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segunda-feira, 8 de julho de 2019

ACONTECIMENTOS - O CASO ROGER ABDELMASSIH: JEKYLL & HIDE

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Quantos clássicos podem dizer que tiveram na sua genealogia um dos elementos mais importante da Psicanálise? Certamente poucos ou nenhum. Nascido de um pesadelo, a obra-mestra de Robert Louis Stevenson (✰1850/✞1894) "O Estranho caso de Dr. Jekyll & Mr. Hyde" é até os dias atuais um clássico da literatura Psicológica, pois aborda com grande maestria e forte clima de suspense os conflitos da dicotomia psicológica do ser humano. 

Os clássicos não necessariamente nos ensinam algo que não sabíamos, às vezes descobrimos neles algo que sempre soubéramos ou que sempre esteve em evidência durante toda nossa vida, mas não o percebemos. Assim foi com O Alienista do autor Machado de Assis e também com o romance "O Estranho caso de Dr. Jekyll & Mr. Hyde". 

Ao ler essa obra-prima da Literatura mundial, facilmente nos reconhecemos nos personagens, ora na figura do simpático e amável Dr. Jekyll, ora no temido e perigoso Mr. Hyde. A identificação produzida pelas alegorias que fascinaram leitores ao redor do mundo simbolizam os conflitos internos existentes em cada um de nós, entre o bem e o mal e entre a realização dos desejos e os valores morais. 

Porém, esse Magnum Opus só deixaria de ser apenas mais um best-seller da Literatura para se torna um símbolo da inteligência linguística e uma das principais obras que antecederam os conhecimentos psicológicos, quando Sigmund Freud (✰1856/✞1939), o pai da Psicanálise, publica suas teorias sobre a topografia do aparelho psíquico humano que asseguram um "tom" de veracidade a obra. Mas, recentemente, um caso hediondo ocorrido aqui no Brasil, traria à tona os contornos mais perversos que revelaram o quanto de um monstro poderia ter um médico.

Quem é Roger Abdelmassih 

O médico... 


O então Dr. Roger e algumas das crianças que ajudou a vir ao mundo 
Responsável pelo nascimento de mais de 7 mil crianças por reprodução assistida, muitas delas de casais famosos, o ex-médico Roger Abdelmassih era um dos pioneiros no processo de fertilização in vitro mais reconhecidos do país. Em sua clínica, numa região nobre da grande São Paulo o especialista cobrava uma média de 30 mil reais por três tentativas de inseminação artificial. Segundo depoimentos de várias pacientes, era no momento do procedimento de fertilização que Abdelmassih cometia os abusos sexuais enquanto as vítimas estavam sedadas. 

Amigo de celebridades como Hebe Camargo (✰1929/✞2012) — tendo, inclusive, participado de vários programas da apresentadora — e Roberto Carlos (dentre outros — é fácil encontrar fotos dele com várias celebridades na internet), Roger Abdelmassih era referência no processo conhecido como fertilização in vitro

Sua popularidade atravessava as fronteiras do Brasil, até o dia em que sua secretária quebrou o silêncio sobre as investidas sexuais do patrão em 2008. A partir dali, uma sequência de denúncias descortinou a suja realidade do que acontecia na luxuosa clínica do médico, que acabou condenado na Justiça por estuprar 39 mulheres — mas desde 2017 não cumpre na prisão sua sentença. 

...O monstro 


As denúncias contra o ex-médico começaram a aparecer em 2008, após Cristiane da Silva Oliveira, ex-funcionária da clínica, relatar ao Ministério Público que o médico teria tentado beijá-la à força. Desde então, policiais civis e promotores do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) passaram investigar o caso. 

Em junho de 2009, com base no depoimento de 40 ex-pacientes da clínica de fertilização, Abdelmassih foi indiciado por estupro e atentado violento ao pudor. Entretanto, em agosto de 2009 houve a alteração no Código Penal, que passou a considerar como crime de estupro a ação de constranger alguém por meio de ameaça ou violência a ter ato sexual ou permitir atos libidinosos. Com isso, todos os atos do médico foram enquadrados como estupro. 

Em 17 de agosto de 2009, Abdelmassih foi preso, porém, no dia 23 de dezembro do mesmo ano, uma liminar do então presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, determinou que o ex-médico aguardasse a sentença em liberdade. 

