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terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

CADA UM NO SEU QUADRADO: EU NÃO QUERO SER UM "DESIGREJADO"



"O salmo do desigrejado
'Alegrei-me quando me disseram, vamos ficar em casa porque reunir-se em outro local que não seja uma casa é uma grande bobagem. 

Lembre-se que onde estiverem dois ou três reunidos (numa casa é claro), sem pastores, sem ministração dos sacramentos, sem qualquer tipo de contribuição financeira, ali Deus estará presente. 

Por acaso não sabes que você é o templo do Espirito Santo, e que em virtude disso você não precisa reunir-se num espaço com os salvos em Jesus? 

Resistam a instituição e as denominações que elas fugirão de vocês. Lembrem-se que os templos estão ao redor de vocês rugindo como leões tentando afastá-los das reuniões nas casas onde não existe obrigações, liderança e nem presbíteros e diáconos que comumente atazanam a vida dos que foram libertos das reuniões nos templos.'  
Pois é, pois é...  
Seria cômico, se não fosse trágico." 
Pr. Renato Vargens⁠⁠ 
No ano de 2010 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística divulgou os dados censitários de uma ampla análise desenvolvida pelo POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares), onde, entre outros temas, avaliou a performance da religiosidade do brasileiro. Na pesquisa foi apontada que, em termos de identidade religiosa, o grupo que mais cresceu foi dos que se declararam "sem religião". Algo surpreendente no Brasil, que sempre se orgulhou de ser "o maior país católico do mundo".

Além disso, outro dado divulgado e que muito chamou a atenção, foi a identificação de um ator social até bem pouco tempo inexistente no extrato religioso em nosso território: o evangélico nominal, isto é, sem vínculo eclesiástico, ou, como ficou conhecido, "desigrejado". De acordo com o IBGE, já são mais de quatro milhões de evangélicos em tal situação. Se declaram cristãos protestantes, identificados com as doutrinas fundamentais de fé cristã (creem, portanto, no nascimento virginal de Cristo, na sua morte expiatória, na ressurreição, na Segunda Vinda e na vida eterna aos fiéis; celebram a Ceia e passam pelas águas do batismo), mas que se recusam a congregar, pois não acreditam mais na necessidade e relevância da igreja institucional. 

A amostragem dos dados que comprovam o fenômeno chamou a atenção da mídia cristã especializada e também da secular, pois, historicamente era conhecido no que tange ao comportamento dos evangélicos no Brasil, que duas características sobressaíam: o hábito da leitura da Bíblia e a pertença eclesiástica. Contudo, com a revelação do contingente impressionante de "desigrejados" , a noção e o valor da pertença entre os evangélicos já vem sendo questionada, aproximando-se, portanto, dos católicos nominais, despertando a curiosidade de pesquisadores das Ciências da Religião e dos próprios órgãos de imprensa. 

A repercussão 


Assim que os dados foram divulgados, uma série de reportagens, livros e sites começou a circular, tentando entender o fenômeno. A Revista Cristianismo Hoje, prestigiada publicação cristã e braço brasileiro da Christianity Today, publicou duas matérias sobre o assunto . Até aí, nada surpreendente, visto ser natural que um periódico cristão de linha protestante repercutisse um assunto que atinge em cheio a realidade eclesiástica no Brasil. 

Entretanto, as Revistas IstoÉ e Época (esta última de responsabilidade das Organizações Globo) e também o importante jornal Folha de São Paulo, publicaram matérias sobre o assunto, evidenciando a importância do movimento para a compreensão do fenômeno religioso brasileiro. Editoras cristãs também entraram em cena, propondo reflexões sobre a tendência e, como não poderia ser diferente em tempos virtuais, sites e blogs também resolveram contribuir e/ ou tumultuar o debate. 

O histórico da repercussão no Brasil 


  • Augustus Nicodemus Lopes publica no blog Tempora-Mores, em abril de 2010, um artigo intitulado "Os Desigrejados" e populariza tanto o conceito quanto o uso do termo no Brasil. 
  • Maurício Zágari publica em 2010, na Revista Cristianismo Hoje, artigo intitulado: "Decepcionados com a Igreja". 
  • Em 2010 a Revista Época publica matéria de capa (A Nova Reforma Protestante) com evangélicos insatisfeitos com os modelos tradicionais de igreja. 
  • Jornal Folha de São Paulo publica, em 2011, matéria intitulada "Cresce o número de evangélicos sem ligação com igrejas". 
  • Revista Isto É publica, em 2011, matéria de capa "O Novo Retrato da Fé no Brasil" – nomadismo religioso. 
  • Sites como Genizah e Púlpito Cristão multiplicam o assunto nas redes sociais. 
  • O ex(?) reverendo Caio Fábio d'Araújo Filho se transformou no "profeta dos 'desigrejados'". 
  • O pastor, teólogo e escritor Ed René Kivitz posta um vídeo sensacional e esclarecedor sobre o assunto. 

