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segunda-feira, 20 de junho de 2016

A TURMA DO CHAVES: 45 ANOS DE CRÍTICAS SOCIAIS

Cada vez mais, a mídia está presente no nosso dia-a-dia. Seu conteúdo não apenas influencia nossas opções de consumo, mas a forma como pensamos e nos relacionamos com os outros e com o mundo. Entretanto, tal influência não se dá de forma passiva, como consideravam os primeiros estudos em Comunicação de massa. Somos capazes de criticar positiva ou negativamente, aceitar ou rechaçar, nos identificarmos ou não com o que lemos, ouvimos e/ou vemos. Como receptores, podemos interagir e até influenciar a construção de novos conteúdos a partir dessa interação. 

Há mais de 40 anos, Chaves tem sido sucesso na televisão aberta brasileira ininterruptamente. A personagem principal, Chaves, criada e interpretada por Roberto Gómez Bolaños (1929-2014), atravessa gerações conquistando fãs por mais de 40 anos. O programa retrata a vida de um menino muito pobre, órfão, que tem como esconderijo um barril e vive numa humilde vila com diversas pessoas, que também serão brevemente analisadas nesse artigo. 

Críticas sociais atemporais


Os episódios foram escolhidos aleatoriamente tanto para explicar a caracterização das personagens como para apontar diálogos e/ou conversações que revelam críticas sociais, pois acredito que a crítica está presente na série como um todo e não numa temporada específica. O sucesso da Turma do Chaves ao longo de muitos anos, sendo 32 deles no Brasil, não estava apenas relacionado à qualidade do elenco e às falas cômicas, mas também à identificação do público com as personagens e solidariedade às agruras por elas vividas. 

As críticas presentes nos episódios, embora objetivassem retratar uma sociedade mexicana na década de 70, aplicam-se com muita propriedade à nossa atual organização social: ainda vivemos contrastes, desigualdades e pobreza similares. As organizações de família e relações interpessoais não estão muito distintas, apesar dos episódios terem sido gravados há algumas décadas. 

Este artigo não objetiva contemplar tampouco encerrar todas as críticas existentes no seriado, mas apontar algumas muito recorrentes que ainda estão impregnadas no imaginário da atual sociedade. 

Análise dos personagens


A Cidade do México passou por profundas mudanças sociopolíticas nos últimos cinquenta anos, o que refletiu positivamente em todo o mundo, uma vez que esta deixou de ser capital regional para assumir a posição de capital global proeminente tanto na economia quanto na comunicação. 

Foi neste período prolífero de mudanças – especialmente no que diz respeito à questão urbana –, que há quatro décadas, mais precisamente em março de 1972, o ator Bolaños encarnou pela primeira vez a personagem que foi conhecida por um continente, impactou gerações e até a atualidade é a estrela de um dos programas mais populares transmitidos na televisão brasileira: o 

  • Chaves. 

Responsável por popularizar inúmeros bordões que são conhecidos por pessoas de diferentes faixas etárias, a protagonista, que dá nome ao programa representa a figura de um menino pobre, órfão, vestindo-se com uma espécie de macacão cheio de remendos e extremamente sujo que habita em uma vila igualmente pobre. 

O que imprime originalidade à série, além da atuação de Bolaños – um adulto representando criança pobre de oito anos, sem passado e tampouco perspectiva de futuro –, são a bondade e ternura que parecem permear a construção da personagem. 

  • Seu Madruga

O ator Ramón Gómez Valdez Castillo (1923-1988) representou uma personagem que oscila entre a bondade e a necessidade de sobreviver sem muito trabalho. Como raramente trabalha, Seu Madruga prefere aproveitar as oportunidades encontradas, mesmo que aparentemente não muito éticas, para ter o que comer e sustentar a filha, uma vez que é viúvo. 

A personagem se enquadra, com propriedade, na definição de pobreza: Carismático, porém, impaciente, Seu Madruga poderia simbolizar aqueles sem instrução formal que não têm perspectivas de ascender socialmente. Viver o hoje e o agora é o que vale, porquanto o amanhã é incerto. 

Sofre inúmeras humilhações por não ter boa aparência, não ser muito higiênico, não possuir muitos conhecimentos formais, embora em muitas cenas aparecesse lendo jornais. Possui uma dívida de 14 meses de aluguel, a qual não se mostra muito interessado em pagar, ainda mais porque pagá-la, implicaria trabalhar. Seu Madruga pode ser considerado ainda um exemplo de estoicismo, quando é vítima de uma injustiça e não reage a mesma. 

