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quinta-feira, 31 de outubro de 2019

ESPECIAL - REFORMA PROTESTANTE: DII ANOS DEPOIS, ANÁLISE SOB O VIÉS DO CAPITALISMO

No dia 31 de outubro de 1517, Martinho Lutero (✩1483/✟1546), monge agostiniano alemão, afixou na porta da Igreja de Todos os Santos, no castelo de Wittenberg, na Alemanha, as suas 95 teses e a denúncia da corrupção na Igreja Católica Romana, pela venda maciça de indulgências aos pecados dos fiéis. Foi o início de uma grande divisão na Igreja e de uma revolução que teve um grande impacto no mundo, especialmente na Europa e nos Estados Unidos. 

Meio milênio depois... 


Em 2017, a Reforma Protestante completou 500 anos. A importância de Martinho Lutero na reforma da igreja é inconteste. Mas existe uma grande polêmica teórica sobre o significado da Reforma Protestante. 

Karl Marx (✩1818/✟1883), filósofo, jornalista, sociólogo, historiador, economista e revolucionário socialista alemão, dizia que 
"A religião é o ópio do povo". 
Esta frase, que se tornou célebre e virou mote de ateus, agnósticos, livres pensadores e até mesmo de muitos cristãos anti-religiosidade expressa a concepção marxista do fenômeno religioso, pelo menos aos olhos da maior parte das pessoas. Mas para Michael Lowy, pensador marxista brasileiro (2008): 
"Uma leitura atenta do texto de Marx mostra que ele é mais nuançado do que se acredita, dando conta da dupla natureza do fenômeno: a angústia religiosa é por um lado a expressão da angústia real e, por outro, o protesto contra a angústia real".
 
Ainda segundo Lowy, o estudo marxista da religião, enquanto fato social e histórico, como uma das múltiplas formas da ideologia, da produção espiritual de um povo, da produção de ideias, de representações e da consciência, está condicionada pela produção material da vida e pelas relações sociais correspondentes. 

Friedrich Engels (✩1820/✟1895), empresário industrial e teórico prussiano, que junto com Marx, fundou o chamado socialismo científico ou marxismo, vai além e relaciona as representações religiosas com a luta de classes. Segundo Lowy, mais além da polêmica filosófica, Engels 
"tenta compreender e explicar as manifestações sociais concretas da religiosidade. O cristianismo não aparece mais como uma 'essência' atemporal, mas como uma forma cultural que se transforma historicamente: primeiro religião de escravos, depois ideologia do Estado do Império Romano, religião adequada à hierarquia feudal e finalmente religião adaptada à sociedade burguesa".
 De forma um pouco simplificada, podemos dizer que, para o marxismo, as condições materiais de vida e as relações sociais de produção determinam a narrativa religiosa. Assim, a Reforma Protestante teria sido fruto dos interesses próprios da burguesia nascente já no início do capitalismo. Ou de forma elementar: o capitalismo gerou a Reforma Protestante. 

...Algo mudou? 


Esta explicação materialista se choca com a explicação culturalista desenvolvida por Marx Weber (✩1864/✟1920), jurista, intelectual e economista, fundador da Sociologia. O grande sociólogo alemão, no famoso livro "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo", mostra as afinidades eletivas entre o comportamento econômico e suas raízes religiosas. 

Partindo de evidências empíricas, Weber percebeu uma relação estatística positiva entre a liderança capitalista, a força de trabalho mais qualificada e as regiões mais ricas da Europa e dos Estados Unidos com a filiação religiosa ao protestantismo. 

Para ele, o espírito do capitalismo (incessante acumulação do capital por meio do crescimento do mercado e do avanço das forças produtivas) foi impulsionado, de forma "não antecipada", pela ética protestante, particularmente, o "protestantismo ascético" ou "puritanismo". O capitalismo nascente exigia grandes jornadas de trabalho e altas taxas de poupança e investimento para viabilizar a "Riqueza das Nações" (como mostrou Adam Smith, ✩1723/✟1790, filósofo e economista britânico). 

A Reforma Protestante gerou uma mudança cultural. O protestantismo modificou a visão pejorativa sobre a riqueza predominante entre os católicos. Nunca o dinheiro e a acumulação material foram vistos de forma tão positiva. Mas a riqueza não era vista como um fim em si mesma e sim como comprovação da idoneidade religiosa dos indivíduos. Os fiéis tinham que provar sua devoção religiosa com base no trabalho árduo, sério, honesto e disciplinado. 

Na teoria weberiana, o "desencantamento do mundo" foi fundamental para eliminar a magia como meio de salvação e fortalecer o processo de racionalização da cultura ocidental de base iluminista. Desta forma, a religião protestante contribuiu para a formação do empresário moderno e do trabalhador urbano-industrial. 

