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sábado, 2 de julho de 2016

ACONTECIMENTOS - TRAGÉDIA DA GAMELEIRA

Nessa nova série especial vou escrever sobre fatos que marcaram a história regional e brasileira. Em textos resumidos, relembraremos um pouco da nossa história recente, enfocando os acontecimentos que ficaram registrados (alguns até esquecidos) nos anais históricos. 

A importância da história


Se existe um ditado, ou uma frase correta que define um pouco o povo brasileiro é "brasileiro não tem memória", infelizmente, esta é uma verdade que, de fato, ocorre conosco. Se for falar de cristãos então, meu Deus, se sabe decorado João 3:16 já acha que tem uma ótima memória bíblica. E, certamente, o principal motivo dessa lacuna memorial é o fato de que os brasileiros não gostam de ler (principalmente os de classe média).

Pense aí de bate pronto, qual foi o deputado que você votou há dois anos? Difícil? Deixa-me facilitar um pouco. Você se lembra de todos os aniversários e datas comemorativas de pessoas importantes pra você? Piorei? É amigo[a], nossa memória é curta e não temos o hábito de anotar em algum lugar as coisas que são importantes pra nós, confiamos numa memória que não se recorda o que jantou anteontem.

Lembrar-se das coisas é importante porque são marcos que ocorreram em nossas vidas lá atrás, no passado, e que nos fará seguir em frente, tentar melhorar para os próximos dias que virão. Sigamos o conselho do sábio Salomão: "Lembra-te também do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias, e cheguem os anos dos quais venhas a dizer: Não tenho neles contentamento" (Eclesiastes 12:1).

As histórias vividas nos dão experiências para viver melhor do que antes. Exemplos de vida de pessoas mais velhas nos mostra como não errar igual ao fulano de tal. Se isto não é considerado viveremos um ciclo sem fim, um loop infinito de erros e acertos. Numa tentativa e erro desenfreada e quando menos se esperar a vida passou como um sopro: "O homem é como um sopro; seus dias são como uma sombra passageira" (Salmos 144:4).

Não deixe de contar histórias, aquelas que foram vividas por você, aquelas que você ouviu dos seus pais, seus avôs, aquelas histórias aprendidas no Discipulado Dominical ou vista num filme especial, não pare de contar histórias. Para contá-las você precisa memorizá-las, elas têm que ser importantes para você, fazer sentido para que seu cérebro as armazene no "diretório das histórias importantes".

Sem memória é impossível contar uma história! Histórias aguçam o nosso imaginário faz a gente viajar, ir para outra dimensão, faz a gente querer reviver aquilo que já se passou, traz alegria daquilo que foi vivido ou a certeza de nunca mais fazer aquilo. Nas histórias é possível encontrar coisas comuns, comportamentos semelhantes aos seus, faz a gente se colocar no lugar da outra pessoa. Tornamos-nos humanos. Sem história é impossível haver comunidade!

Para abrir esta série, vou relembrar um acontecimento que um marco da impunidade e da injustiça no Brasil.

Tragédia da Gameleira, impunidade histórica no limbo do esquecimento


Certamente muitos dos que hoje passam pelo Centro de Feiras e Exposições George Norman Kutova - o Expominas, imponente centro de convenções (o maior capital), localizado no bairro Gameleira, região oeste de Belo Horizonte, não imaginam o que está encoberto debaixo da futurística arquitetura. 

Lá debaixo foi literalmente sepultado sob escombros o sonho de muitos brasileiros, muitos "Zés-Ninguém" que nunca tiveram a chance de ser alguém. Lá foi sepultado debaixo da lage que ruiu o futuro de muitas donas Maria, seus Zezinhos e Mariazinhas. Lá também estão os restos mortais do senso de justiça de pessoas ricas, influentes, políticos eloquentes e empresários gananciosos. 

Conheça (ou relembre) a história da maior tragédia da construção civil em Minas Gerais


Uma tragédia de proporção gigantesca abalaria a capital dos mineiros em 4 de fevereiro de 1971 e que ficaria conhecido como o maior acidente da construção civil brasileira. 

Naquele ano o Parque de Exposição Bolivar de Andrade, conhecido como Parque da Gameleira, passava por obras. Uma dessas obras era a construção de um pavilhão. Para isso foi contratado o arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012) e o engenheiro Joaquim Cardozo (1897-1978 - que ficou conhecido como "o engenheiro das curvas de Brasília), ambos já tinham trabalhado em Belo Horizonte no complexo arquitetônico da Pampulha e no conjunto JK.

