A corrupção é milenar. A história da humanidade registra casos de corrupção no Egito dos faraós; no Império Romano e na Grécia antiga; todos antes da era cristã. Sociólogos afirmam que a corrupção é motivada por uma complexidade de fatores. Pode ser o somatório de vários produtos como o social, político, econômico, moral ou até mesmo o cultural. Mas, está sempre ligada ao poder, à busca de alguma coisa e ao benefício próprio.
Em cada caso é necessária uma análise própria, pois as circunstâncias não são as mesmas e as pessoas são diferentes. No Brasil, especificamente, temos um componente cultural muito forte. Isso é fácil de ser percebido até em pequenas situações. O motorista que avança um sinal e tenta corromper (subornar) o guarda de trânsito, é um exemplo bem claro. Temos também o caso daquele cidadão que chega numa repartição pública, não encontra o serviço funcionando como deveria estar, e tenta conseguir seu objetivo com alguma caixinha. E poderíamos enumerar outros exemplos que usa como estratégia o famoso e famigerado "jeitinho brasileiro", a tal "Lei de Gérson", tem origem em uma propaganda que Gérson, um dos melhores meio-campistas da história do futebol brasileiro e ex-jogador de grandes times como o São Paulo Futebol Clube, fez para os cigarros Vila Rica no ano de 1976.
Na peça publicitária, o boleiro fala sobre as vantagens do cigarro e pronuncia a seguinte frase: "É gostoso, suave e não irrita a garganta". Na sequência diz: "Por que pagar mais caro se o Vila me dá tudo aquilo que eu quero de um bom cigarro?". Depois de propagandear o cigarro e falar sobre o quanto o produto era bom, Gérson dá um sorrisinho malandro e solta a última e infeliz frase da propaganda: "Gosto de levar vantagem em tudo, certo?". Desta forma, sintetizou de uma vez só o jeitinho brasileiro de fazer o errado parecer certo.
Apesar de já ser um jogador consagrado na época, ficou marcado pela propaganda. Depois de algum tempo, o "Canhotinha de Ouro" declarou que ficou arrependido de ter sua imagem associada ao anúncio. Mas já era tarde, seu nome acabou batizando a Lei mais salafrária do país e ficou no imaginário popular. Segundo o diretor do comercial, o publicitário José Monserrat Filho, "houve um erro de interpretação, o pessoal começou a entender como ser malandro. No segundo anúncio dizíamos: ‘levar vantagem não é passar ninguém para trás, é chegar na frente’”.
Com os escândalos políticos que ocorrem frequentemente na política brasileira, tais como fraude, corrupção, lavagem de dinheiro, superfaturamento, entre outros, a expressão Lei de Gérson acaba surgindo na boca do povão todos os anos. Enraizada na cultura popular, virou sinônimo de levar vantagem acima de tudo, sem respeitar códigos éticos ou morais.
A falta de controle social e público também deve ser considerada. Atos corruptos precisam de punições severas. No Brasil não existem mecanismos de fiscalização adequados, uma característica das sociedades desiguais, que apresentam verdadeiros abismos entre as classes sociais. Poucos com muito e muitos com quase nada. A manutenção desse quadro leva a casos de corrupção e impunidade. A justiça também é pautada por esses valores. Teoricamente, as instituições que cuidam da ordem jurídica devem estar além do interesse privado. Quando isso não acontece, surgem as distorções e os casos de impunidade.
Um dado interessante e que diz respeito à nós, cristãos. De acordo com o ranking da ONG Transparência Internacional, nos países de maioria evangélica os índices de corrupção são considerados baixos.
A história da corrupção no Brasil
A corrupção chegou ao Brasil em 1500, com a frota de caravelas de Pedro Álvares Cabral. O primeiro documento oficial do país, a carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, D. Manuel, dando conta da terra descoberta, se aproveitava da situação, era oportunista e usava do tráfico de influência em troca de um favor. Pero Vaz pedia que seu genro, Jorge Osório, que cumpria pena de exílio em São Tomé, fosse libertado. O jovem entrou para a história como o primeiro beneficiário da corrupção no Brasil.
Em 1516, o capitão Pero Capico, designado pelo rei D. Manuel para evitar o desvio e seus direitos sobre o comércio do açúcar, do pau-brasil e dos escravos, chegou pobre nas terras recém descobertas e voltou rico para Portugal dez anos depois. Historicamente apontam que neste período foram instituídas as primeiras comissões no território nacional.
