Uma pequena mas pertinente e relevante observação, feita por uma amada irmã, ao final de uma ministração que eu fiz na igreja, me serviu de inspiração para este artigo. Estava eu pensando nos ensinamentos que tive, nos livros que leio, e principalmente no que as pessoas ao meu redor pensam e acreditam. Uma parte que chamou minha atenção foi justamente Mateus 6:33: "Mas buscai primeiro o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas (grifo meu)."
Olhando para este versículo, muitas coisas vêm à cabeça, e é justamente aí que alguns confundem o real sentido da coisa. Já observei alguns pastores pregando isoladamente sobre ela - ou seja, ignorando completa o contexto. Já ouvi ministros de louvor falando desse verso, vejo também alguns irmãos falando justamente sobre isto, e pior, usando isso como muleta para muitas coisas, inclusive usando isto para culpar Deus de terem fracassado em algo. E faço aqui um mea culpa, pois eu mesmo já cometi esse sutil, contudo, gravíssimo erro teológico.
Texto e contexto eliminam os erros
O que muitas pessoas fazem, de forma errônea, é pegar apenas este versículo e tirar suas próprias conclusões, esquecendo-se de analisar todo o contexto que a palavra envolve; isso acaba dando um sentido distorcido ao que a palavra realmente quer dizer.
Ao analisarmos este versículo individualmente, temos a sensação de que não teremos mais problemas ao buscarmos o reino de Deus, temos a sensação de que basta frequentar os cultos e orar (jejuar, fazer penitências, fazer votos, pagar promessas, acender velas...) que os problemas se resolvem e tudo o que você almeja seja realizado.
Atualmente, as pessoas leem este versículo e mentalizam Deus como um "gênio da lâmpada de Aladim", onde basta fazer o pedido e o mesmo será realizado, mas definitivamente não são assim que as coisas funcionam. Para se ter uma ideia mais ampla da situação, vamos pegar os dois versículos acima, os versos 31 e 32:
"Portanto, não vos inquieteis, dizendo: 'Que havemos de comer?' ou: 'Que havemos de beber?' ou: 'Com que nos havemos de vestir?' (Pois a todas estas coisas os gentios procuram.) Porque vosso Pai celestial sabe que precisais de tudo isso (grifos meus)."
Ao lermos os versos 31 e 32, nota-se que o 33 não diz "todas as coisas" (e/ou "demais coisas") no sentido de "tudo quanto é coisa". Nota-se que o 33 é um complemento do 32, dizendo "todas as [estas] coisas" referentes ao que foi citado (ou seja, vestes, comida e bebida). se lermos ainda os versos anteriores, veremos que nem tampouco o "todas as coisas" se refere a luxúria:
"E pelo que haveis de vestir, por que andais ansiosos? Olhai para os lírios do campo, como crescem; não trabalham nem fiam; contudo vos digo que nem mesmo Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles. Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós, homens de pouca fé?" - Mateus 6.28-30 (grifos meus)
Percebe que se lê "nem mesmo Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles." Isso mostra claramente que Deus não está olhando para a marca da sua roupa, pois até onde sei, os lírios não possuem. Ou seja, Jesus está tratando do básico necessário para a sobrevivência: comer, beber e vestir!
"Todas as demais coisas" é acréscimo ao que não está escrito
Em Apocalipse 22:18,19:
"Eu, a todo aquele que ouve as palavras da profecia deste livro, testifico: Se alguém lhes fizer qualquer acréscimo, Deus lhe acrescentará os flagelos escritos neste livro; e se alguém tirar qualquer cousa das palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida, da cidade santa das cousas que se acham escritas neste livro".
E no livro do Deuteronômio: em Deuteronômio 4:2:
"Nada acrescentareis à palavra que vos mando, nem diminuireis dela, para que guardeis os mandamentos do Senhor, vosso Deus, que eu vos mando."
Para finalizar este meu raciocínio, cito Mateus 6:25, que expressamente diz o que Deus enfatiza ao dizer "todas as coisas vos serão acrescentadas", o grande "dilema" aqui dissecado.
"Por isso vos digo: Não estejais ansiosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer, ou pelo que haveis de beber; nem, quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que o vestuário?" (grifos meus)
Conclusão
Passei boa parte da minha vida entendendo - e, pior, até ensinando! - este texto de maneira bem diferente do que realmente Jesus quis nos ensinar.
