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quinta-feira, 7 de maio de 2015

REFORMADORES: #1 - CALVINO, CINCO SÉCULOS DEPOIS

Farei mais uma série especial de artigos dessa vez enfocando os principais reformadores protestantes, homens que participaram diretamente da reforma na igreja cristã. O primeiro será João Calvino (1509-1569). Ele é um dos mais importantes teólogos da história. O reformador francês já foi combatido e contestado dentro e fora do meio cristão. Mas seus pensamentos e ideias ultrapassaram as barreiras da religião e contribuíram para moldar a vida moderna. Vamos conhecer um pouco sobre essa personalidade tão importante na história da igreja contemporânea.

“Com efeito, certamente esta consideração faz o verdadeiro rei: reconhecer-se um ministro de Deus na gestão do reino. Aquele que assim não reina para o serviço da glória de Deus não exerce o reino; ao contrário, exerce a usurpação. Ademais, muito se engana quem espera a prosperidade diária do reino que não é regido pelo cetro de Deus, isto é, por sua santa Palavra […] Nossa doutrina, porém, sublime acima de toda glória do mundo, invicta acima de todo poder, importa que seja enaltecida, pois não é nossa, mas do Deus vivo e de seu Cristo, a quem o Pai constituiu Rei, para que domine de mar a mar e desde os rios até os confins do orbe das terras (Sl 72). E de tal forma, em verdade, deve ele imperar, que, percutida só pela vara de sua boca, a terra toda, com seu poder de ferro e bronze, com seu resplendor de ouro e prata, ele a despedaçará como se outra coisa não fosse senão diminutos vasos de oleiro, na exata medida em que os profetas vaticinam acerca da magnificência de seu reino (Dn 2.34; Is 11.4; Sl 2.9)”. (João Calvino, Institutas da Religião Cristã, Carta ao Rei Francisco) 

Um nome, um legado...


Vez ou outra a História costuma produzir figuras que não se limitam a influenciar sua geração. Para o bem ou para o mal, elas acabam transformando o pensamento da posteridade e moldando a vida em sociedade. O francês João Calvino, um dos nomes mais conhecidos da Reforma Protestante do século XVI, é uma dessas figuras. Exatos 515 anos após seu nascimento, o legado do reformador continua a despertar interesse, não apenas por suas contribuições, mas também pelas controvérsias e diferentes interpretações que tem provocado. Nos últimos tempos, no entanto, suas ideias vêm ganhando impulso renovado e despertando o interesse de especialistas e estudiosos. Não é para menos: sem ele, não apenas os evangélicos não seriam os mesmos. Nossa atitude com relação ao trabalho, à riqueza, aos direitos civis, ao capitalismo, à liberdade de expressão e até às ciências naturais seriam completamente diferentes.

Isso não quer dizer, como tantos defendem, que Calvino seja o pai da economia moderna, tenha inventado a doutrina das predestinação ou fosse, em seu tempo, um tirano, uma espécie de ditador em Genebra, a cidade na qual construiu a maior parte de sua carreira. Há muitos mitos hoje em relação à Calvino. Quem os defende, desconhece as verdadeiras contribuições do homem, o contexto histórico em que ele viveu e o papel que tiveram seus seguidores na divulgação e elaboração de suas doutrinas. O fato é que tudo isso acontece porque ele é o principal teólogo entre os reformadores protestantes e ao escrever sobre religião, teologia, economia e política atualmente não dá para ignorar sua contribuição.

João Calvino nasceu em 10 de julho de 1509, em Noyon, uma pequena cidade do nordeste da França. Era época de grande desenvolvimento do Renascimento e do Humanismo, cujos valores foram abraçados prontamente pelo jovem. A precisão na linguagem e o interesse pelos autores clássicos e pelos chamados Pais da Igreja - alguns dos primeiros e mais destacados teólogos da cristandade - apareceram antes mesmo dele fazer sua formação na área do Direito. Por volta de 1533, um evento significativo mudaria os rumos da vida do jovem intelectual. Embora os detalhes da história sejam desconhecidos, Calvino converteu-se à fé evangélica. Segundo conta ele mesmo, algo "inesperado", muito parecido com a experiência de Saulo de Tarso a caminho de Damasco, mas que fez com que se tornasse um ardoroso defensor do movimento da Reforma.

Embora fosse contemporâneo e conhecesse suas ideias, Calvino nunca conheceu Martinho Lutero pessoalmente. Isso não impediu que interagisse com seguidores de Lutero, como Felipe Melachthon, ou desenvolvesse obras que completariam não apenas as teses do saxão, mas de outros reformadores de expressão, tais como o suíço Ulrich Zwinglio. E foi com seus escritos que ganhou fama. Em 1536, saiu do prelo a Instituição da Religião Cristã, obra que se tornaria conhecida como Institutas, uma súmula da fé cristã e que serviria de manual do estudo da Bíblia. É a grande obra, a mais conhecida de Calvino, mas não necessariamente a mais importante. Ao lado dela, ele também produziu comentários dos livros bíblicos e outros textos pastorais, com temas teológicos mais livres e que agora estão sendo redescobertos.

