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sábado, 22 de abril de 2017

ASSUNTOS DIFÍCEIS DA BÍBLIA - O ENIGMA SOBRE O VOTO DE JEFTÉ

Sempre fiquei maravilhado com a perfeição, perspicuidade das Sagradas Escrituras. Não obstante, algumas passagens sempre me intrigaram em razão de debates e discussões prévias a respeito das mesmas. Como exemplo disso, tomo a passagem de Juízes 11:29-40, que narra a história de Jefté, seu voto e sua filha. Especificamente, refiro-me aos versículos 30 e 31: 
"Fez Jefté um voto ao SENHOR e disse: 'Se, com efeito, me entregares os filhos de Amom nas minhas mãos, quem primeiro da porta da minha casa sair ao encontro, voltando eu vitorioso dos filhos de Amom, esse será do SENHOR, e eu o oferecerei em holocausto'"
O verso 39 diz: 
"Ao fim dos dois meses, tornou ela para seu pai, o qual lhe fez segundo o voto por ele proferido...". 

Holocausto? Sacrifício humano? 


Teólogos e scholars (estudiosos eruditos) de todos os segmentos afirmam que, de fato, Jefté não só votou que sacrificaria um ser humano como cumpriu o que prometeu. A Bíblia de Estudo de Genebra, por exemplo, faz o seguinte comentário a respeito da passagem em questão: 
"Jefté derrotou os amonitas, mas, durante a batalha, fez um voto precipitado ao Senhor, com base no qual foi obrigado a sacrificar sua filha querida como holocausto. Ao contrário dos deuses pagãos, Deus não deveria ser adorado com sacrifícios humanos (Deuteronômio 32:17; Salmos 106:37,38). O voto imprudente de Jefté mostra como lhe faltava fé para liderar; sem essa fé, sua casa não seria estabelecida. 

Dentre os muitos colaboradores responsáveis pelos comentários da Bíblia de Estudo de Genebra, destacam-se homens como Mark Futato (Reformed Theological Seminary), R. Laird Harris (Covenant Theological Seminary), Meredith Kline (Gordon-Conwell Theological Seminary), Tremper Longman III (Westmont College), Raymond C. Ortlund Jr. (First Presbyterian Church of Augusta), Richard L. Pratt Jr. (Reformed Theological Seminary) e Bruce K. Waltke (Reformed Theological Seminary). Não sei exatamente quem escreveu os comentários do livro de Juízes. No entanto, sei que tal interpretação passou pelo crivo do editor responsável pelo Antigo Testamento, o Dr. Bruce K. Waltke, e do editor-geral, o Dr. Richard L. Pratt Jr.

Novamente, duas linhas de interpretação têm sido propostas sobre o caso. A primeira é a leitura natural do texto: Jefté sacrificou sua filha em holocausto. A segunda é aquela que Paulo de Aragão Lins [Pastor, escritor, jornalista, dramaturgo, poeta, teólogo, filósofo, psicanalista, comendador e conferencista nacional e internacional. Nasceu em 1942, em João Pessoa, Paraíba. Já escreveu alguns livros, quase todos versando sobre a Bíblia.] chamou de "exegetas medrosos" que afirmam que Jefté apenas fez um "holocausto da virgindade" da moça, impedindo ela de ter filhos por toda a vida.

Mas a pergunta que fica é: Como pode um homem que sacrificou a sua própria filha em holocausto - um ato essencialmente pagão, explicitamente abominável e condenado por Deus - por causa de um voto irrefletido figurar como um herói da fé em Hebreus 11:32?

Linha 1
Linha 2
Jefté sacrificou sua filha literalmente
Jefté "sacrificou" apenas a virgindade da filha

Neste artigo analisaremos um dos textos mais "polêmicos" das páginas veterotestamentárias e que, consequentemente, tem dado panos para longas mangas nos círculos teológicos. O texto de Juízes 11.30-40 tem sido palco de discussões teológicas desde a Idade Média. Como vemos, de um lado, homens doutos em Teologia tentavam provar que Jefté realmente sacrificou com fogo sua única filha [Linha 1]. Do outro lado, homens tão doutos quanto apresentavam seus argumentos para provar que o sacrifício foi a virgindade perpétua da filha de Jefté [Linha 2].

O objetivo desse artigo não é dirimir a questão em pauta, mas sim provar à luz da Bíblia e das Línguas Bíblicas que Jefté realmente sacrificou sua filha como oferta queimada, mas não entendo que Deus aceitou seu sacrifício. Para provar o meu ponto de vista recorrerei às Línguas Bíblicas, à exegese, aos léxicos de hebraico e grego e a alguns comentários bíblicos conceituados na atualidade.


Análise Geral

O que consistia o voto de Jefté (Juízes 11:30)



O judaísmo é uma religião muito preocupada com o acerto dos ciclos naturais do mundo. Isso porque essa é a base para a Vida nos ensinos da Torah. Os judeus chamam de "Tikun Olam" ou seja, Ordem do Mundo, o que procura justamente uma ética para organizar quebras de ciclos ou pequenas desordens.