Sem provas materiais, os depoimentos das mulheres atendidas por Abdelmassih foram cruciais para o andamento do caso. Para conclusão do processo judicial foram ouvidas mais de 200 pessoas: 130 testemunhas de defesa e 35 mulheres que acusavam o médico. Algumas relataram ter sofrido mais de um abuso sexual e três foram forçadas a ter conjunção carnal. 

A condenação 


No dia 23 de novembro de 2010, Roger Abdelmassih foi condenado a 278 anos de prisão por 56 estupros. A sentença foi dada pela juíza Kenarik Boujikian Felippe, da 16ª Vara Criminal de São Paulo. Veja a íntegra da sentença judicial

A prisão do médico foi pedida pela Promotoria e acatada pela Justiça no dia 6 de janeiro de 2011 e no mês seguinte, quando tentou renovar o passaporte, o recurso que mantinha o ex-médico em liberdade foi revogado pelo Supremo Tribunal Federal. 

Em 20 de maio de 2011, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo cassou definitivamente o registro profissional do médico. Em 2009, o órgão havia aberto 51 processos de assédio contra Abdelmassih. 

Em março de 2013, a Câmara de Campinas revogou, por unanimidade, o título de cidadão campineiro concedido a Abdelmassih em 2002. 

As acusações contra Abdelmassih concentravam casos que aconteceram entre 1990 e o começo dos anos 2000. Uma testemunha, no entanto, surgiu para mostrar que o comportamento predatório do ex-médico datava de muito antes. Teresa Cordiolli havia sido paciente de Abdelmassih nos anos 1980, quando tinha 17 anos e ele era residente no Hospital Irmãos Penteado, em Campinas. 

A nefasta cultura do estupro, um câncer enraizado na sociedade brasileira 






Desde as primeiras queixas feitas ao Cremesp ainda no início da década de 1990 até ser condenado pela juíza Kenarik Boujikian Felippe a 278 anos de prisão por 48 crimes de variados graus, em novembro de 2010, o médico contou com a conivência de um leque de pessoas e instituições só explicável pela cultura do silêncio em relação aos delitos sexuais, por uma espécie de dúvida permanente que paira sobre a palavra das vítimas. 

Além dos estupros, o médico manipulou ilegalmente material genético e enganou seus pacientes sem qualquer remorso: "turbinou" óvulos de mulheres com DNA de outras mulheres, fecundou óvulos com espermatozoides que não pertenciam ao marido das pacientes — em alguns casos, usou seu próprio esperma. Descoberto por uma de suas clientes, deu a ela, sem dizer para que serviam, dois comprimidos abortivos para que a gestação fosse interrompida e ela não pudesse provar a grave fraude. Não fossem alguns poucos e teimosos jornalistas, promotores e vítimas, seus crimes não teriam sido revelados. 

Em 1970, pouco mais de um ano depois de se formar, Abdelmassih colocou uma paciente em um verdadeiro cárcere privado no Hospital Irmãos Penteado, em Campinas. Sem que pudesse se locomover e sem acompanhantes no quarto, à exceção de uma mulher cega, a paciente virou uma espécie de escrava sexual. Enfermeiras e outras pessoas do hospital notaram algo estranho, mas nada fizeram. Na mesma época, os médicos comentavam que ele havia atacado uma enfermeira. O caso repercutiu e ele se afastou discretamente do hospital, sem que seus atos tivessem maiores consequências. Alguém dúvida que a omissão inicial foi determinante para os crimes futuros? 

Prisão 

Justiça?

 
Após passar mais de três anos foragido, Roger Abdelmassih foi preso no dia 19 de agosto de 2014, em Assunção, capital do Paraguai. A captura do ex-médico foi resultado de uma operação conjunta entre as Polícias Federais do Brasil e do Paraguai. 

O ex-médico estava na lista de procurados da Interpol e da Secretaria da Segurança de Pública de São Paulo. Para localizá-lo, as PFs investigaram escolas com crianças gêmeas nascidas no mês de agosto, perfil dos filhos de Abdelmassih. Assim chegaram ao bairro Villa Morra, uma das áreas mais caras da capital, onde o foragido vivia com a mulher e os três filhos numa casa luxuosa. Após a prisão de Abdelmassih, escutas telefônicas feitas com autorização da Justiça revelaram a opinião do ex-médico sobre os crime. Em uma das conversas ele ofende as vítimas e admite ter feito sexo com as pacientes. 

