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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

FILMES QUE EU VI - 27: "JOVENS DEMAIS PARA MORRER II (YOUNG GUNS II)"

Eu digo sem medo de errar que "Jovens Demais Para Morrer II (Young Guns II)" foi o último grande filme sobre a saga do lendário e conhecido personagem das histórias de western Billy the Kid. Este filme, aliás, apesar de seu fortíssimo apelo comercial - o longa contava com jovens astros do cinema -, uma indicação ao Oscar de melhor canção e tendo sido um considerável sucesso de público, não teve o mesmo retorno da crítica especializada (e, cá pra nós, eu não estou pouco me lixando com a crítica especializada). 


Emilio Estevez: um Billy marcante


O filme, assinado por Geoff Murphy, é uma das muitas abordagens cinematográficas da saga de Billy the Kid e trata-se da sequência de "Os Jovens Pistoleiros" ("Young Guns", 1988, de Christopher Cain), trazendo novamente Emilio Estevez como Billy, Kieffer ["24 Horas"] Sutherland como 'Doc' Scurlock e Lou Diamond ["La Bamba"] Phillips como Chavez y Chavez. 

A troca de diretor ajudou: é um filme bem mais rico e estiloso do que o anterior. O primeiro reconstituiu, sem grandes novidades, a chamada guerra do condado de Lincoln. 

O segundo não se limitou ao foco principal (a perseguição movida contra Billy por seu velho amigo Pat Garrett, interpretado por William Petersen), acrescentando elementos interessantes como a participação do jornalista contratado pelo xerife para ser seu ghost writer e a introdução do nonagenário Brushy Bill Roberts (falarei mais sobre os dois assuntos abaixo). 

Young Guns


Os Young Guns, como se constata no próprio título original, exploraram e enfatizaram o fator juventude. É seu diferencial, dos mais convenientes para uma época em que o juvenilismo andava muito em alta nas artes.

A escolha do roqueiro Jon Bon Jovi para criar a trilha musical do "jovem demais para morrer", no entanto, revelou-se mais do que uma tacada comercial perspicaz; ele compôs temas realmente bons, principalmente "Blaze Of Glory", que acabaria se tornando um dos seus maiores sucessos (merece mais detalhes na sequência).

Na categoria único grande filme de um diretor sem maiores pretensões artísticas, não chega a ser um "Keoma" (1976), a obra-prima da qual poucos julgavam Enzo G. Castellari capaz. Mas, sem dúvida nenhuma, é muito superior a tudo que Geoff Murphy fez, antes e depois.

O homem e a lenda


Morto aos 21 anos, Henry McCarty, também conhecido como William Henry Bonney (1859-1881) o Billy the Kid, começou a se tornar uma das maiores lendas do Velho Oeste estadunidense por obra e graça daquele que o matou. Patrick Floyd J. Garret (1850-1908) o Pat Garrett pagou a um escriba para relatar, em seu nome, a caçada ao velho parceiro de cavalgadas.

Billy não era parecido com
Kris Kristofferson ou 
Emilio Estevez...


A versão de Pat Garrett - Billy the Kid: a história de um bandido (L&PM, 258 p.) - é apresentada como uma tentativa de restabelecer a verdade dos fatos, pois já se começava a mitificar o personagem.

Foi como apagar uma fogueira com gasolina: fez o mito crescer cada vez mais.

O que se sabe


Billy perdeu cedo o pai e, aos 14 anos, tornou-se órfão também de mãe; preso por roubar roupas de uma lavanderia, foge da prisão e vagueia pela fronteira entre EUA e México, furtando cavalos; mata um ferreiro no Arizona, aos 17 anos; escapa para o Novo México e, no condado de Lincoln consegue um emprego honesto na fazenda de John Tunstall, a quem passa a admirar muito; quando Tunstall é assassinado a mando de outro fazendeiro da região, ele e outros vingadores, intitulando-se vigilantes, travam uma guerra sangrenta contra a facção contrária.

O que permanece nebuloso


O número de suas vítimas fatais, pois, das 20 ou 21 mortes que lhe atribuíram, apenas em quatro sua autoria é hoje dada como líquida e certa, havendo dúvidas quanto a outras cinco e a certeza de que as demais foram mero exagero; se realmente foi morto por Pat Garrett ou sobreviveu, só vindo a expirar em 1950, quando um ancião que usava o nome de Brushy Bill Roberts disse ser, na verdade, Billy the Kid, em busca do perdão governamental (mas, faleceu antes que sua história fosse apurada e o assunto se arrastou até 2010, quando o governador do Novo México negou definitivamente o que seria um indulto simbólico do pistoleiro).
...nem Pat com James Coburn...

O motivo para o pedido tão insistentemente reapresentado é o seguinte: o governador Lew Wallace (✭1827-♰1905), empenhado em acabar com a corrupção e arbitrariedades dos poderosos de Lincoln, prometeu (mas não cumpriu) perdoar Billy caso ele depusesse incriminando os assassinos do seu ex-patrão.

"O fora-da-lei foi mais honrado", diz o criminalista Joel Jacobsen, autor de "Such Men as Billy the Kid" (livro não traduzido para o português), garantindo existirem evidências "fortes, irrefutáveis mesmo" da veracidade de tal barganha.

