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sábado, 20 de agosto de 2016

ACONTECIMENTOS - OS 27 ANOS DO CASO DANIELA PEREZ

Na madrugada de 28 de dezembro de 1992, o Brasil foi surpreendido pela notícia da morte brutal, da atriz Daniela Perez, assassinada com 18 tesouradas aos 22 anos de idade. Daniela – que representava Yasmin, bailarina sensual, talentosa e decidida na novela "De Corpo e Alma", então exibida pela Rede Globo de Televisão no antigo horário das 20h – foi encontrada morta num matagal algumas horas depois de ter deixado os estúdios de gravação, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro.

O caso, a repercussão e a comoção nacional


Daniela e Guilherme em "De Corpo e Alma" 

O crime atingiu em cheio o meio artístico carioca, isto é, o coração da indústria televisiva brasileira, uma das maiores do mundo e provocou intensos e emocionados debates. A possível mistura de fato e ficção foi considerada uma das causas da tragédia, tornando-se um dos principais temas da discussão pública. 

Repercussão


O corpo da atriz 

Emissoras de rádio e televisão alimentaram o público minuto a minuto com detalhes do crime. Jornais diários noticiaram o assassinato em primeira página. 

Suplementos especiais foram publicados sobre o assunto. Revistas especializadas da época, como Contigo e Amiga, publicaram edições especiais, com a biografia ilustrada de Daniela e reportagens sobre sua morte. Semanários como Veja e IstoÉ referiram-se ao crime em suas capas e voltaram ao assunto em longos artigos e entrevistas. 

A descoberta e a confissão do assassino

Da ficção para realidade


Logo na manhã seguinte, em seu interrogatório, o ator Guilherme de Pádua, então com 23 anos, confessou que matara Daniela. Em "De Corpo e Alma" Guilherme interpretava o namorado de Yasmin, Bira. O crime ocorrera poucas horas depois de Guilherme e Daniela gravarem a cena em que Yasmin rompia o namoro com Bira, personagem ciumento e controlador. 

Pouco depois da confissão de Guilherme de Pádua, a polícia anunciou que sua então mulher, Paula Thomaz, na época com 19 anos, grávida, havia admitido sua participação no crime. Paula nunca confirmou essa versão; ao contrário, sempre negou qualquer ligação com o assassinato. A suposta confissão, obtida em condições ilegais por policiais que a interrogaram sem intimação, dentro de um carro, enquanto circulavam pela cidade, justificou a abertura de um processo contra Paula.

A notícia do envolvimento de Guilherme de Pádua e, possivelmente, de sua mulher no assassinato violento da jovem e promissora atriz revoltou a população. 

O príncipe que virou sapo 


Foto tirada com fãs pela vítima e pelo assassino,  
respectivamente, pouco antes do crime 

Guilherme de Pádua Thomaz chegou ao Rio com uma carteira de ator fornecida pelo sindicato de Belo Horizonte. Antes de entrar em "De Corpo e Alma" tinha feito aparições menores em outras novelas da emissora e, na época, trabalhava também no teatro, na peça "Blue Jeans". 

Em 1989 ele também foi protagonista do filme pornográfico com temática gay "Via Áppia", uma produção, alemã e no Rio, enquanto esperava uma chance no mundo artístico, foi o personagem Leopardo na Galeria Alaska, em Copacabana, conhecida zona de prostituição, frequentada por homossexuais, da década de 1980, onde fazia show como stripper. Foi escolhido para o papel pelo diretor Roberto Talma através de fitas de teste levadas a ele pela então diretora de elenco Maria Carmem Barbosa.
Matéria de jornal sensalionalista da época sobre 
o suposto envolvimento de Guilherme com magia negra 

A indignação com Guilherme cresceu ainda mais quando seu depoimento se tornou público, uma vez que o ator se colocou na posição de vítima da paixão e perseguição de Daniela, argumentando ter agido em legítima defesa. Embora a tendência inicial da Justiça tenha sido aceitar a justificativa de Guilherme e considerar o caso encerrado, a reação pública obrigou a polícia a mudar a linha de investigação.

Mobilização Nacional


Milhares de fãs de Daniela compareceram ao funeral para participar da homenagem póstuma ao lado de seus ídolos da televisão, que tiveram de ser protegidos da multidão pela polícia e pelos guardas do corpo de segurança da Rede Globo. O excesso de gente no cemitério São João Batista resultou em confusão e vários túmulos danificados – inclusive o da atriz. 

Nos dias que se seguiram, fãs continuaram a se manifestar no cemitério, em frente à delegacia de polícia responsável pelo inquérito e do prédio onde Guilherme de Pádua e sua mulher Paula Thomaz moravam com os pais dela. Inúmeros artistas demonstraram sua solidariedade à mãe e ao marido da vítima, comparecendo em massa ao enterro e à missa de sétimo dia. 