"Santinho do pau oco"
Com a descoberta de ouro em Minas Gerais, Cuiabá e Goiás, ocorreu uma corrida de aventureiros para o Brasil. Com medo de que Portugal ficasse despovoado, desguarnecido para uma invasão, o rei proibiu a saída dos "bons". De acordo com vários historiadores, "só conseguiam visto para viver no Brasil os vagabundos, ladrões, inimigos do trabalho e clérigos de má fama". Estes últimos protagonizariam os casos do "santinho do pau oco". Eles despachavam várias estátuas confeccionadas com gesso. As imagens eram ocas e o seu interior era preenchido com ouro em pó. O Brasil exportava "santinhos" para o mundo. Historiadores afirmam que os fiscais da alfândega na época ficavam com algumas "peças" para não examinarem detalhadamente os carregamentos. Quando o contrabando foi descoberto, em 1711, muitos padres foram expulsos do país.
Um quinto do ouro brasileiro pertencia ao rei (os famosos quintos reais). Para garanti-los, o monarca enviou para Cuiabá, em 1727, o capitão governador de São Paulo, Rodrigo César de Menezes. Ele despachou para Lisboa 50 kg de ouro. Quando Dom João V abriu os caixotes fechados, com selos reais intactos, encontrou apeans um carregamento de chumbo de caça. Foi aberto um inquérito e o processo se arrastou por anos. Entre os suspeitos estavam as mais altas autoridades coloniais. Ninguém foi punido, o que leva a crer que todos os investigadores foram corrompidos. E, aqui, estamos nos idos do século XVII!
"Para inglês ver"
No século XIX, o Brasil independente foi signatário de tratados patrocinados pela Inglaterra, que proibiam o tráfico de escravos. Mas o respeito a essas normas só aconteciam nos portos oficiais ou na presença de autoridades britânicas. Isso gerou a expressão "para inglês ver". Em ancoradouros clandestinos foram desembarcados meio milhão de africanos escravos. Autoridades portuárias ficaram milionárias com as comissões que recebiam para não coibir a prática. Os dois maiores traficantes negreiros foram Bernadino de Sá, que se tornou o barão de Vila Nova do Minho, em Portugal, título reconhecido oficialmente no Brasil por D. Pedro II; e Manuel Pinto da Fonseca, que frequentava a casa do chefe de polícia, jogava cartas com a família imperial e era cavaleiro da Ordem das Rosas.
Com o fim do tráfico de escravos, o império, para se manter no poder, liberou milhares de contos de réis em financiamentos. Pesquisadores apontam muitas dúvidas nas negociações para as concessões das estradas de ferro, para as autorizações de navegação entre portos do país, para a instalação de cabos telegráficos e para iluminação a gás nas grandes cidades brasileiras.
No fim do império e início da república, circulavam nos corredores dos ministérios, da Câmara, e do Senado, exércitos de aventureiros nacionais e internacionais, intermediários e empresários na busca das cobiçadas concessões, na garantia de serem os principais fornecedores dos novos empreendimentos e também na certeza de vantajosos empréstimos junto a banqueiros nacionais e internacionais. Essas operações, em sua maioria, foram benéficas para os requisitantes e prejudiciais para a nação. A "troca de favores" sempre foi marcante na vida pública nacional.
No século XX surgiu a expressão "caixinha", para justificar comissões pagas a políticos e autoridades municipais, estaduais e federais. O hábito ficou tão enraizado na sociedade brasileira que o comércio, de uma forma geral, adotou o termo para significar um presente ou um prêmio pelo bom atendimento. Atualmente, o noticiário emm todas as mídias apresenta novidades semânticas para velhas práticas: "caixa dois" e "mensalão".
Em tempos mais recentes
O período militar, iniciado com o golpe em 1964, teve no caso Capemi e Coroa- Brastel uma amostra do que ocultamente ocorria nas empresas estatais. Durante a década de 80 havia um grupo privado chamado Capemi (Caixa de Pecúlios, Pensões e Montepios), fundado e dirigido por militares, que era responsável pela previdência privada. O grupo era sem fins lucrativos e tinha como missão, gerar recursos para manutenção do Programa de Ação Social, que englobava a previdência e a assistência entre os participantes de seus planos de benefícios e a filantropia no amparo à infância e à velhice desvalida. Este grupo, presidido pelo general Ademar Aragão, resolveu diversificar as operações para ampliar o suporte financeiro da empresa. Uma das inovações foi a participação em um consórcio de empresas na concorrência para o desmatamento da área submersa da usina hidroelétrica de Tucuruí (empresa estatal).
Vencida a licitação pública em 1980 deveria-se, ao longo de 3 anos, concluir a obra de retirada e de comercialização da madeira. O contrato não foi cumprido e o dinheiro dos pensionistas da Capemi dizia-se que fora desviado para a caixinha do ministro-chefe do Sistema Nacional de Informações (SNI), órgão responsável pela segurança nacional, general Otávio Medeiros que desejava candidatar-se à presidência do país. A resultante foi a falência do grupo Capemi, que necessitava de 100 milhões de dólares para saldar suas dívidas, e o prejuízo aos pensionistas que mensalmente eram descontados na folha de pagamento para a sua, futura e longínqua, aposentadoria. Além do comprometimento de altos escalões do governo militar o caso revelou: a estreita parceria entre os grupos privados interessados em desfrutar da administração pública, o tráfico de influência, e a ausência de ordenamento jurídico.