A identidade do "desigrejado" 


Como vimos, cada vez cresce mais o número de crentes sem igrejas, são simpatizantes de Jesus, o Cristo, mas não suportam a ideia de participar de uma igreja. Como tenho muitos amigos "desigrejados" conheço vários argumentos e até mesmo me identifico com alguns deles. 

Todos eles perceberam em algum momento de suas vidas a singularidade da mensagem de Jesus, ou lendo a Bíblia, ou através de uma experiência marcante na juventude. Todos são unânimes em declarar que Jesus é único caminho e que sua proposta de vida é incomparável com qualquer outra proposta entre outras religiões. 

Mas também todos sentem tremenda dificuldade de se envolver em uma igreja local, uns por terem vivenciado a terrível experiência de serem julgados ou descriminados por alguns religiosos na igreja; outros por se indignarem ao verem tantos líderes, principalmente na TV, com esse horrendo, pernicioso e manipulador discurso da prosperidade, com uma santidade que não passa de marketing para enganar o povo; e ainda tem alguns que simplesmente não sentem a necessidade de "ir na" igreja toda a semana, sentem que é apenas uma rotina religiosa que faz pouca diferença no dia a dia, alegam que conseguem se "recarregar" sozinhos em casa lendo a Bíblia e conversando - se reunindo(?) com alguns pares. 

Eu entendo os desigrejados, até porque todos esses sentimentos rondam a minha alma, e já cheguei a pensar seriamente em deixar de "ir na" igreja por esses três motivos. Mas acredito que viver "desigrejado" não seja bom para ninguém. 

Porque eu NÃO QUERO SER um "desigrejado"? 


Apesar da Bíblia não conter um mandamento explícito para uma pessoa pertencer formalmente a uma igreja, ela está permeada de passagens que indicam a necessidade de pertencer a uma igreja. A base bíblica pode ser vista claramente no exemplo da igreja primitiva, na existência de liderança na igreja e no exercício da disciplina bíblica. 

Poderia também usar o simples argumento de que não é projeto de Deus para ninguém viver a vida sozinho, nem o próprio Cristo fez isso, nem nenhum dos seus primeiros discípulos.

Mas não é apenas uma ideia bíblica, na prática vejo que a fuga dos religiosos julgadores não gera uma vida sem julgamentos, pois fora da igreja temos muitas cobranças e muitos dedos apontados. Com um agravante, com menos pessoas ao lado para compartilhar as fraquezas e decepções. Sem contar com a nossa consciência que é a acusadora principal por não cumprirmos o que é certo. 

Caímos também no terrível erro de generalizar todos os líderes religiosos como oportunistas e falsos, esquecendo que o líder (pastor, apóstolo, bispo, reverendo, padre ou seja lá o que for) que é correto e vive a proposta do evangelho não fica fazendo auto marketing do tanto que é santo, pois aprendeu direto com Jesus que quando se faz uma boa coisa, que seja em secreto. 

Esse tipo de líder, seguidor de Jesus, está em toda parte, menos na mídia, por isso você só o encontra indo passar um tempo ao seu lado, nas igrejas onde eles estão servindo. Os "desigrejados" acabam cometendo o erro que sempre condenaram nos outros, o de julgar e colocar injustamente todos no mesmo "saco", e pior, vivem com essa culpa sozinhos. Além do mais, são um tanto arrogantes em sua opulência de "donos dos próprios narizes", que faz com que se sintam melhores, superiores aos que optam por fazerem parte de uma congregação. 

E aos que além disso tudo vivem bem sem a rotina de participar toda semana de uma igreja local, acabam sendo enganados por eles mesmos, por não perceberem que não conseguem ter sozinhos a disciplina de procurar o Jesus que eles admiram, e vão se afastando lentamente de uma comunhão saudável e proveitosa com Deus. 

Amam a proposta de Cristo, mas não suportam o seu corpo. Enxergam a incapacidade da igreja em ser boa, mas não enxergam a sua própria incapacidade de fazer o bem. Condenam a igreja por uma parte que é intolerante, mas não se condenam por não perceberem a intolerância do seus próprios corações. 