Chico Buarque, Marieta Severo e sua filha Sílvia Buarque, que havia sido colega de Daniela na escola, presentes à missa, foram objeto de uma foto de primeira página na Folha de São Paulo. O Dia publicou artigo intitulado "Atores pressionam contra Guilherme" ilustrado com uma foto do grito de protesto da atriz Norma Bengell (✩1935-✞2013) em frente à delegacia. 

Luz, câmera, ação!


Revista da época repercutindo o crime

Profissionais de televisão, em especial os que trabalhavam na equipe de "De Corpo e Alma", ficaram chocados com a presença de um assassino entre eles.  Glória Perez, mãe da atriz e autora da novela, o também ator Raul Gazolla, então marido de Daniela, e seus colegas foram protagonistas das notícias desde o início. 
Revista da época explorando o crime 

Suas declarações à imprensa transmitiam a firme intenção de alijar Guilherme de Pádua – um outsider recém-chegado de Minas Gerais que, depois de trabalhar como stripper – houve também boatos de ele fora garoto de programa – e atuar em duas peças de teatro, fazia seu primeiro papel importante na televisão – do grupo de pessoas consideradas "colegas". 

Alguns atores do elenco da novela, como Fábio Assunção, Guilherme Karan (✩1957-✞2016) e Eri Johnson, compareceram voluntariamente à delegacia para saber notícias sobre o andamento das investigações. Ao darem um testemunho espontâneo sobre a personalidade doce, viva e honesta de Daniela, atestaram a simples amizade que caracterizava as relações entre ela e Guilherme. 

Além disso, enfatizaram o caráter violento da personalidade de Guilherme de Pádua – que, de jovem promissor, capa de uma revista especializada daquele mês, passou a encarnar um monstro que nunca deveria ter sido admitido no elenco de um programa de televisão. 

Depois do crime, Guilherme de Pádua foi unanimemente considerado mau ator e criatura violenta, reforçando a posição dos que criticavam a Rede Globo por contratar pessoas com pouca experiência profissional. Walter Clark (✩1936-✞1997), o ex-poderoso diretor da emissora, e atores experientes, com formação no teatro, condenaram a emissora por selecionar atores exclusivamente em virtude de suas características físicas, sem levar em conta talento dramático ou treinamento técnico.

"A morte" de Bira 


Guilherme em peça teatral ao lado de 
outros atores globais no ano de 1991. 

O elenco de "De Corpo e Alma" se recusou até mesmo a pronunciar o nome do personagem que Guilherme representava (e, inclusive, o nome do ator foi retirado dos créditos da abertura), chegando a alterar o texto quando necessário. 

Era como se, fazendo tudo que pudessem para eliminar o personagem vivido por Guilherme – que na trama tinha certa importância –, seus colegas estivessem fazendo justiça no universo em que reinam: o domínio diegético da narrativa. 

Em outras palavras, enquanto o personagem Bira era punido pela ação de Guilherme, Yasmin, ao contrário, era homenageada em lugar de Daniela. Ao exibir a maioria das cenas que Daniela já havia gravado – criando uma sequência especial que reverenciava a atriz a partir do momento em que seu personagem deixava de aparecer na história e transmitindo sua imagem em flashbacks até o fim da novela –, a equipe de "De Corpo e Alma" expressou seu pesar e revolta pelo desaparecimento da atriz. Essa postura dos profissionais de televisão encontrou eco entre os telespectadores. 

Os desdobramentos 


Guilherme sendo preso 

Pressionada pela multidão e sob intensa vigilância da mídia, a polícia, que inicialmente havia liberado Guilherme de Pádua, prendeu-o novamente. 

Paula também foi presa, após ter passado alguns dias em uma clínica de saúde particular recuperando-se de uma ameaça de aborto. Em condições de menor exposição pública, talvez Guilherme e Paula tivessem aguardado o julgamento em liberdade. 

Jornalistas e advogados argumentaram que não havia evidência suficiente para justificar a prisão de Paula; especialistas afirmaram que, como réus primários, ambos os acusados poderiam ter se beneficiado de privilégios garantidos pela legislação brasileira, como, por exemplo, o direito de aguardar julgamento em liberdade. 

No entanto, da perspectiva do senso comum, permitir que Guilherme e Paula aguardassem o julgamento em liberdade significava a impunidade de um crime hediondo. Com o argumento de que os dois acusados corriam o risco de ser linchados pela multidão, a polícia justificou a ordem de prisão. 
O pr. Márcio Valadão (IBL), apresentando o livro onde 
Guilherme conta o seu testemunho de conversão
 
A especulação sobre como e quando fatos da vida real atingem a narrativa ficcional tornou-se um tema relevante na discussão pública, expressando os paradoxos de um gênero que, de seriado voltado para as mulheres e financiado e produzido por companhias de sabão, passou, ao longo de 20 anos, a fenômeno nacional de comunicação multiclassista e produto de exportação líder de audiência. 