A obra, o ministério


Grande parte do ministério de Calvino esteve ligada à suíça Genebra. Depois de alguns anos em Estrasburgo, na França, Calvino voltaria, em setembro de 1541, em definitivo para Genebra. Ainda assim, seu trabalho e influência não se limitaram nem a Genebra nem a Suíça. A nova doutrina e ensinos como a salvação pela graça divina e a predestinação espalhou-se pela França, Ilhas Britânicas, Leste Europeu e Holanda. John Knox, um dos discípulos de Calvino, foi decisivo na implantação do protestantismo calvinista na Escócia. E, se alguém ainda aca que Calvino não se interessava por missões precisa dar uma olhada na história do Brasil. Na década de 1550, o vice-almirante Nicolas Durand de Villegaignon escreveu ao reformador solicitando o envio de fieis para a pequena colônia que havia fundado no Rio de Janeiro. Vindos da Europá, 13 huguenotes chegaram à França Antártica, realizaram o primeiro culto protestante das Américas em 10 de março de 1557, evangelizaram os indígenas e produziram uma confissão de fé local.

Com um ministério amplo e diversificado, Calvino não produziu um movimento atrelado a uma denominação, mas que acabou se espalhando por diversas confissões diferentes, especialmente as denominações reformadas nacionais que surgiram a partir do século XVII. Atualmente, elas congregam mais de 75 milhões de crentes, em 214 denominações de 110 países. Mas nenhuma adotou tanto seus preceitos quanto a Igreja Presbiteriana, que até hoje mantém um modelo administrativo baseado na descentralização de poder, com a direção nas mãos de um colegiado - presbitério -, e no qual há grande espaço para o trabalho de pastores, mestres, presbíteros e diáconos. Por outro lado, algumas doutrinas, aperfeiçoadas pelos continuadores do calvinismo, tornaram-se motivo de discórdia, mesmo para com outros grupos evangélicos.

As polêmicas e a predestinação


A mais polêmica doutrina calvinista é a da predestinação, pela qual a pessoa há nasce com seu destino determinado por Deus, seja a salvação, seja a condenação. Ao expor a questão de modo muito simplista, as pessoas não fazem justiça à profundidade do raciocínio de Calvino. Seu ensino enfatiza a soberania de Deus sobre todas as pessoas e sobre o mundo e essa, talvez, tenha sido sua grande contribuição teológica. Antes dele, Agostinho, Aquino e mesmo Lutero e Zwinglio já falavam sobre isso. Mas depois dele, Deus passou a fazer parte do cotidiano das pessoas, mesmo nas pequenas coisas.

E reformador realmente estava longe da perfeição. Como bem reconheciam seus simpatizantes, tinha limitações e falhas. Tanto que, em 1553, teve papel controvertido na condenação de Miguel Serveto à morte na fogueira. O motivo era heresia. Por discordar da doutrina da trindade. Mas, assim como outros acontecimentos, este também precisa ser analisado à luz da tensão vivida na época.

Em outras esferas


Mas desde que o sociólogo Max Weber publicou o clássico Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, entre os anos de 1904 e 1905, o nome de Calvino deixou de vez as trincheiras teológicas. Muitos o associam diretamente às conquistas e às mazelas do capitalismo. Com isso, esquecem outras forças que moldaram a economia moderna e já estavam em ação no tempo da Reforma. Mais uma vez acontece aí uma visão simplificada. Ao defender a vocação no trabalho e na ação social, com grande disciplina e um estilo regrado, ele contribuiu em sentido geral para o desenvolvimento da modernidade. Seu pensamento se reveste de um potencial revolucionário. Ao insistir na resistência aos governos injustos, não somente como um direito, mas também um dever, ele abriu as portas à democracia.

E também para a política e a ação social, que andavam de mãos dadas com a religião na concepção do reformador. Tanto que seu pensamento influenciou a revolução puritana de 1641, na primeira vez em que um tirano foi deposto e executado na Inglaterra, em 1649, no surgimento da forma de governo republicana, com divisão e alternância de poder, e na revolução de 1776, nos Estados Unidos. Sem recorrer a Calvino, não é possível pensar em libertação dos escravos e em liberdade de imprensa. No mundo corporativo, o conceito de reinvestir o lucro na empresa nasceu após ele, João Calvino pode ter morrido em 27 de maio de 1564, com quase 55 anos, mas seu pensamento permaneceu e está sendo redescoberto. Não à toa, a revista norte-americana Time há algum tempo divulgou recentemente dez ideias que estão mudando o mundo no começo do século XXI. Em terceiro lugar, aparece o calvinismo, que a publicação elogia como uma "base segura" para a vida devido à crença de que Deus governa soberanamente todos os aspectos e situações no planeta. Como ele dizia - e nisto é copiado por muitos evangélicos: "Soli Deo Gloria" (À Deus toda a glória).

[Fonte: "Calvino: O Potencial Revolucionário de um Pensamento" [Ed. Vida] - Silvestre, Armando Araújo]

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