Para Weber, o espírito profissional da modernidade tem sua raiz na moral religiosa e no ascetismo puritanos. Assim, historicamente, o capitalismo se desenvolveu com mais intensidade nos países de maioria protestante e, esses países são exatamente os que predominam no grupo das nações de maior renda e de maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Portanto, na concepção weberiana a Reforma Protestante veio antes e impulsionou o capitalismo industrial.

A visão futurista de Lutero 


Lutero passou a defender a ideia de que não eram as boas ações que salvariam uma pessoa, mas sim a fé. A construção teológica iniciada por Lutero deu origem a um princípio conhecido como Cinco Solas: 
  • Sola fide (somente a fé), 
  • Sola scriptura (somente a Escritura), 
  • Solus Christus (somente Cristo), 
  • Sola gratia (somente a graça), 
  • Soli Deo gloria (glória somente a Deus). 
As sua 95 teses espalharam-se com rapidez pela Europa por conta da imprensa (criada em 1430 por Johann Gutenberg), a qual permitia a cópia e a impressão de livros em uma velocidade inédita para a época. Ou seja, de novo o capitalismo e a Revolução Industrial contribuíram favoravelmente para a propagação da fé no cenário da reforma. 

O fato é que a Reforma Protestante se espalhou pelo norte da Europa, Grã-Bretanha (Igreja Anglicana), Estados Unidos e Oceania. Porém, os Reinos de Portugal e Espanha, sob a batuta do Vaticano, mantiveram a hegemonia católica na América Latina nos séculos seguintes e conseguiram manter os partidários da Reforma distantes do Brasil. 

Porém, o catolicismo está em declínio e o protestantismo está em alta na América Latina e no Brasil. O continente latino-americano está passando por uma transição religiosa com o declínio das filiações católicas, aumento das filiações protestantes/evangélicas, aumento das pessoas que se declaram sem religião e aumento de religiões não cristãs. 

O catolicismo venceu na América Latina e Caribe (ALC), nos primeiros 500 anos após o protesto de Martinho Lutero, em 1517. Mas o protestantismo, especialmente os evangélicos pentecostais (e, na esteira, os neo-pentecostais), estão rompendo as barreiras e avançando na região. Tudo indica que os próximos anos, no que se refere à correlação de forças entre católicos e evangélicos, serão, me permitam o trocadilho, "outros quinhentos". 

Conclusão 


Nessa segunda década do século XXI, há uma razoável produção bibliográfica sobre a Reforma Protestante e Protestantismo Brasileiro, narrada a partir de metodologias inovadoras, que permitem explorar mais densamente as muitas fontes à disposição dos pesquisadores. Essa escrita tem seus antecedentes. Primeiro foram os textos dos missionários viajantes, que descreverem, sob a influência cultural e religiosa protestante, a geografia, as cidades, a vida rural, os hábitos, os costumes e a organização social brasileira. 

Quando o Protestantismo estava já assentado em vilas e cidades brasileiras, a partir da segunda metade do século XIX, passaram a circular, entre os protestantes, uma literatura memorialista de vida longa, escrita a partir de um certo conjunto de documentos, porém mediados pelas lembranças, pelas saudades, enfim, pelas memórias do ardor missionário. 

Na segunda metade do século XX, vieram os textos acadêmicos escritos por pesquisadores ainda ligados às suas instituições religiosas, remetendo suas análises aos ambientes internos das igrejas. A partir da década de 1980, a História Cultural ampliou as abordagens problematizadoras sobre o campo protestante no Brasil. 

Em razão dos 500 anos do movimento iniciado por Martinho Lutero, neste breve artigo, eu trouxe à lume nos 500 anos da Reforma Protestante no Brasil: uma análise histórica e historiográfica – organizada por eixos temáticos considerados marcantes na presença política, social, cultural e educacionais de igrejas tradicionais e pentecostais no Brasil. Espero com ele, dar vozes aos sujeitos dos discursos que representaram o protestantismo, bem como àqueles e àquelas que o construíram em suas práticas cotidianas. 

[Fonte: Comunicações - Portal Metodista de Periódicos Científicos e Acadêmicos, Programa de Pós Graduação em Educação; WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1967; Michael Lowy. Marxismo e Religião, Orientação Marxista, 19/02/2008]
  
Soli Deo gloria. 
Fique sempre atualizado! Acompanhe todas as postagens do nosso blog https://conexaogeral2015.blogspot.com.br/. Temos atualização diária dos mais variados assuntos sempre com um comprometimento cristão, porém sem religiosidade. 
E nem 1% religioso.

2 comentários:

  1. Muito bom Leonardo! E sempre um prazer ler seus artigos.

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  2. Obrigado, professor Robson... Coloquei muito do que aprendi com você na composição deste texto.

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