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quarta-feira, 31 de agosto de 2016

FILMES QUE EU VI - 19: "EU, CHRISTIANE F., 13 ANOS, DROGADA E PROSTITUÍDA"

Cara, esse filme foi um dos ícones para a juventude dos anos 80. Na maioria das rodinhas nos recreios dos colégios naquela época tinha uma galera discutindo sobre o livro e o filme homônimos. Ambos também foram usados como base para as fileiras acadêmicas sobre a psicologia adolescente.

Eu tive a oportunidade de ver o filme no cinema e ler o livro em suas duas versões, uma resumida e outra completa, recheada com fotos chocantes de adolescentes e jovens que foram vítimas da heroína na Berlim do final dos anos 70 e início dos 80. Me lembro que o filme era proibido para menores 21 anos e o livro era vendido com uma enorme tarja vermelha com a mesma restrição (mas a gente sempre dava um jeitinho de burlar essas restrições...). A história real se passou na Alemanha, mas qualquer semelhança com a realidade das crackolândias do Brasil não será mera coincidência. 

Um livro, um filme, uma vida 


O próprio nome do filme já consegue explicar sobre o que se trata. Baseado no livro de mesmo nome, no filme alemão "Eu, Christiane F., 13 Anos, Drogada e Prostituída" (Wir Kinder vom Bahnhof Zoo, 1981) é contada uma parte da vida de uma jovem de Berlim que vive no mundo da heroína. 

A história do filme é real e ocorreu na década de 70. Christiane (interpretada por Natja Brunckhorst) tinha apenas 12 anos quando começou a se envolver com drogas. Ela era uma menina, com alguns problemas em casa, e que, como quase todo jovem que passa pela puberdade, queria ser aceita em um grupo de amigos. Foi na boate Sound que Christiane conheceu os amigos que a acompanhariam futuramente na luta diária para conseguir uma picada, inclusive o seu namorado, Detlef (interpretado por Thomas Haustein). 

Naquela época, a heroína era uma novidade em Berlim, e as pessoas a chamavam de "H". A primeira vez que Christiane a experimentou foi após um show do David Bowie -, que inclusive fez uma pontinha especial no filme como ele mesmo. Iniciou com a inalação, mas com o passar do tempo, ela escolheu a injeção. O filme mostra o seu declínio e o avanço de seu vicio, que a leva à prostituição para alimentar sua dependência. 

Christiane vê seus amigos se afundarem junto com ela, e vivencia a morte em seu cotidiano. Nesse filme, é exposta a vida real de muitos jovens que ficavam na Estação Berlin Zoologischer Garten em busca de drogas. Eles deixavam suas casas, pois não havia mais motivo para continuar tentando esconder o vício de suas famílias. 

Direto na veia... e na mente 


Diferente de "Trainspotting – Sem Limites" (1996), o diretor Ulrich Edel optou por representar a realidade dos jovens sem nenhum elemento cômico. "Christiane F.,..." é um filme escuro, denso e forte. Alguns interpretam como um filme de má qualidade, mas eu vejo totalmente pelo contrário. As sombras, a escuridão e os diálogos curtos são recursos propositais para te situar naquele momento. 

É para ser assistido com uma preparação mental prévia. Edel não poupa os espectadores dos detalhes da dependência química, e acredito que tenha criado uma das cenas mais fortes de abstinência que já vi. O choque de ver uma menina, praticamente uma criança, se injetando com heroína na veia dentro de um banheiro público imundo não é para qualquer um. Saber o que acontece é uma coisa; ver o que está acontecendo é outra. E Edel nos transporta para a visão que esses jovens possuem do mundo afora e nos impressiona durante todo o filme. Não é um filme nada fácil, não é uma história agradável, não é para distração. 
A atuação da jovem Brunckhorst é incrível. Fiquei sem palavras quando soube que esse foi o primeiro trabalho dela (e nem me lembro de ter voltado a vê-la em outro). Pegar um papel tão tenso e pesado para interpretar não deve ser moleza. Ela consegue expressar o sofrimento de Christiane, físico e psicológico. As sequências de cenas quando ela e o namorado tentam a desintoxicação e sofrem as crises de abstinência são perturbadoras (fotos acima). É realmente espetacular. 

Não espere um final surpreendente e bem explicado, afinal, não é esse o propósito do filme. Recomendo fortemente a leitura do livro também. Vale à pena fugir um pouco de filmes e documentários forçados sobre drogas, defendendo os dois lados extremos, e entrar na realidade de uma pessoa que vivenciou isso para construir suas próprias críticas. 

