Pe 3:18-20.

A questão aqui é que, em nenhum lugar da Bíblia, encontramos alguma referência sobre Jesus descendo ao inferno para pregar (mesmo de forma vindicativa) para anjos caídos. Utilizar as referências de Judas e das Epístolas de Pedro para defender essa ideia é forçar bastante os textos.

A referência de 1 Pedro, por exemplo, a todo momento está se referindo a pessoas e não a espíritos malignos, anjos caídos ou demônios. Portanto, o que justificaria no meio do texto ele mudar radicalmente o foco da escrita?

Também precisamos considerar que naquela época as pessoas para quem Pedro escreveu não possuíam uma Bíblia organizada como temos hoje, que possibilitasse um estudo com referências cruzadas e notas de rodapé. Se Pedro tivesse feito isso, o texto seria praticamente impossível de ser interpretado por aqueles irmãos.

"Jesus desceu ao inferno para tomar as chaves de Satanás"


Esta interpretação é bastante semelhante a anterior, e diz que Jesus desceu ao inferno para proclamar a vitória sobre Satanás e tomar as chaves da morte e do inferno. Essa ideia também tem raízes em uma interpretação sobre o resgate pago à Satanás na expiação de Cristo.

Essa é uma das interpretações mais absurdas que encontramos por aí. Primeiro, temos que esclarecer que nunca foi pago resgate algum à satanás. O resgate foi pago à Deus, o pecado foi contra Deus, e é a justiça de Deus que exigia tal pagamento. Qualquer coisa diferente disso é apenas alegoria e falta de Bíblia.

Sobre as tais chaves, a referência mais utilizada é Apocalipse 1:18, onde lemos que Cristo tem a chave da morte e do Hades. O termo "Hades" está sendo aplicado nesse versículo não no sentido de inferno, mas como uma referência ao estado de existência desencarnada, isto é, o momento em que a alma se separa do corpo, sendo o corpo conduzido a sepultura.

Quando o texto diz que Ele tem as chaves da morte e do Hades, quer dizer que Ele tem autoridade e poder sobre a morte, para que esta não seja um motivo de dano ao salvos, pois Ele mesmo recebe a alma dos santos no céu, além de que, em sua segunda vinda, Ele ressuscitará os mortos, que deixarão o estado de existência desencarnada (no contexto o Hades) para receberem corpos ressuscitados.

Não se pode interpretar esse texto de maneira estritamente literal, com Jesus descendo à um lugar em que Satanás habita e tomando as chaves da mão dele. Aqui, a referência é a obra de Cristo na cruz, onde, por sua morte, Ele destruiu aquele que utilizava a morte como uma arma contra nós (Hb 2:14), ou seja, o diabo, que sempre desejou a morte do homem, tanto física como espiritual, e se apresentava diante de Deus para nos acusar (Ap 12:10; cf. Zacarias 3:1,2).

Entenda que Satanás cumpria o papel de acusador, mas não era o responsável em proferir a sentença. A sentença de morte contra o homem foi pronunciada por Deus quando Adão e Eva caíram no pecado. Jesus derrotou Satanás na cruz. Foi ali que Ele experimentou todo peso da ira de Deus pelos nossos pecados, dando sua vida para nos libertar da maldição da morte.

Considerando o contexto histórico da passagem de Apocalipse, a declaração de que Jesus é quem possui as chaves da morte e do Hades representou um grande conforto para aqueles irmãos do século 1 d.C. que diariamente eram expostos ao martírio.

Ao saber que o controle sobre a morte está nas mãos de Cristo, eles entendiam que não era preciso temer a morte, pois se seus corpos caíssem aqui na terra, suas almas estariam com Cristo no céu, aguardando o dia em que, assim como Cristo ressuscitou, seus corpos também serão ressuscitados.


"Cristo pregou aos mortos enquanto eles ainda estavam vivos"


Esta interpretação defende que o Espírito de Cristo, através da vida de Noé e de outros profetas, pregou aos agora mortos, mas na ocasião vivos, a justiça e o arrependimento.

Qual é a interpretação biblicamente correta?


Como pudemos ver, existem várias interpretações, porém o que temos que considerar é que a Bíblia apresenta uma estrutura perfeita, e precisa ser interpretada de uma forma coerente com todo o ensino presente nela, para não causarmos contradições.

Particularmente, acredito que a interpretação mais correta biblicamente, que não isola textos específicos para explora-los fora do contexto, é de que Cristo pregou aos mortos quando estes ainda estavam em vida (última interpretação apresentada acima).

Ao lermos a primeira Epístola de Pedro podemos perceber isso claramente. No capítulo 1, Pedro afirma categoricamente que o Espírito de Cristo é quem conduzia os profetas em suas pregações.

Da qual salvação inquiriram e trataram diligentemente os profetas que profetizaram da graça que vos foi dada, indagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir (1 Pe 1:10,11).

Aplicando esse texto ao capítulo 3:18-20, podemos entender sem dificuldade que Cristo, através de Noé, pregou às pessoas que desobedeceram naquele tempo e que agora são "espíritos em prisão", ou seja, condenados ao juízo eterno. De forma mais clara, tais pessoas ouviram a pregação e a rejeitaram ainda em vida, e agora estão em condenação eterna.