  • Chiquinha
 
Interpretada pela atriz Maria Antonieta de las Nieves, é a única filha de Seu Madruga, uma menina cheia de energia e dotada de grande astúcia. É muito esperta e, por vezes, vale-se disso para levar vantagem sobre os outros, o que revela uma forte tendência a ser uma sobrevivente como o pai o é. 

Criada apenas pelo pai, Chiquinha cresce sem sólido referencial de família, uma vez que as necessidades e capacidades naturais amadurecem segundo estágios de socialização vinculados à idade, através da absorção passiva de influências dos adultos, como tradicionalmente nos ensina a psicologia do desenvolvimento. 

  • Dona Florinda

Florinda Meza, viúva de Bolaños, vive o papel de Dona Florinda. Viúva, mãe superprotetora, essa personagem está sempre, inexplicavelmente, mal humorada. Julga-se superior aos demais residentes da vila, às vezes, definindo-se como membro da alta sociedade, contudo, partilha do mesmo ambiente de todos, ou seja, da mesma comunidade, o que gera uma grande contradição. 

Quanto ao atual sentido do vocábulo comunidade, atualmente, seu(s) significado(s) popular(es) não apenas transmite(m) noções tradicionais de localidade e vizinhança comuns, mas também ideias de solidariedade e conexão entre pessoas que compartilham características ou identidades sociais semelhantes.

Por isso a paradoxal personalidade de dona Florinda. Na verdade, a personagem reflete a falta de pertencimento, pois não consegue se sentir parte do grupo, nem reconhece que também é pobre julgando-se, contraditoriamente, diferente dos demais. 

  • Quico 

Carlos Villagrán também popularizou muitos bordões ao vivenciar o mimado Quico. Filho de Dona Florinda, Quico sofre bullying por ser bochechudo. Devido à educação e superproteção que recebe da mãe, o menino se julga superior aos colegas e sente prazer em desmerecê-los, entretanto, diferentemente de Dona Florinda, Quico interage mais com as outras personagens. Chiquinha copia a esperteza do pai, Quico imita a soberba da mãe. 

  • Professor Girafales

Na sexta-feira passada (17), despertávamos com a notícia da morte de um dos nomes mais emblemáticos da televisão mexicana, o ator Rubén Aguirre Fuentes que viveu o papel do professor apaixonado por Dona Florinda sem, contudo, ser muito simpatizante do Quico. 

Essa insinuação de possível futuro relacionamento entre o professor e dona Florinda já representava, nos anos 1970, a forma como os lares e famílias se refaziam, constituindo uma nova configuração familiar. O modelo atual de família inclui filhos que podem não ser do mesmo ascendente, porquanto as relações de parentesco não são biológicas, mas um conjunto de relações sociais construídas sobre ela. 

A altura do ator pode estar relacionada com a personagem: um homem culto, cordial estando, no entanto, inseguro sobre como declarar sua paixão. Muitas vezes, aparenta soberba ao se expressar. Como professor, padece pelo insucesso ao tentar ensinar as crianças, que não apenas desprezam o saber, mas também têm pouco conhecimento de mundo. 

O professor Girafales enfrenta o desrespeito ao ser apelidado de diversos nomes e não consegue fazer com que os alunos participem de suas aulas devido à indisciplina e animosidade entre os colegas de classe. 

  • Dona Clotildes

Apelidada de Bruxa do 71, era vivida por Angelines Fernández Abad (1922-1994), uma ex-miss México, que interpretava uma solteirona de meia idade apaixonada por Seu Madruga, com quem gostaria de se casar e, juntamente com Chiquinha, dar continuidade a família. 

Foi uma grande sacada do autor, convidar uma ex-miss para fazer o papel de uma mulher que por causa da aparência, sofre ao ser chamada de bruxa, não apenas pelas crianças, mas também pelos demais residentes da vizinhança.  

  • Senhor Barriga 

Edgar Vivar foi responsável por dar vida à personagem Senhor Barriga, o dono da vila onde acontecem todas as confusões do programa. O peso do ator não apenas deu nome à personagem, mas também estabelece um contraste entre esta e o Seu Madruga: 
  1. O primeiro, gordo e abastado enquanto o outro, magérrimo e pobre. 
  2. Um trabalhava bastante, o outro foge de emprego. 
  3. Senhor Barriga pertence a uma família próspera, Seu Madruga é um sobrevivente. 
Há outras personagens com papéis menos proeminentes como: Dona Neves, bisavó da Chiquinha; Jaiminho, o carteiro preguiçoso; Nhonho, filho do Senhor Barriga; Popis, prima do Quico; Paty, a bela menina da vila; Godinez, um colega da escola. Houve também participações esporádicas, no entanto, sem muita relevância. 