Assim, muitas coisas que os israelitas não fazem, na verdade são porque simbolizam quebras de ciclos da Vida. Um exemplo? Eles não misturam nos alimentos leite e carne, porque um simboliza a Vida (sem o leite, os filhotes não podem crescer) e o outro é símbolo da morte (para se ter carne, um animal deve ser sacrificado).

Sacrificar um filho passou a ser um grande erro para os hebreus, pois era a quebra da geração de vida de uma família provocada por um membro do próprio ciclo. Os habitantes de Canaã faziam isso através de votos e contaminaram alguns de Israel por causa da desobediência: 
"Não destruíram os povos, como o Senhor ordenara, mas se misturaram com as nações, e adotaram os seus costumes... sacrificaram seus filhos e suas filhas aos demônios. Derramaram sangue inocente, o sangue de seus filhos..." (Trechos de Salmos 106:34 40).
Perceberam a gravidade desse texto? Só existe sacrifício de filhos e filhas aos demônios, a Deus jamais!

Para corrigir essa terrível prática no Seu povo Santo, Deus instruiu Abraão a sacrificar o seu único filho (Gênesis 22). Se nos dias de hoje isso seria um abismo, para Abraão era natural, afinal, era comum sacrifícios de filhos aos deuses. 

Apesar de crer que Isaque poderia reviver, esse era o degradante pensamento de toda uma geração, que foi mudado com um novo conceito: o Deus de Israel oferece Redenção. Assim, o rapaz foi substituído por um cordeiro trazido pelo próprio Deus (v.13), sendo depois fixada a ordem na Lei de Moisés:
"Não haja no teu meio quem faça passar pelo fogo o filho ou a filha..." (Deuteronômio 18:10).


O voto de Jefté no texto em hebraico



E o voto de Jefté: "...qualquer que, saindo da porta da minha casa, me vier ao encontro... esse será do Senhor, e ooferecerei em holocausto..." (Juízes 11:30-31) e "Ela era filha única" (v.34).

É importante observar que a Bíblia possui termos linguísticos que não devem ser considerados literalmente, como temos hoje: "pisar na bola", "chutou o balde", etc. Assim, temos na análise do termo "oferecer em holocausto" no texto hebraico:
Que texto lindo!!! Não tem nada de sacrifício!

Concluímos que os radicais das palavras elevar e holocausto ("o'lah") são os mesmos. Assim, a moça foi "elevada" em holocausto, num termo linguístico que segue as regras de voto pelas avaliações da tabela de Levíticos 27:2-8, que é:

Homem de 20 a 60 anos 
50 shekel de prata
Mulher de 20 a 60 anos 
30 shekel de prata
Homem de 5 a 20 anos 
20 shekel de prata*
Mulher de 5 a 20 anos 
10 shekel de prata
Bebê menino de 1 mês a cinco anos
5 shekel de prata
Bebê menina de 1 mês a cinco anos 
3 shekel de prata
Homem idoso acima de 60 anos
15 shekel de prata
Mulher idosa acima de 60 anos
10 shekel de prata

*José era adolescente e foi vendido por 20 peças de prata (Gênesis 37:28), ou seja, foi avaliado dentro dessa tabela.

As leis de Levíticos foram registradas bem depois da história de José. Foram mais de quatrocentos anos entre a venda de José por vinte peças de prata e a publicação da tabela pelas leis de Moisés. Isso quer dizer que as leis de Moisés foram uma adaptação santa de leis que já existiam e eram praticadas no mundo antigo.

Assim, o Código Hebreu foi feito de leis de outros códigos pagãos moldados para a santificação de Israel. Isso pode parecer estranho, mas é por isso que foi mantida a Lei do Talião, "olho por olho, dente por dente" porque a lei "do que se faz de errado se paga na proporção", estava ainda entranhada nas raízes do povo em formação. O povo de Israel precisava de leis para organizar a sua formação, mas elas não poderiam entrar em conflito com os seus costumes diários.

Assim, os sacrifícios de animais para agradar aos deuses eram costumeiramente realizados pelos povos do mundo antigo, que acabaram estendendo à prática de sacrifício de crianças. Os primogênitos eram mais valiosos, e eram uma forma sublime de alcançar grandes bênçãos.

O Deus de Israel usou o sacrifício e o derramamento de sangue dos povos pagãos para dar lições ao povo recém formado sobre REDENÇÃO.

Comparação entre os votos de Jefté e Ana


Um voto era uma promessa realizada em termos solenes em que uma pessoa se obrigava a realizar um ato ou abster-se de alguma coisa. Diferente dos dias atuais, era muito comum a realização de votos no mundo antigo e podia ser registrado em uma espécie de cartório. Em alguns casos, havia até multa de 20% sobre o valos da avaliação do objeto prometido, caso a pessoa quisesse fazer o resgate em forma de dinheiro.