Transbordando do campo definido como "feminino" ao qual se destinava, a novela ganhou as primeiras páginas, as seções editoriais dos jornais diários e a atenção de parlamentares e juristas. 

A intensa publicidade introduziu informações contraditórias no caso e chamou a atenção para a fragilidade das versões existentes, mas não logrou elucidar o crime. Falsas testemunhas se apresentaram, atraídas talvez pela possibilidade de aparecer no noticiário. Outras testemunhas, que pareciam importantes, desistiram de vir a público. 

As evidências indicavam que um dos dois acusados – ou ambos – havia cometido o crime, mas não especificava quem. Guilherme retificou sua confissão para incriminar Paula, que negou sua participação no crime e atribuiu a responsabilidade a Guilherme. O promotor, assistido por um advogado contratado pela família da vítima, acusou os dois réus. 

A imprensa chamou a atenção para questões cruciais que a investigação, desde o início considerada insatisfatória, deixara em suspenso. Algumas dessas questões tinham implicações legais, influindo na determinação da duração da pena a ser imposta aos réus ou nas condições em que poderiam ser soltos em regime de liberdade condicional. A identidade do(s) criminoso(s), a sequência de eventos, a arma utilizada e as motivações do crime nunca foram elucidadas. 

Além de questões técnicas referentes à execução do crime, a imprensa especulou sobre suas motivações ocultas: 
Guilherme e Daniela como Bira e Yasmim
  • O crime teria sido premeditado?
  • Por que um ator representando seu primeiro papel importante na televisão arriscaria uma carreira promissora?
  • Era o casal assassino envolvido com magia negra? 
  • Teria Daniela um envolvimento amoroso com o ator que fazia o par romântico de sua personagem na novela?
  • Estaria seu casamento com Raul Gazolla em crise? 
  • Daniela estaria pressionando Guilherme para que tivesse um caso com ela?
  • Ou seria o contrário, como a família e os amigos da atriz afirmavam?
  • Estaria Guilherme recorrendo à amizade de Daniela para suportar suas crises?
  • Estaria apaixonado por ela?
  • Ou simplesmente interessado em manter relações íntimas com a filha da autora da novela para aumentar as chances de seu personagem na trama?
  • O rompimento do namoro dos personagens teria ocasionado uma redução na importância do papel do personagem de Guilherme, levando-o a tentar se vingar?

Conclusão


Guilherme, selfie em evento evangélico em 2016

Os acusados permaneceram na cadeia por quatro anos até o julgamento. Durante esse tempo nasceu o filho deles, e Guilherme mudou sua versão do crime, passando a acusar Paula como única responsável pelo assassinato de Daniela. O casal se divorciou. Ambos se casaram novamente. 

Condenados à punição máxima permitida pelo Código Penal – quando ainda não havia sido tipicado o crime de feminicído , os réus tiveram suas penas sucessivamente abrandadas. Em 1999, sete anos após o crime – sob a indignação de Glória Perez –, Paula e Guilherme passaram ao regime de liberdade condicional, privilégio que a lei brasileira garante a réus primários com bom comportamento na prisão. Ela ingressou na faculdade, e ele veio trabalhar em Minas Gerais. Em 2001, o ex-ator obteve novos benefícios legais e, no início de 2002, finalmente conseguiu a liberdade. 
Guilherme no púlpito da Igreja Batista da Lagoinha 

Atualmente Paula – que não assina mais Thomaz (Paula nasceu Paula Nogueira de Almeida. Casada, tornou-se Paula de Almeida Thomaz. Hoje assina Paula Nogueira Peixoto.) – é casada e vive com os filhos – o que teve com Guilherme e o que teve com o atual marido – em um condomínio de prédios de luxo em Copacabana, no Rio de Janeiro. Guilherme se tornou pastor evangélico, mora aqui em Belo Horizonte e é membro da Igreja Batista da Lagoinha, onde trabalha com informática e atua na área de evangelismo através do teatro. 

O crime gerou repercussão nacional e internacional inédita (tanto que quase "abafou" o impeachement do presidente Fernando Collor de Mello, outro acontecimento que mexia com o Brasil na época). Mobilizou a indústria da televisão em suas diversas conexões com o público, o Judiciário, o Executivo, a imprensa local e estrangeira. 

As reverberações desse fato são um elemento valioso para nos ajudar a entender o significado da telenovela no Brasil dos anos 1970 aos anos 1990 – gênero que, durante esse período, capta e expressa redefinições nos domínios masculino e feminino, público e privado, da notícia e da ficção.

A Deus, toda glória.
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Um comentário:

  1. As leis desse país são uma vergonha. Era pra esse covarde, imbecíl, estar apodrecendo na cadeia. Mas não, está em liberdade, ainda teve uma idiota que se casou com ele, se separou e foi perseguida por esse merda.

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