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sábado, 20 de agosto de 2016

FILMES QUE EU VI - 18: "UM GRITO DE LIBERDADE"

"A arma mais potente na mão do opressor é a mente do oprimido."

A força bruta escreve a história com as pontas das espadas e a armas de fogo. Além do poderio bélico, os conceitos criados, implantados e difundidos pelos dominantes na sociedade ocupada também exercem relevantes funções dentro do processo de dominação, com objetivo de aniquilar moralmente os adversários, inferiorizando-os e tornando-os incapazes de enxergar sua própria força.

O filme "Um Grito de Liberdade", do premiado diretor Richard Attenborough (Ghandi/1982) mostra a hedionda história de segregação na África do Sul, onde o império britânico dominou os territórios dos nativos e relegou o povo de origem a viver em assentamentos, tornando-os estrangeiros dentro do seu próprio país.

"Um Grito de Liberdade" é daqueles filmes assim que nos confronta a olhar para dentro de nós mesmos e procurar saber se somos realmente livres de preconceitos ou estamos aprisionados na liberdade dos preconceitos. 

A história  e o filme


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Há exatos 35 anos, no dia 12 de setembro de 1977, era declarado morto o ativista político sul-africano Steve Biko. Sua morte foi explicada pelo governo local como inanição após uma greve de fome, mas, na realidade o líder da consciência negra teria sido espancado até adquirir uma lesão cerebral que nunca pode ser provada. Sua luta contra o Apartheid, no entanto, não foi esquecida. 

Dez anos após a sua morte, quando a África do Sul ainda vivia o regime de Apartheid (finalizado apenas em 94), Richard Attenborough lançou o filme "Um Grito de Liberdade", baseado no livro do jornalista Donald Woods que conviveu com o ativista e chegou a sofrer perseguições parecidas, sendo também banido e tendo que pedir asilo à Inglaterra. 

O roteiro de John Briley é bastante didático, tendo inclusive inserções de efeitos de máquina de escrever para pontuar datas e acontecimentos marcantes. Ainda assim, "Um Grito de Liberdade" é daqueles filmes que são eternos e que nos envolvem em seus longos 157 minutos sem ficar cansativo. 

A estética é datada, não há dúvidas. Estamos vendo um filme dos anos 80, com uma fotografia quase de vídeo, cores fortes, um ritmo lento e músicas marcadas para cada cena. Há também uma tendência a privilegiar o diálogo às ações. Tudo é muito exposto, falado, explicado verbalmente. Principalmente na primeira parte do filme, quando Steve Biko ainda está vivo. Podemos passar horas ouvindo-o falar, seja em particular ao jornalista Donald Woods, em discursos clandestinos em campos de futebol ou em um impressionante julgamento, onde consegue deixar advogado e juiz sem fala. E tudo isso, mérito também de Denzel Washington que encarna o ativista de uma maneira espetacular, natural, envolvente. 

Ontem, hoje... sempre?


Uma das principais acusações do governo Sul-Africano para banir o ativista era racismo reverso. Como se seus discursos inflamassem os negros a serem contra os brancos, defendendo um país apenas deles. Na realidade, o que Biko queria era a igualdade de raças. Seu Centro Comunitário, criado apenas para negros era uma forma de protesto e auto-afirmação. 

Segundo ele, "Oracismo não implica apenas a exclusão de uma raça por outra - ele sempre pressupõe que a exclusão se faz para fins de dominação". Então, sua atitude não era racista, era apenas uma forma de o negro se sentir valorizado vendo exemplos de outros negros bem sucedidos. Afinal, se os negros fossem apenas empregados domésticos e braçais, enquanto brancos eram médicos, advogados, empresários, jornalistas, escritores, artistas, como acreditar que era possível ser algo mais? 

A construção do paralelo entre Biko e Woods, a aproximação dos dois e a forma como este assume o papel de voz inconteste após a morte do outro é muito bem feita. O roteirista só peca ao querer manter Biko em tela após a suamorte, com flashbacks muitas vezes desnecessários. Cansa ver o ator Kevin Kline olhar para o lado a cada cena e vir uma lembrança de algo do passado. Em poucos momentos, essa lembrança surte realmente efeito, como no já citado caso da manifestação de estudantes. 

Conclusão


As inúmeras cenas de ação, presentes principalmente na segunda parte do filme, já que este pode ser dividido em drama antes e ação depois da morte de Biko, torna a história interessante, e nada cansativa, já que desperta curiosidade e cria expectativa para o final da saga do jornalista. Porém o filme peca ao mostrar a rápida incorporação e aceitação do jornalista pela comunidade negra diante do contexto, em que era esperado o mínimo de recusa e desconfiança por parte dos negros.

De qualquer forma, "Um Grito de Liberdade" é mais do que um filme. É um ato de denúncia de um acontecimento brutal e recente na história da humanidade. É corajoso também, já que foi lançado ainda durante o governo do Apartheid que durou ainda longos oito anos. Em um mundo onde as Nações Unidas já lutava por direitos humanos é mesmo impactante, um país ainda viver assim. E o pior, é saber que ele não é o único, e que mesmo hoje, em pleno 2016, ainda existam homens escravos de outros homens. Seja de forma física ou psicológica. 

  • Ficha Técnica:



"Um Grito de Liberdade"
Título original: "Cry Freedom"
Inglaterra, 1987, 157 minutos.
Elenco: Denzel Washington (Steve Biko), Kevin Kline (Donald Woods), Josette Simon( Dr. Ramphele), Wabei Siyolwe (Tenjy), John Matshikiza (Mapetla), Juanita Waterman (Ntsiki Biko)
Direção: Richard Attenborough
Roteirista: John Briley e Donald Woods (Livros).


  • Curiosidades: 
  1. Segundo o diretor, Richard Attenborough, alguns dos integrantes do elenco são exilados da África do Sul.
  2. Este filme pertence a uma coletânea de imagens filmadas por um grupo de jornalistas que cobriu a guerra da África do Sul, nos anos 1980.

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