O cenário alemão setentista 


Na década de 70, a Alemanha Ocidental era um país de primeiro mundo, superindustrializada e considerada o espelho do Capitalismo. Não existiam mendigos nem famintos, mas o número absurdo de crianças e adolescentes que dormiam na rua, se drogavam e se prostituíam tornou-se um fenômeno ao qual a sociedade estava cética e pouco interessada. Por que tantos menores eram por ela ignorados? O que os levou a se tornarem um "lixo social"? Seria a família de pais violentos, alcoólatras, "trapaceiros" e abandonadores? O lar sujo, sombrio, desumano, sem nenhuma higiene, conforto e lazer? Enfim, o preço do crescimento capitalista era deixar que o futuro dessa sociedade em "evolução" morresse antes mesmo dos 20 anos. 

Que motivos tem a sociedade para não modificar as suas rígidas estruturas, para empenhar-se em mantê-las tal qual, mesmo quando o indivíduo muda? Que conflitos conscientes e inconscientes levam os pais a ignorar ou a não compreender a evolução do filho? O problema mostra assim o outro lado, escondido até hoje debaixo do disfarce da adolescência difícil: é o de uma sociedade, às vezes, frente à onda do crescimento, lúcida e ativa, que lhe impõe a evidência de alguém que quer atuar sobre o mundo e modifica-lo sob a ação de suas próprias transformações. 

O que aprendi vendo o filme 


O adolescente é um ser social e individual, que possui suas dúvidas, angústias e desejos. Quer ter a liberdade de sentir amor e ódio, dependência e independência. Quer mostrar que sabe das coisas e busca aprender mais e mais. Quer construir sua própria família um dia, sem deixar de ter seus pais ou simplesmente quer aproveitar a vida da forma mais normal e naturalmente possível. 

A adolescência é um período fundamental no desenvolvimento do "eu", já que as mudanças físicas, psíquicas e sociais levarão o adolescente a uma crise de identidade cuja resolução contribuirá para a consolidação da personalidade adulta. Com relação a estas crises, especialistas dirão que elas se originam do contato social, primeiro com a família, que é a mais próxima e a que mais facilmente terá influências na conduta do adolescente e, em seguida, a sociedade em si, que intervém muito na sua conflitiva. 

A sociedade, mesmo manejada de diferentes maneiras e com diferentes critérios sócio-econômicos, impõe restrições à vida do adolescente. O adolescente, com a sua força, com a sua atividade, com a força reestruturadora da sua personalidade, tenta modificar a sociedade que, por outra parte, está vivendo constantemente modificações intensas. Tendo consciência da alteração que significa o que afirmo, é possível dizer que se cria um mal-estar de caráter paranóide no mundo adulto, que se sente ameaçado pelos jovens que vão ocupar esse lugar e que, portanto, são reativamente deslocados. O adulto projeta no jovem a sua própria incapacidade em controlar o que está acontecendo sócio-politicamente ao seu redor e tenta, então, deslocalizar o adolescente. 

O mundo adulto hostiliza o adolescente em virtude de todas essas situações conflitivas que ele passa, transferindo para àquele uma atitude paranóide e moralista. Assim, se para nós, adultos "construídos" já é difícil manter a moratória imposta sobre nossos desejos, que dirá para um adolescente em formação, que quer liberar toda sua energia e seus desejos. 

Estudos dizem que a adolescência é uma fase na qual ocorrerá um segundo processo de individuação, ou seja, em vez de os pais se aproximarem emocionalmente dos seus filhos, eles irão se distanciar, dando espaço para que possam se aproximar aos iguais e criar seus vínculos afetivos. Se as figuras parentais estão internalizadas e incorporadas à personalidade do sujeito, então este pode começar seu processo de individuação. 

Com base nas teorias do desenvolvimento do "eu", a crise de identidade, a individuação e o processo de construção da identidade, é o que trás à tona, sob a luz do fenômeno punk da Alemanha dos anos 70, retratado no filme "Cristiane F...." 

O filme, o livro e a vida 


Christiane Vera Felscherinow, uma adolescente normal e comum, feriu o orgulho capitalista alemão quando trouxe à tona a sua história e a de muitos outros adolescentes e crianças que se prostituíam para sustentar seu vício de heroína. 

Christiane cresceu em um bairro pobre, em meio a um ambiente violento. Seu pai era muito agressivo e também alcoólatra. Como forma de compensação dos terríveis momentos que passara na presença de seu pai, sua mãe lhe deu uma vida sem regras, sem responsabilidades.

A Sound era a boate mais badalada em Berlim e Christiane era fascinada em conhecê-la. Para poder entrar na boate, aos 13 anos, com ajuda de sua amiga, Kessi, falsificou a data de nascimento em sua carteira escolar. Lá, Kessi lhe apresentou seu namorado, Mich. Ele já era um dependente de drogas pesadas e morreu meses depois. Foi na Sound que Christiane conheceu seus amigos Axel, Babsi, Atze, Zambie, Stella e seu futuro namorado, Detlef. Atze só falava em drogas e nas melhores formas de "voar". Concordavam entre si quando viam a Heroína como um suicídio. Ninguém a havia experimentado, mas sabiam que usando uma vez não a largariam mais. 

