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sábado, 24 de agosto de 2019

ESCRITO NAS ESTRELAS - CORA CORALINA, 130 ANOS


Anna Lins dos Guimarães Peixoto, era seu nome de batismo. Feminista - no bom sentido do termo, algo bem mais do que queimar sutiãs em praça pública  um dos maiores nomes da literatura nacional  quiçá, mundial  nasceu em um antigo casarão de 1770, às margens do rio Vermelho, uma das inspirações para sua poesia.

De vida simples e apenas com curso primário incompleto, Cora teve carreira literária intensa. Publicou seu primeiro livro quando já tinha 76 anos, em 1965, e só aprenderia a datilografar, aos 70.

Sua produção de textos é muito vasta e, segundo a diretora do Museu Casa de Cora Coralina, apenas 40% de sua obra está publicada. Parte dos inéditos estão no próprio museu e o restante com a filha Vicência Brêtas Tahan que, atualmente, mora em São Paulo.

Sua trajetória



Foto: Museu Casa de Cora Coralina/Divulgação

De 1911 a 1956, esteve fora da cidade para acompanhar o marido Cantídio Tolentino de Figueiredo Bretas, no interior de São Paulo, e chegou a publicar poemas em jornais paulistas e cariocas.

Com a morte do marido, em 1934, mudou-se para a capital de São Paulo, onde conheceu José Olympio e começou a divulgar livros de casa em casa. Era a literatura batendo à porta dos paulistanos, literalmente.

A inquieta Cora chegaria a morar também em Penápolis e Andradina, onde escreveu para um jornal sob o pseudônimo de Cora Bretas e se candidatou até à vereadora.
'Andei por mundos ignotos e cavalguei o corcel branco do sonho. Pobre, vestida de cabelos brancos, voltei à velha CASA DA PONTE, barco centenário encalhado no Rio Vermelho…' — "Estórias da Casa Velha da Ponte" – Global Editora
De volta à terra natal, em 1956, começou a comercializar doces cristalizados para sobreviver, como os de cajuzinho do cerrado que brotavam no quintal dos fundos da casa de Cora que, atualmente, também pode ser visitado no Museu Casa de Cora Coralina. Seus doces eram um mosaico de cores em caixinhas embrulhadas em papel de presente e lacinho.

Sua história, seu legado


O Brasil nem sempre é fiel a sua memória cultural, pois, apesar de pouca divulgação pela grande mídia, 2019 é dela. É o Ano Cora Coralina, que começou com atividades no último dia 10 de agosto, na Cidade de Goiás, para celebrar seus 130 anos de nascimento.

A poetisa tardia, que só publicaria seu primeiro livro aos 76 anos, foi a escritora dos outros. Seus poemas eram dedicados a personagens reais nem sempre lembrados, como o presidiário, o menor abandonado e o delinquente. 
'Este livro pertence mais aos leitores do que a quem o escreveu', avisaria Cora no texto que abre "Poemas dos Becos de Goiás" (Global Editora).

Feminista e libertária


Feminista em uma época em que os direitos das mulheres eram assunto para principiantes e muitas delas escreviam sob pseudônimo masculino, Cora parecia sempre se adiantar ao seu tempo. Resolveu dedicar-se com afinco à literatura depois de uma desilusão amorosa. Tinha 18 anos quando se apaixonou por um rapaz que estudava no Rio de Janeiro e estava passando férias em Goiás. 

A mãe dele cortou o relacionamento e antecipou o retorno do filho. Como diria Cora anos depois: 
"as mulheres do passado, não sabem ser carinhosas - que aquele tempo de dureza e severidade não ajudava - tornavam-se cruéis".
Apesar do preconceito, Cora aprendeu métrica, leu grandes poetas da língua portuguesa, como Camões, Bilac, Tomás Antônio Gonzaga, Garret e Gregório de Matos, e passou a colaborar para o Anuário Histórico e para um semanário publicado em sua cidade.

Em junho de 1911, a poetisa conheceu o novo chefe de polícia local, Cantídio, um homem que era 21 anos mais velho do que ela. A mãe de Cora proibiu terminantemente o namoro, de modo que, na madrugada do dia 25 de outubro daquele mesmo ano, o casal fugiu para o interior de São Paulo. Cora estava grávida de dois meses. O casal teve seis filhos  Paraguassu, Enéias, Cantídio, Jacintha, Maria Isis e Vicência -, 16 netos e 29 bisnetos.

Após a mudança para o interior paulista, Cora colaborou para diversos jornais, entre eles O Democrata, do qual seu marido era um dos redatores. Esporadicamente, também contribuía para o periódico A Informação Goiana, impresso no Rio de Janeiro mas distribuído no estado de Goiás.