É impressionante como, por alguma razão que eu mesmo desconheço, fazemos por tantas vezes uma leitura tão descuidada da Palavra de Deus. E tantas outras que costumamos omitir ou acrescentar por descuido, negligência ou conveniência... ou quem sabe até, por orgulho.
Quantas vezes já ouvi mensagens, canções ou até mesmo palavras individuais com uma interpretação quase que unânime deste texto da seguinte maneira: "buscai primeiro o reino de Deus e todas as coisas (ou todas as demais coisas) vos serão acrescentadas"... Mas, como vimos, não é isso que o texto nos diz.
Os pregadores do triunfalismo fácil, do evangelho das facilidades, da famigerada teologia da prosperidade, fazem disso o seu "slogam", vociferam dos púlpitos e das plataformas midiáticas esse chavão gospel e fazem seus seguidores, seus discípulos às multidões. Dessa forma, alimentam a megalomania e o culto às riquezas se esquecem completamente disso:
"Não acumuleis para vós outros tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem destroem, e onde ladrões arrombam para roubar. Mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde a traça nem a ferrugem podem destruir, e onde os ladrões não arrombam e roubam. Porque, onde estiver o teu tesouro, aí também estará o teu coração (Mateus 6:19-21)."
E disso:
"De onde vêm as batalhas e os desentendimentos que há entre vós? De onde, senão das paixões que guerreiam dentro de vós. Cobiçais e nada tendes. Matais e invejais, porém não conseguis obter o que desejais; viveis a brigar e a promover contendas. Todavia, nada conquistais, porque não pedis. E quando pedis não recebeis, porquanto pedis com a motivação errada, simplesmente para esbanjardes em vossos prazeres" (Tiago 4:1-3).
Lendo cuidadosamente o contexto, vemos Jesus falando claramente de alimentos, vestes e do cuidado que Deus dispensa a todas as coisas criadas. Sua maravilhosa provisão vai desde os pardais, lírios do campo, até a coroa da sua criação: os homens.
Daí a ordem: Busquem em primeiro e creio, em único lugar o seu Reino e todas essas coisas nos serão acrescentadas. Percebi como uma só palavra faz toda a diferença. Jesus não nos fala "todas as coisas" ou "todas as demais coisas", mas "todas essas coisas". A que coisas Jesus se refere? Obviamente ao que vinha falando anteriormente: vestes, alimento, enfim, sua maravilhosa provisão que nos faz prósperos e às quais o salmista Davi já aludia profeticamente: "Fui jovem e já estou velho, e nunca vi um justo abandonado nem seus descendentes mendigando o pão" (Salmo 37:25).
Jesus nunca nos prometeu coisas do tipo carro, casa, casamento... Jesus nos prometeu cuidar de nós, e dar-nos aquilo que é necessário para sobrevivermos. Paulo estava absolutamente cônscio disso quando escreveu a Timóteo: "tendo, porém, sustento e com que nos cobrirmos, estejamos com isso contentes" (1 Timóteo 6:8).
É lamentável a barganha que se faz hoje com base nesse versículo tão simples e maravilhoso. Vemos uma espécie de "conselho" a descrentes e até aos novos na fé: "busquem o reino de Deus e todas as coisas serão acrescentadas" e é óbvio que quem assim fala, pensa nesta barganha: "faça isto e ganharás aquilo..." Não que Deus em seu absoluto e irrestrito poder não possa, caso queira, nos dar algo mais que isso. Ele pode e certamente o fará após fazer uma análise das nossas reais motivações. Em resumo e em suma, a essência é ter o Reino de Deus e a sua Justiça como o alvo único, principal.
Hoje compreendo que tal mensagem é inaceitável por fugir da essência divina. Não é do caráter de Deus barganhar com o homem. Ele nunca nos prometeu nada daquilo que realmente precisamos: comer, beber, vestir...
Busquemos o Reino de Deus e a sua Justiça, jamais pensando em obter algo em troca. Penso que nossa função é: cuidar das coisas do Reino e cumprir sua Justiça, e Ele certamente cuidará de nós. E o que passar disso, sem dúvida, vem do maligno!
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