Para Israel, após a determinação da Lei Mosaica, a Lei do Voto passou a ter dois principais objetivos:
  1. Ensinar ao povo lições sobre o Resgate que só o Deus Único (Echad) oferecia;
  2. Glorificar e enaltecer as bênçãos e vitórias que esse mesmo Deus concedia.
Votos precipitados de mulheres podiam ser anulados pelos pais ou marido: Números 30:6.

Os votos de Jefté e Ana


Levíticos 27:2: 
"Esta é a lei quando uma pessoa expressa um voto para doar a D'us o valor estimado de uma pessoa."
Esse é o tipo de voto realizado por Jefté, exatamente igual ao realizado por Ana (1 Samuel 1:11). Vejamos:
  • Voto de Jefté 
"E Jefté fez um voto ao Senhor: 'Se totalmente entregares os filhos de Amom nas minhas mãos, qualquer um que, saindo da porta da minha casa, me vier ao encontro, voltando eu vitorioso dos filhos de Amom, esse será do Senhor, e o oferecerei em holocausto'" (Juízes 11:30,31).
  • Voto de Ana 
"Ela, com amargura de alma, orou ao Senhor, chorou muito, e fez um voto, dizendo: 'Ó Senhor dos Exércitos, se benignamente atentares para a aflição da tua serva, e de mim te lembrares, e da tua serva não te esqueceres, mas à tua serva deres um filho, ao Senhor o darei por todos os dias da sua vida, e sobre a sua cabeça não passará navalha'" (1 Samuel 1:10,11).
A diferença é que Ana não mencionou o novilho que deveria entregar para o holocausto no cumprimento do seu voto, mas em 1 Samuel 1.24,25 cita o dia da entrega do menino:
"Havendo-o desmamado, tomou-o consigo, com um novilho de três anos, um efa de farinha e um odre de vinho, e o levou à casa do Senhor, em Siló... degolaram o novilho, e trouxeram o menino a Eli" (grifo meu).
Obviamente, Jefté esperava uma multidão para recebê-lo na volta de sua vitória contra Amom. Talvez imaginasse um servo ou escravo, mas sabia muito bem do risco de ser a própria filha. A tristeza profunda dele foi provocada pelo desmantelamento das suas riquezas nesse voto.

O que acarretaria? Jefté não teve direito à herança junto aos seus pais porque era filho bastardo. Todos os seus bens vieram de suas administrações e vitórias como Juiz de Israel. No primogênito se dá a promessa de herança e gerenciamento de todos os bens do pai. No caso de uma filha primogênita, esperava-se ela casar e ter um filho homem para receber o direito de primogenitura. Ao fazer esse voto, Jefté ofereceu em holocausto o que a moça valia: toda a sua herança!!!

Observamos aí, um princípio espiritual no ciclo de heranças na época da consolidação da nação israelita. Riquezas herdadas pelos pais eram transmitidas aos filhos e passadas às próximas gerações. Como Jefté não havia herdado nada, os bens que acumulou também não serviram de herança para ninguém, voltaram para Deus. Quanto à moça, tornou-se pobre e impossibilitada de casar (Jz 11:40).

Sobre o assunto, a Bíblia de Estudo Pentecostal comenta o seguinte:
"Tudo indica que Jefté não ofereceu fisicamente sua filha em sacrifício (vv. 30,31), por duas razões, pelo menos:  
(1) Ele certamente conhecia a lei de Deus que proibia rigorosamente sacrifícios humanos, e por certo sabia que Deus tinha tal ato como uma abominação intolerável (Lv 18:21; 20:2-5; Deuteronômio 12:31; 18:10-12).  
(2) A menção enfática de que 'ela não conheceu varão' (i.e., não se casou), deixa claro que ela foi apresentada a Deus como um sacrifício vivo, dedicando toda sua vida como virgem, e ao serviço do santuário nacional de Israel (Êxodo 38:8; 1 Sm 2:22)."

Conclusão


Amado leitor, aqui não houve uma distorção propositada, ou um isolamento de textos para justificar um entendimento, mas uma exposição exegética das Escrituras com base em seus originais.

Concluindo ainda lembramos que muito estudiosos se apegam a conjunção "e", do versículo e que poderia ser "ou". Assim a tradução seria "ou" se dedicaria ao Senhor, "ou" seria oferecida em holocausto. Isto até pode explicar, mas ainda assim não parece ser algo correto que alguém ofereça a vida de outra pessoa a Deus, quando seguir a Deus deveria ser um ato de livre arbítrio. 

Portanto Eu aceito como a melhor interpretação para este voto a compreensão da segunda interpretação [Linha 2] assim penso em ser correto entender como que Jefté deu sua filha a Deus para que ela service só a Ele, pois Deus nunca aceitaria holocausto de seres humanos feitos a sua imagem e semelhança. 

[Fonte: BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA, (São Paulo: Cultura Cristã, 2009), 327. Edição Revista e Ampliada. CPAD, Bíblia de Estudo Pentecostal, Edição de 1995, ano 2002, p. 405.]

A Deus toda glória.

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