Sobre o texto de 1 Pedro 4:6, o mesmo princípio é válido, isto é, o Evangelho foi pregado também aos mortos quando eles ainda eram vivos.

Outro texto bastante utilizado para defender a descida literal de Jesus ao inferno é Atos 2:31, porém originalmente o texto se refere a sepultura, ou seja, ao "estado de sepultado" literalmente. Vale lembrar que neste texto o Apóstolo Pedro está citando o Salmo 16:8-11, e interpreta uma profecia de Davi acerca da ressurreição do Messias. Então ele aponta para o contraste entre o tumulo de Davi em Jerusalém, e o tumulo de Cristo vazio, porque Deus o ressuscitou dos mortos.

Quanto ao texto de Efésios 4:9, usá-lo para defender uma descida literal de Jesus ao inferno é forçar muito a estrutura do próprio texto, e desconsiderar totalmente o contexto e o objetivo da mensagem que está sendo passada que se refere ao ministério de Cristo na terra, ao plano de salvação e a unidade e organização da igreja como corpo de Cristo.

Também não existe uma possibilidade biblicamente aceitável de que Jesus pregou o Evangelho para quem viveu no Antigo Testamento, para que eles tivessem uma chance de crer. Afirmar isso é a mesma coisa de considerar inúteis todos os profetas levantados por Deus no Antigo Testamento. Do próprio Noé, o Novo Testamento testifica que ele foi o "pregoeiro da justiça" (2 Pe 2:5), sendo assim, só me resta concordar com Pedro e afirmar que Cristo pregou através do ministério dos profetas.

Sobre a ideia de que Jesus precisou libertar e "alocar" os santos do Antigo Testamento, não encontro base bíblica alguma para justificar essa teoria. É um raciocínio muito simples. Vamos considerar Enoque e o Profeta Elias. Para que Deus tomaria ambos para si se não fosse para estar com Ele? Será que Deus os levaria para que eles ficassem em um local temporário esperando uma consumação da redenção?

Bem, a Bíblia é muito clara ao dizer que eles foram estar com Deus. Na transfiguração, pelo estado descrito de Moisés e do próprio Elias, não me parece que eles estavam em qualquer outro lugar a não ser com o próprio Deus. Outra coisa que devemos considerar, é que nas passagens que falam sobre o assunto na Bíblia, o sentido de "paraíso" é sinônimo de céu, o terceiro céu, conforme o Apóstolo Paulo indicou em 2 Coríntios 12:2-4 (outro tema polêmico que irei enfocar nessa série).

Também é importante saber que não existe na Bíblia, com referência a Jesus Cristo, a expressão "desceu ao inferno/Hades". Essa expressão passou a ser utilizada na Confissão de Fé Apostólica, talvez por volta do século IV d. C., pois em suas formas mais primitivas essa expressão não era encontrada.

Na verdade, ela foi utilizada originalmente para substituir a expressão "crucificado, morto e sepultado", o que também estaria correto, porém quando as duas expressões começaram a aparecer juntas no Credo Apostólico por volta do século VII é que começaram as confusões teológicas.

Outra coisa que vale ser lembrada, é que o conceito de um lugar comum, dividido em dois setores, para onde iam todos os mortos, encontra sua origem na doutrina pagã grega do Hades. No paganismo grego, todos os mortos ficavam em um lugar chamado Hades, e dentro do Hades havia duas alas: o Tártaro (onde ficavam todos os maus), e o Elísios (onde ficavam todos os bons).

Como inferno é uma das traduções para tártaro, e paraíso é uma das traduções para elísios [aliás, é daí a conhecida expressão "campos elísios", indicando um lugar de descanso para os bons], então já dá para saber a origem de alguns erros de interpretação que originaram doutrinas estranhas ao ensino Bíblico. A Bíblia claramente ensina que o ímpio quando morre, já está em tormento enquanto aguarda a condenação eterna no Juízo Final (2 Pe 2:9), e o salvo quando morre vai estar com Deus, aguardando a ressurreição em corpo glorioso na segunda vinda de Cristo (Filipenses 1:23).

Conclusão

Mas onde Jesus estava entre sua morte e ressurreição?


A Bíblia não fornece muitos detalhes sobre esse período, mas sabemos com certeza que Ele foi ao céu (paraíso), o que também concorda com o fato de Ele ter entregado o Seu Espírito ao Pai, apenas quando tudo foi consumado, ou seja, a expiação de Cristo foi concluída na cruz, e não ficou nenhuma etapa para ser concluída no inferno ou em qualquer outro lugar.
"E disse-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso" (Lucas 23:43, grifo meu).
"E, quando Jesus tomou o vinagre, disse: 'Está consumado'. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito" (João 19:30, grifo meu). 
"E, clamando Jesus com grande voz, disse: 'Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito'. E, havendo dito isto, expirou" (Lucas 23:46, grifo meu).
Enfim, não ficou etapa alguma a ser concluída. Após a cruz, nós sabemos o que realmente importa: Ele ressuscitou!

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