Em 1980 o proprietário da Coroa-Brastel, Assis Paim, foi induzido pelos ministros da economia Delfim Netto, da fazenda Ernane Galvêas e pelo presidente do Banco Central, Carlos Langoni, a conceder à Corretora de Valores Laureano um empréstimo de 180 milhões de cruzeiros. Cabe ressaltar que a Coroa-Brastel era um dos maiores conglomerados privados do país, com atuações na área financeira e comercial, e que o proprietário da Corretora de Valores Laureano era amigo pessoal do filho do chefe do SNI Golbery do Couto e Silva.
Interessado em agradar o governo militar, Paim concedeu o empréstimo, mas após um ano o pagamento não havia sido realizado. Estando a dívida acumulada em 300 milhões de cruzeiros e com o envolvimento de ministros e do presidente do Banco Central, a solução encontrada foi a compra, por Paim, da Corretora de Valores Laureano com o apoio do governo. Obviamente a corretora não conseguiu saldar suas dívidas, apesar da ajuda de um banco estatal, e muito menos resguardar o prestígio dos envolvidos.
A redemocratização brasileira na década de 80 teve seu espaço garantido com o fim do governo militar (1964-1985). Em 1985 o retorno dos civis à presidência foi possível com a campanha pelas Diretas-Já, que em 1984 mobilizou milhares de cidadãos em todas as capitais brasileiras pelo direito ao voto para presidente. Neste novo ciclo político o Impeachment do presidente Collor constitui um marco divisor nos escândalos de corrupção.
Durante as eleições para presidente em 1989 foi elaborado um esquema para captação de recursos à eleição de Fernando Collor. Posteriormente, foi revelado que os gastos foram financiados pelos usineiros de Alagoas em troca de decretos governamentais que os beneficiariam. Em abril de 1989, após aparecer seguidamente em três programas eleitorais, Collor já era um nome nacional. Depois que Collor começou a subir nas pesquisas, foi estruturado um grande esquema de captação de dinheiro com base em chantagens e compromissos que lotearam previamente a administração federal e seus recursos. Esse esquema ficou conhecido como “Esquema PC”, sigla baseada no nome do tesoureiro da campanha, Paulo César Farias, e resultou no impeachment do presidente eleito. Segundo cálculos da Polícia Federal estima-se que este esquema movimentou de 600 milhões a 1 bilhão de dólares, no período de 1989 (campanha presidencial) a 1992 (impeachment).
Os apelidos da corrupção
No Brasil, dependendo dos aspectos regionais, encontramos muitas palavras para designar atos de corrupção: caixinha, caixa dois, mensalão (e sua variante no diminutivo, mensalinho), molhar a mão, lubrificar, lambidela, mata-bicho, jabaculê, jabá (muito usado no meio musical), capilé, conto-do-paco, mamata, maracutaia, negociata, por fora, PF, taxa de urgência, trem da alegria, propina etc.
Conclusão
Nossa breve história da corrupção pode induzir à compreensão que as práticas ilícitas reaparecem como em um ciclo, dando-nos a impressão que o problema é cultural quando na verdade é a falta de controle, de prestação de contas, de punição e de cumprimento das leis. É isso que nos têm reconduzido a erros semelhantes. A tolerância a pequenas violações que vão desde a taxa de urgência paga a funcionários públicos para conseguir agilidade na tramitação dos processos dentro de órgão público, até aquele motorista que paga a um funcionário de uma companhia de trânsito para não ser multado, não podem e não devem mais ser toleradas. Precisamos decidir se desejamos um país que compartilhe de uma regra comum a todos os cidadãos ou se essa se aplicará apenas a alguns. Nosso dilema em relação ao que desejamos no controle da corrupção é esquizofrênico e espero que não demoremos muito no divã do analista para decidirmos.
Por mais que eu tenha tentado resumir, a história da corrupção no Brasil é extensa e cheia de preâmbulos e complexidades. Ou seja, tem muita "treta" por debaixo do tapete. Não citarei aqui os casos recentes de corrupção, como o mensalão e o mais recente - que ainda dói em nossa carne-, caso Petrobrás, cujo desfecho está longe de ser alcançado.
"Não pervertam a justiça nem mostrem parcialidade. Não aceitem suborno, pois o suborno cega até os sábios e prejudica a causa dos justos [...] Não se deixem vencer pelo mal, mas vençam o mal com o bem."
Deuteronômio 16:19; Romanos 12:21
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