Viver em comunidade não é uma proposta apenas para nos sentirmos melhor, mas para enxergarmos no outro que não somos quem gostaríamos de ser. Nessa experiência semanal de frustração o Espírito de Cristo nos transforma em pessoas melhores, mais parecidas com Ele. 

O exemplo da igreja primitiva 


Na igreja primitiva, se tornar cristão significava pertencer à igreja. Os cristãos eram batizados, adicionados à igreja (Atos 2:41-47; 5:14; 16:5). Mais que simplesmente viver uma vida privada compromissada com Cristo, ser cristão significa juntar-se formalmente com outros cristãos em uma assembleia local e devotar-se ao ensinamento dos líderes, a comunhão, ao partir do pão e as orações (Atos 2.42). 

Há evidências no Novo Testamento que assim como havia uma lista de viúvas elegíveis para o suporte financeiro (1 Timóteo 5:9), assim também havia uma lista de membros que aumentava conforme pessoas eram salvas. De fato, quando um cristão se mudava para outra cidade, a sua igreja frequentemente escrevia uma carta de recomendação para a sua nova igreja (Atos 18:27; Romanos 16:1; Colossenses 4:10). 

A liderança da igreja 


A igreja possui uma pluralidade de líderes que supervisionam um grupo de crentes. As tarefas que os líderes possuem pressupõe um grupo definidos de pessoas as quais estão sob os seus cuidados. As Escrituras ensinam que os pastores irão prestar contas a Deus por cada individuo sob o seu cuidado (Hebreus 13:17). 

Os pastores somente podem prestar contas a Deus por pessoas que eles sabem que estão no seu rebanho - ou seja, sob seu cuidado. Por outro lado, as Escrituras ensinam que os cristãos devem se submeter aos seus líderes. Se uma pessoa é "desigrejada", surge a pergunta: "Quem são os seus líderes?".  Eles não os tem. Seguem o lema de "cada um por si e Deus por todos."

Disciplina na igreja 


Mateus 18:15-17 estabelece a disciplina na igreja. O exercício da disciplina pressupõe que os líderes da igreja saibam quem são os membros da igreja. E eu ainda perguntaria aos que se orgulham de ser "desigrejados". 

1) O que Jesus quis dizer com a seguinte afirmação:
"Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela (...)." Mateus 16:18 (grifo meu) 
De que igreja, afinal Ele estava falando e da qual se declarando o Dono?

2) E quanto aos dons ministeriais relacionados em Efésios 4:11,12?
"E Ele mesmo [Deus] deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo (...)." 
E qual, afinal é o corpo de Cristo?

Com a palavra, os "desigrejados".

Conclusão 

Um Fenômeno Mundial (pós-modernidade) 


Há no mundo contemporâneo uma crise de pertença, sobretudo, religiosa. Nos Estados Unidos da América (a maior nação protestante do mundo) e na Europa (berço das mais conhecidas denominações cristãs, como as Igrejas Anglicana, Luterana, Presbiteriana, Batista, Congregacional e Metodista, Wesleyana entre outras) a marcha dos "desigrejados" é um fenômeno conhecido e discutido. 

Obras importantes e outras polêmicas já vieram a lume, visando esclarecer e ou polemizar a questão. Portanto, longe de ser um movimento isolado manifesto apenas em nosso país, o que vem ocorrendo é uma expressão nacional de uma onda de deserção institucional de grandes proporções que alcança o mundo inteiro, consequência, sem dúvida, da pós-modernidade que questiona e relativiza afirmações e conteúdos antes considerados absolutos e inegociáveis, gerando, assim, desencaixe em todas as esferas da sociedade, atingindo todas as expressões institucionais: partidos políticos, sistemas de governo, utopias, convenções familiares, casamento, religião, igrejas e etc., pois, conforme denunciou Zygmunt Bauman [1925-2017, sociólogo polonês, professor emérito de sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia]:
"As estruturas estão se decompondo em face dos Tempos Líquidos". 
Não é possível biblicamente ser um cristão "desigrejado". Infelizmente, entretanto, a tendência é de o número de "desigrejados" aumentar (sim, pois eles fazem proselitismo e não medem esforços para arrastar outros em seus descaminhos). Entendo os motivos dos "desigrejados", mas , bíblica e definitivamente, não acredito que seja a melhor opção. Deus os abençoe. Deus nos abençoe e sigamos, "ado, ado, ado, cada um no seu quadrado".

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