Em 1907, fundou o jornal A Rosa, publicação em papel rosado, comandado apenas por mulheres. Já em São Paulo, não só costurou quepes para os soldados da Revolução Constitucionalista, como também lutou pela criação de um partido feminino e escreveu o Manifesto da Agremiação. Inspirada pela campanha "Doe Ouro para o Bem de São Paulo", que pretendia arrecadar fundos para aquele movimento de 1932, a generosa Cora chegou a doar sua aliança de casamento.

Quase 40 anos depois, ocuparia a cadeira 5 da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás, que a descreve como a mulher "de figura miúda e cabelos grisalhos" mas na vida era forte, "determinada e carismática".

Ousadia com arte

"Mulher da vida"


Em um de seus poemas mais intensos, Cora homenageia as prostitutas em versos que as dignificam em trechos que as tratam como sobreviventes, marcadas, discriminadas e poderosas.
'Sobrevivem como a erva cativa dos caminhos, pisadas, maltratadas e renascidas' ("Mulher da vida", em "Poemas dos Becos de Goiás e estórias mais").
Até mesmo as adversidades eram inspiração para sua obra, como o fêmur fraturado em uma queda na escada, em 1973. Daí surge "Ode às muletas", um dinâmico poema em plano sequência em que Cora vai descrevendo a correria até o hospital de Goiânia.

Sobre as muletas, escreveria 
'Apoio singelo e poderoso de quem perdeu a integridade de uma ossatura intacta invicta em anos de andanças domésticas'.
Mas o personagem mais presente em sua obra é a sua própria terra natal: a Cidade de Goiás.

Seu lugar no mundo


A Villa Boa de Goyaz, um dos primeiros nomes desse município a 140 km de Goiânia, está praticamente presente em todas as suas publicações. A cidade é personificada em sua poesia profunda que percorre suas lembranças, desde a infância, através dos cerca de 16 becos, espécie de artérias desse labirinto de ruas estreitas de pedras trazidas do Morro do Cantagalo. Em suas obras, os becos são os próprios personagens.

Tem o da escola, do seminário, da cachoeira e o da Vila Rica. Mas tem também os de "gentinha", os "mal assombrados", os "românticos" e os "pecaminosos". Sua foto estampada em um tecido transparente, logo na entrada do Museu Casa de Cora Coralina, na Cidade de Goiás, é um convite para entrar. Assim como na época em que a poetisa vivia ali, com a porta da casa sempre aberta para a população pegar água na bica que até hoje jorra água, no interior do museu.

Conclusão


Somente aos 75 anos Cora publicou seu primeiro livro, Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. Doze anos depois, em 1976, lançou Meu livro de cordel, sem grande repercussão. Em 1979, ao ser "descoberta" por Carlos Drummond de Andrade, a obra de Cora Coralina ganhou projeção nacional: 
"Se há livros comovedores"
escreveu Drummond a respeito da estréia da autora, 
"este é um deles. (...) Cora Coralina: gosto muito desse nome, que me invoca, me bouleversa, me hipnotiza, como no verso de Bandeira."
"Escrever é uma recriação da vida, e, recriando a vida, eu me comunico. Não invento, não sou uma criadora, sou uma recriadora da vida. Esta é a marca mais viva do meu espírito junto à minha capacidade de dizer uma mentira" (Cora Coralina).
Em vida, ela publicou mais dois livros: "Meu livro de cordel", em 1976, e "Vintém de cobre — meias confissões de Aninha", em 1983. Sua poética ganhou notoriedade em 1980. Sua chegada à literatura brasileira não lhe tirou nem a simplicidade, nem a ode às raízes nem mesmo a batalha pela emancipação feminina. 

Cora Coralina morreu em Goiânia, devido às complicações de uma pneumonia, em 10 de abril de 1985. Após a morte da poetisa, amigos e parentes se reuniram e criaram a Associação Casa de Cora Coralina em 27 de setembro de 1985, entidade mantenedora do Museu Casa de Cora Coralina. Entidade de direito privado, sem fins lucrativos, regido por um Estatuto, que tem como finalidade: 
"projetar, executar, colaborar e incentivar atividades culturais, artísticas, educacionais, ambientais, visando, sobretudo, a valorização da identidade sociocultural do povo goiano, bem como preservar a memória e divulgar a vida e a obra de Cora Coralina."
O Museu Casa de Cora Coralina foi inaugurado no dia 20 de agosto de 1989, data comemorativa dos 100 anos de nascimento da poetisa, cujo nome está, com toda certeza, escrito nas estrelas.

[Fonte: Museu Casa de Cora Coralina — Rua D. Cândido, 20, Goiás-GO] 

A Deus toda glória.
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E nem 1% religioso.

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