Mais que um filme


Em "Jovem Demais Para Morrer", Wallace é mostrado como sincero, mas impotente para cumprir o prometido. Foi no último dia do mandato que o governador Bill Richardson, que foi o 30º Governador do Novo México (2003 a 2011), anunciou sua decisão: alegou "incertezas" quanto a seu antecessor haver ou não prometido o perdão e "uma ambiguidade histórica sobre o motivo pelo qual o governador Wallace teria desistido da graça".

De qualquer forma, Billy já havia sido reabilitado pela arte, com sua lenda inspirando verdadeiras obras-primas, às quais vejamos:
  • o estranhíssimo western freudiano "Um de Nós Morrerá" (1958, de Arthur Penn [1922-2010]), em que seu drama é equiparado ao de um filho que perdeu o pai (não o biológico, mas o fazendeiro Tunstall);
...talvez com William Petersen
  • o belíssimo western outonal "Pat Garrett & Billy the Kid" (1973, de Sam Peckinpah [1925-1984]), centrado na má consciência do primeiro, que aceita uma estrela e uma missão infame como preço a pagar por uma velhice sem sobressaltos nem preocupações financeiras; e
  • a antológica trilha musical composta por Bob Dylan para o filme de Peckinpah, incluindo "Knockin' at Heaven's Door". 
  • Isto em meio aos mais de 20 filmes e a uma série cinematográfica de 42 episódios que o tiveram como personagem, a partir do silencioso Billy the Kid, de 1911, dirigido por Laurence Trimble (1885-1954).
  • O mais bizarro, certamente, foi "Billy the Kid vs. Dracula" (1966, de William Beaudine [1892-1970]), em que o vampiro, interpretado por John Carradine (1906-1988), dá uma chegadinha no Velho Oeste.
Poucos sabem, mas o western clássico "A face oculta" (1961), dirigido e estrelado por Marlon Brando (1924-2004), se baseou numa novelização da vida de Billy. Rod ["Além da Imaginação", 1959] Serling e Sam Peckinpah teriam colaborado no roteiro, sem que isto lhes fosse creditado.

"Blaze of Glory", a história da canção


Kiefer Sutherland, o eterno Jack Bauer da série "24 Horas" (2001-2010), recentemente enveredou para a carreira musical e lançou o seu primeiro álbum com músicas country chamado "Down in a Hole".

Em entrevista para o site Spin, ele falou sobre suas influências musicais durante a sua vida e contou uma história bem interessante sobre Jon Bon Jovi e a composição da música "Blaze of Glory", tema principal da trilha sonora composta por Bon Jovi para o filme "Jovem Demais Para Morrer II", de 1990, com participação do ator.

Confira abaixo a resposta de Sutherland quando perguntado se ele tinha alguma música favorita dos filmes que fez nos anos 80/90.
"'Blaze of Glory' é uma das minhas histórias favoritas. Muitas pessoas não sabem disso, mas em 'Young Guns'  ['Jovem Demais para Morrer'], de 1988], Emilio [Estevez], era amigo de Jon Bon Jovi e Tom Cruise, que fizeram participações especiais na cena de tiroteio. Atiramos em Tom Cruise em cima de um telhado. E eu acho que atiramos em Jon Bon Jovi  em uma rua, mas eles usavam barbas e perucas e você nunca iria reconhecê-los.  
Então fomos todos jantar fora e Jon disse a Emilio: 'Eu realmente quero fazer a música para a sequência [do filme]', e Emilio respondeu: 'Nós nem sequer sabemos se vai ter uma sequência'. E Jon olhou para ele e disse: 'Confie em mim, vai haver uma sequência'. 
O resto de nós estávamos bebendo um monte de bebidas, e Jon estava ferozmente escrevendo em guardanapos. Ele então empurrou os guardanapos em direção ao Emilio depois de cerca de 20 minutos, e disse: 'Essa é a primeira música'. Ele tinha escrito 'Blaze of Glory' no bar. E eu me lembro em Montana, depois que o [segundo] filme já estava feito... Eu nem estava ciente de que Jon estava fazendo um álbum para o filme.  
Eu entro numa loja para comprar algo para o meu aparelho de som e todas as TVs estão passando o vídeo-clipe de 'Blaze of Glory' e eu fiquei lá tipo, 'Oh meu Deus! Isso é incrível'. E esses três guardanapos estão emoldurados até hoje na casa de Emilio".

Compor um dos maiores clássicos do hard rock (alcançou o primeiro lugar na Billboard Hot 100 em 1990), bêbado em um bar e em 20 minutos realmente é algo para poucos (só para quem tem talento, meu filho). Confira abaixo o clássico vídeo de "Blaze of Glory" que surpreendeu Sutherland (a belíssima música inclusive foi indicada ao Oscar de melhor canção - infelizmente não ganhou):



Conclusão 


"Jovens Demais Para Morrer II" é, sem dúvida alguma um dos clássicos na cinematografia dos anos 1990. Depois do sucesso do filme, seus atores principais - exceto Kiefer Sutherland ainda emplacaram outros filmes de menor projeção - também excetuando-se Lou Diamond Philips, que protagonizou outro clássico da década, "La Bamba - e hoje estão apenas na memória dos quadragenários e quinquagenários como eu.

Para os que viram o filme, sempre valerá a pena ver de novo (eu vi no cinema, no vídeo cassete, no DVD e na televisão), para os que não viram, fica a dica para uma boa e despretensiosa sessão de cinema com muita pipoca e suco natural (o filme está disponível em sites na internet e também no NetFlix).

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