Cada uma das personagens descritas acima representa a dualidade do ser humano manifesta nas várias identidades que a Contemporaneidade possibilita. Nos dias de hoje, o programa ainda é reprisado em algumas emissoras, tanto na TV aberta (SBT), como em canais a cabo, e há ainda uma versão de desenho animado, que é, na verdade, uma releitura dos antigos episódios. 

No México como no Brasil 


A mais importante personagem de Roberto Bolaños, na verdade, representa várias vozes, que poderiam estar tanto no México de 1972 quanto no Brasil de hoje. Embora o programa televisivo tenha iniciado em 1972, no México, retratando aquela sociedade, a presença de meninos abandonados, sem perspectivas de sequer experimentarem uma refeição decente ainda é uma grave realidade no Brasil, 40 anos depois da transmissão do primeiro episódio. 

Vivemos ainda hoje, no século XXI, a desigualdade social. Apesar de decorridas quatro décadas, o Programa do Chaves continua atual e aplicável da situação de meninos órfãos no Brasil. A personagem reflete as condições precárias de vida às quais tanto Chaves quanto as crianças de hoje são relegadas e as privações que um miserável pode perpetuar se não experimentar mudança. 

Bolaños conseguiu dar visibilidade e voz a um indivíduo ficcional que representa aquele ser cuja identidade é ignorada diariamente nas grandes e pequenas cidades. Chaves é o retrato da perpetuação da pobreza, da subexistência. Aquele que, caso consiga se inserir no mercado de trabalho, viverá para servir sem ter, ao menos, o nome revelado ou qualquer curiosidade quanto à vida suscitada. 


Conclusão


Um programa ficar por anos no ar e continuar a ser reprisado, mesmo muito tempo depois de seu fim, não é tarefa fácil, ainda mais para agradar um público cada vez mais exigente, que está sempre buscando novas fontes e formas de entretenimento. Essa faceta e sucesso podem ser atribuídas ao Chaves do oito, que continua atual e interessante não apenas para aqueles que acompanhavam o programa nos anos 70 e 80, como para as crianças de hoje em dia. 

Ao longo de quatro décadas de presença cotidiana na televisão brasileira, percebemos que, embora muitas formas de organizações sociais tenham mudado, os diálogos e conversas presentes no Programa do Chaves parecem refletir vários aspectos da pós-modernidade. Vimos como as personagens comunicam através das roupas, gestos, linguagens e identidades, um modo de vida que pode ser encontrado no dia-a-dia de muitas comunidades atualmente. 

Produzida pela Televisão Independente do México (mais tarde chamada Televisa), a série rapidamente conquistou um espaço no coração das crianças.

Apesar do que possa parecer, inicialmente seu criador, Bolaños, considerou que o público-alvo de Chaves não seriam as crianças, e sim os adultos. Entretanto, o programa logo se tornou um fenômeno para todas as idades, e em 1973 já era exibido em vários países da América Latina, com altos índices de audiência. Estima-se que, em 1975, mais de 350 milhões de telespectadores tenham visto cada episódio.

Polêmicas


Como todo programa de sucesso, não esteve isento de algumas polêmicas. Em 1978, Carlos Villagrán abandonou a série por causa de um conflito com Bolaños sobre a autoria do personagem Quico. E em 1979 foi Ramón Valdés quem decidiu deixar o programa, para voltar um ano depois – e não por muito tempo, já que o último episódio de Chaves como programa autônomo foi ao ar em 1º. de janeiro de 1980, apesar de ter continuado como um quadro do programa Chespirito até 12 de junho de 1992.

Apesar de extinta há 24 anos, continuou sendo reprisada em diversos países até hoje (no Brasil, é presença constante na grade de programação do SBT). Mas, além da série original, o universo de Chaves gerou alguns subprodutos: Chaves em Desenho Animado, também produzido pela Televisa, no ar desde 2006; o livro Diário do Chaves, escrito pelo próprio Gómez Bolaños e lançado em 1995; o musical El Chavo Animado: Show en Vivo, que estreou em 2010; e um videogame para Wii, comercializado desde 2012.

Com bordões como "Ninguém tem paciência comigo", "Tá bom, mas não se irrite!", "Tá, tá, tá... tá!" e a mítica "Foi sem querer querendo", Chaves entrou há 45 anos nos nossos corações, e até hoje continua sendo uma referência cultural para mais de uma geração.

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