O governador da época era Israel Pinheiro (1896-1973 que vivia seus últimos momentos no cargo, ele deixaria o Palácio da Liberdade em 15 de março. Como todo político, Israel, queria deixar um legado do seu governo. O legado seria a entrega do moderno pavilhão da Gameleira. Mas, as obras não estavam prontas. Com esse atraso o governo começou a pressionar os trabalhadores para que as obras terminassem antes do final do mandato. Operários já vinham alertando o governo sobre fissuras e estalos nos alicerces. Sem ouvir os operários o governo mandou retirar as vigas de sustentação. Toda estrutura desabou. Cerca de 10 mil toneladas vieram abaixo.

Com a queda da estrutura 69 operários morreram e houve pelo menos 100 feridos. O registro de mortos é restrito aos corpos resgatados dos escombros. O número não inclui os óbitos posteriormente, nos hospitais. Na época surgiram boatos de que vários outros operários teriam ficado soterrados esses corpos nunca foram encontrados (o que alimentou durante muito tempo a lenda urbana dos fantasmas que assombravam o espaço; dizia-se que durante a noite era possível até ouvir gemidos por lá).  O acidente gerou uma comoção em toda cidade.

As vitimas e os familiares


Cerca de 512 operários estavam naquele dia no campo de obra. Como já era quase hora do almoço alguns já estavam se preparando para almoçar. Já outros operários preferiram aproveitar a sombra proferida pela laje para comerem suas marmitas e descansarem. Um desses trabalhadores foi Manoel Firmo de Souza de 44 anos. Casado e pai de dois filho Manoel sustentava a família com o seu trabalho. Sua viúva Dona Elza Soares de Souza só ficou sabendo da tragédia por uma vizinha. Como na época não tinha um aparelho de rádio em casa coube a vizinha relatar o acontecido. 

Segundo Dona Elza quando soube do desastre imediatamente correu para o local em busca de noticias do marido. Mas, a noticia que Dona Elza não queria ouvir veio no final de fevereiro quando um assistente social esteve em sua casa para confirmar a morte do seu marido. Até hoje quando vai chegando final de janeiro e início de fevereiro Dona Elza começa a lembrar dos dias difíceis que passou e da saudade que senti pela volta do companheiro.

Antonio Sebastião dos Santos foi um dos sobreviventes da tragédia da Gameleira. O pedreiro de 66 anos admiti que as lembranças dos acontecimentos se perderam com o tempo mas tem uma coisa que o deixa muito triste. Segundo esse mineiro de Ponte Nova minutos antes da queda da laje ele estava andando entre as vigas e saiu para buscar mais madeiras quando ouviu o barulho promovido pelo desmoronamento. Por sorte nada lhe aconteceu apenas perdeu a mochila que se encontrava em baixo da estrutura.
 
Mas, existe um fato que deixa Antonio chateado e triste. É o fato de não poder ter feito nada para ajudar os colegas soterrados. ''Eu fiquei 21 dias acompanhando as buscas, porém, me mandavam ficar do lado de fora escorando algumas madeiras. Quando tiravam algum corpo, não nos deixavam ver'', descreve.

Em busca de justiça


Desde de 1984, corre na justiça ações promovidas por familiares das vitimas. Uma dessas famílias é a do Vanderlei Alves da Silva. Seu pai, João, foi um dos operários vitimados pela tragédia. Vanderlei na época com apenas cinco anos viu toda estrutura familiar mudar com a morte de seu pai. Como seu pai era o único que sustentava os cinco filhos pequenos e a mulher com o seu trabalho coube a sua mãe exercer esse papel. Segundo Vanderlei há cerca de 19 anos ele recebeu uma proposta de R$ 15 Mil Reais, que sua advogada o orientou a recusar. ''Era uma humilhação, que jamais iria mudar nossa vida''. Situação bem diferente vivida pela família do operário Manoel Firmo de Souza. Sua viúva, Dona Elza, recebeu em 1980 uma indenização equivalente a R$ 30 Mil Reais.

Conclusão


Existem milhares de outras famílias que estão na justiça tentando obter uma manifestação favorável, dentro de parâmetros considerados justos. Até hoje o governo estadual não consegue informar quantas famílias já foram indenizadas. E lá se vão quase meio século de uma impunidade que galopa velozmente, deixando envolta em muita poeira a história interrompida de brasileiros anônimos. 

Nesse ano do 45º aniversário da tragédia da Gameleira, a mim só resta registrar a história para o conhecimento dos jovens que são o presente e o futuro de um país que necessita urgente de uma drástica e determinante alteração em sua já carcomida legislação, para que, quem sabe, outros cidadãos que põem as mãos na massa no desenvolvimento dessa nação não tenham suas histórias interrompidas e sepultadas no limbo tenebroso da injustiça.

[Fonte: Acervo Jornal O Globo e Diários Associados]

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