Christiane vivia num mundo errado, com os amigos errados, mas não podia mudar em nada esta situação. Por falar em amigos, eles não possuíam fidelidade entre si, não possuíam vida. Estavam ligados pelas drogas, somente. 

Babsi, 14 anos, tornou-se manchete de jornais por ter sido a mais jovem vítima da Heroína. Era filha adotiva de um famoso pianista alemão e aos 13 anos já era viciada, prostituída e já havia sido espancada e estuprada por bêbados. Quando Babsi morreu, Christiane nem se sensibilizou tanto, pois já esperava algo assim pra quem usa heroína. Pouco tempo antes, elas tinham combinado em deixar o vício. 

Christiane inalou heroína pela primeira vez após assistir ao show de David Bowie, seu grande ídolo. A comparação, feita por Atze, da sensação de um orgasmo induziu-a a injetar heroína, tempos depois. 

O zoológico era um lugar de pessoas deprimentes e acabadas. Cada jovem que ali se encontrava não tinha mais nada que o assemelhasse a um adolescente normal, nem física, nem mentalmente. Esqueciam-se de sua própria existência e a presença de iguais já não significava nada. Eram vistos como a fruta podre da sociedade, esquecidos e ignorados. Os pais sempre foram figuras ausentes. Todos esses jovens vinham de lares desfeitos por separações, violência doméstica, alcoolismo e drogas. 

Conclusão 


Diante desse relato é muito difícil situá-los na busca de um eu, de uma individuação. Seria muito reducionista considerar que o problema da adolescência está somente na sua relação consigo e com os pais, excluindo a sociedade. Em relação ao filme, enquanto as crianças e adolescentes se acabavam na prostituição, na marginalidade e nas drogas dos subúrbios alemães, nada era feito para que este quadro mudasse. Muito pelo contrário, essa situação revelava uma imagem deturpada destas vítimas como sendo os rebeldes, problemáticos, detestáveis e desprezados. 

A sociedade surge ao determinar que os pais não podem ser um objeto sexualmente aceito (atos incestuosos). Dessa forma, o adolescente vai procurar no outro a oportunidade de liberar estes desejos de maneira que o assemelhe a seus pais. Freud nos dirá que este processo se dará através da transição dos desejos infantis aos desejos genitais. Mas, para que o adolescente encontre este objeto de amor, ele precisará elaborar o luto pelos pais. Caso isso não ocorra, seu processo evolutivo ficará em atraso. 

O ego, neste momento, encontra-se na posição de defesa, contra os impulsos inconscientes do id. Se eles não conseguem escapar à realidade, sua carga será voltada para outras atividades que irão liberar a sua energia. Neste caso, a compensação desses desejos estará na busca do prazer por outros meios. Poderíamos dizer, portanto, que a entrega às drogas seria uma compensação, de uma falta. Uma busca de um prazer proibido pelos pais, pela sociedade pela moratória social. 

No caso de Christiane, a busca do prazer nas drogas a tornou dependente de uma satisfação orgânica. O uso de drogas deu a ela um prazer "inacabável", enquanto o organismo estava em transe. Era uma sensação individual que ela não encontrava no mundo externo. 

O adolescente, da década de 70, que procurou o prazer nas drogas e no álcool, brigou com seus pais, criticou a religião ou foi um extremista cristão, é o adolescente de hoje, que também é reprimido e também passa naturalmente por suas mudanças. 

Poder aceitar a anormalidade habitual no adolescente, vista desde o ângulo da personalidade idealmente sadia ou da personalidade normalmente adulta, permitirá uma aproximação mais produtiva a este período da vida. Poderá determinar o entender o adolescente desde o ponto de vista adulto, facilitando-lhe seu processo evolutivo rumo à identidade que procura e precisa. 

Somente quando o mundo adulto o compreende adequadamente e facilita a sua tarefa evolutiva o adolescente poderá desempenhar-se correta e satisfatoriamente, gozar de sua identidade, de todas as suas situações, mesmo das que, aparentemente, têm raízes patológicas, para elaborar uma personalidade mais sadia e feliz.
 
Concluo com a ideia de que, quebrar estas projeções do passado seria um ótimo começo para a facilitação da relação entre gerações diferentes e para a evolução dessa e de outras gerações que virão. Mesmo sabendo que um sofrimento longo e árduo de um indivíduo não desapareça instantaneamente acredito que, paulatinamente, os indivíduos vão se localizando, encontrando-se a si mesmos neste espaço e este encontro permitirá um primeiro e novo encontro do adolescente com sua personalidade. Como você pode ver, o filme é um soco no estômago e ao mesmo tempo uma verdadeira aula sobre a psicologia adolescente. Se você ainda não assistiu, o que está esperando?
  • Data de lançamento 1981 (2h 18min) 
  • Direção: Uli Edel 
  • Elenco: Natja Brunckhorst, Thomas Haustein, Jens Kuphal 
  • Gêneros: Drama, Biografia 
  • Nacionalidade: Alemanha ocidental

A Deus toda glória.
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