O uso da Lei
Para entendermos bem o uso da lei precisamos entender o que são o pacto das obras e o pacto da graça. Assim, é prudente começarmos por esclarecer o que são esses pactos e qual o conceito de lei que está envolvido na questão.
Pacto das Obras e Pacto da Graça
São as terminologias usadas pela Confissão de Fé de Westminster para explicar a forma de relacionamento adotada por Deus para com as suas criaturas, os seres humanos. Mais do que isso, essa terminologia reflete o sistema teológico adotado pelos reformados, conhecido como teologia federal.
De forma bem resumida, podemos dizer que o pacto das obras é o pacto operante antes da queda e do pecado. Adão e Eva viveram originalmente debaixo desse pacto e sua vida dependia da sua obediência à lei dada por Deus de forma direta em Gênesis 2:17 — não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. Adão e Eva descumpriram a sua obrigação, desobedeceram a lei e incorreram na maldição do pacto das obras, a morte.
O pacto da graça é a manifestação graciosa e misericordiosa de Deus, aplicando a maldição do pacto das obras à pessoa de seu Filho, Jesus Cristo, fazendo com que parte da sua criação, primeiramente representada em Adão, e agora representada por Cristo, pudesse ser redimida.
Porém, a lei antes da queda não se resume à ordem de não comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. A lei não deve ser reduzida a um aspecto somente. Existem outras leis, implícitas e explícitas, no texto bíblico.
Por exemplo, a descrição das bênçãos em Gênesis 1:28 aparece nos imperativos sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e dominai. Esses imperativos foram ordens claras do Criador a Adão e sua esposa e, por conseguinte, eram leis. O relacionamento de Adão com o Criador estava vinculado à obediência, a qual ele era capaz de exercer e assim cumprir o papel para o qual fora criado.
No entanto, o relacionamento de Adão com Deus não se limitava à obediência. Esse relacionamento, acompanhado de obediência, deveria expandir-se de maneira que nele o Deus criador fosse glorificado e o ser humano pudesse ter plena alegria em servi-lO. A Confissão de Fé nos fala da lei de Deus gravada no coração do homem (CFW 4.2). Essa lei gravada no coração do ser humano reflete o tipo de intimidade reservada por Deus para as suas criaturas.
Nesse contexto podemos perceber que a lei tinha um papel orientador para o ser humano. Para que o seu relacionamento com o Criador se mantivesse, o homem deveria ser obediente e assim cumprir o seu papel. A obediência estava associada à manutenção da bênção pactual. A não obediência estava associada à retirada da bênção e à aplicação da maldição. A lei, portanto, tinha uma função orientadora. O ser humano, desde o princípio, conheceu os propósitos de Deus através da lei. Tendo quebrado a lei, ele tornou-se réu da mesma e recebeu a clara condenação proclamada pelo Criador: a morte.
O que acontece com essa lei depois da queda e da desobediência? Ela tem o mesmo papel? Ela possui diferentes categorias? Por que Deus continuou a revelar a sua lei ao ser humano caído?
De que Lei estamos falando?
A revelação da lei de Deus, como expressão objetiva da sua vontade, encontra-se registrada nas Escrituras. Esse registro, que começou nos tempos de Moisés, fala-nos da lei que Deus deu a Adão e também aos seus descendentes. Essa lei foi revelada ao longo do tempo.
Dependendo das circunstâncias e da ocasião em que foi dada, possui diferentes aspectos, qualidades ou áreas sobre as quais legisla. Assim, é importante observar o contexto em que cada lei é dada, a quem é dada e qual o seu objetivo manifesto. Só assim poderemos saber a que estamos nos referindo quando falamos de Lei.
A Confissão de Fé, no capítulo 18, divide esses aspectos em lei moral, civil e cerimonial. Cada uma tem um papel e um tempo para sua aplicação:
- (a) Lei Civil ou Judicial – representa a legislação dada à sociedade israelita ou à nação de Israel; por exemplo, define os crimes contra a propriedade e suas respectivas punições.
- (b) Lei Religiosa ou Cerimonial – representa a legislação levítica do Velho Testamento; por exemplo, prescreve os sacrifícios e todo o simbolismo cerimonial.
- (c) Lei Moral – representa a vontade de Deus para o ser humano, no que diz respeito ao seu comportamento e aos seus principais deveres.
Toda a Lei é aplicável aos nossos dias?
Quanto à aplicação da Lei, devemos exercitar a seguinte compreensão:
- (a) A Lei Civil tinha a finalidade de regular a sociedade civil do estado teocrático de Israel. Como tal, não é aplicável normativamente em nossa sociedade. Os sabatistas erram ao querer aplicar parte dela, sendo incoerentes, pois não conseguem aplicá-la, nem impingi-la, em sua totalidade.
- (b) A Lei Religiosa tinha a finalidade de imprimir nos homens a santidade de Deus e apontar para o Messias, Cristo, fora do qual não há esperança. Como tal, foi cumprida com sua vinda. Os sabatistas erram ao querer aplicar parte da mesma nos dias de hoje e ao mesclá-la com a Lei Civil.
- (c) A Lei Moral tem a finalidade de deixar bem claro ao homem os seus deveres, revelando suas carências e auxiliando-o a discernir entre o bem e o mal. Como tal, é aplicável em todas as épocas e ocasiões. Os sabatistas acertam ao considerá-la válida, porém erram ao confundi-la e ao mesclá-la com as outras duas, prescrevendo um aplicação confusa e desconexa.
Conclusão da Parte 2
Assim sendo, é fundamental que, ao ler o texto bíblico, saibamos identificar a que tipo de lei o texto se refere e conhecer, então, a aplicabilidade dessa lei ao nosso contexto.
As leis civis e cerimoniais de Israel não têm um caráter normativo para o povo de Deus em nossos dias, ainda que possam ter outra função como, por exemplo, ensinar-nos princípios gerais sobre a justiça de Deus.
Portanto, a lei que permanece "vigente" em nossa e em todas as épocas é a lei moral de Deus - pois, sendo de aspecto moral, ela está essencialmente indissociável do caráter de Deus, que é imutável. Ela valeu para Adão assim como vale para nós hoje. Isto implica que estamos, hoje, debaixo da lei? E o que veremos nos próximos capítulos.
Ao Deus da Lei e da Graça, toda glória.
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E nem 1% religião
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