Revisão da pena 


As vítimas do ex-médico se mobilizaram e conseguiram coletar 62 mil assinaturas num abaixo assinado online, as vítimas esperam que o tribunal se sensibilize contra o pedido de anulação do julgamento apresentado pela defesa do ex-médico. Os advogados pediam que Abdelmassih cumprisse o restante de sua pena em regime domiciliar com base na idade do médico, 71 anos. 

Após um adiamento, o recurso foi julgado pela 6ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, que decidiu manter o ex-médico em regime fechado. Houve reajuste da pena, que passou de 278 anos para 181 anos, 11 meses e 12 dias de reclusão, devido a prescrição de alguns crimes. Apesar da redução, o TJSP acolheu o pedido da Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público Estadual (MPE) e retirou um artigo da primeira condenação que permitia com que Roger Abdelmassih pudesse ficar apenas 30 anos preso. Com isso, a pena integral será a base de cálculo para qualquer benefício, como a evolução para o regime semi-aberto. Os desembargadores também estabeleceram a suspensão dos direitos políticos do réu. 

A distorção da imprensa sobre o caso

 
Uma pesquisa realizada na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP analisou as reportagens do jornal Folha de S. Paulo sobre o caso Roger Abdelmassih, publicadas entre janeiro de 2009 e maio de 2015. De acordo com o estudo, o discurso jornalístico usado estava em desacordo com o discurso jurídico do Ministério Público Estadual (MP). 
"O jornal se referia às mulheres como acusadoras. Porém, quem estava acusando era o Ministério Público. A Folha de S. Paulo somente começou a chamá-las de vítimas após Abdelmassih ser condenado e fugir do Brasil"
conta a autora da pesquisa, a jornalista Lieli Karine Vieira Loures Malard Monteiro. 

Da realidade para ficção

 
À direita, o ator Antônio Calloni, como Roger Sadalla, personagem da minissérie "Assédio", da Rede Globo
O caso voltou a ser assunto recentemente com a minissérie "Assédio", que primeiro ficou disponível na plataforma de streaming Globo Play sendo posteriormente exibida na TV aberta, que toma a história emprestada, misturando ficção e realidade, com destaque para a luta das vítimas para ver o assediador preso. 
"A minissérie vai fundo, mas a realidade foi muito pior" 
comenta Vicente Vilardaga, jornalista e autor do livro "A Clínica: a Farsa e os Crimes de Roger Abdelmassih" (Ed. Record, 2016), que deu origem ao programa, em que Abdelmassih se torna Roger Sadala, interpretado brilhantemente pelo ator Antônio Calloni. 

A minissérie sintetiza o drama das vítimas do ex-médico Roger Abdelmassih em quatro personagens principais: Stela (Adriana Esteves), Eugênia (Paula Possani), Vera (Fernanda D'Umbra) e Maria José (Hermila Guedes). 
"O número era muito maior. As protagonistas misturam o passado, características físicas e psicológicas de várias vítimas"
explica Vilardaga, em conversa para a revista Veja. 
"Eu não saberia dizer qual personagem representa qual pessoa. Elas são exemplos de classes sociais, violências e das reações dos companheiros diante do crime." 

Apesar de parecer obra de ficção de terror — e das bravas— a história da personagem Irene (Susana Ribeiro), na série, desenha a tortura sofrida por Teresa nas mãos de Abdelmassih. Com cólicas renais, ela foi internada em uma ala isolada do hospital, onde só o médico tinha acesso. Ele a molestou por dias a fio, tendo só como testemunha uma outra paciente, cega. Assustada, ela acabou fugindo do prédio, sem nunca assinar a alta.

Conclusão 


O "casamento" entre o clássico "O Estranho Caso de Dr. Jekyll & Mr. Hyde" e a Psicanálise não se constitui apenas em uma visão fascinante do comportamento humano, mas conduz o leitor também á uma reavaliação da nossa vivência na civilização. Um matrimônio perfeito entre a relação homem-sociedade. Em "O Estranho Caso de Dr. Jekyll & Mr. Hyde", Robert Louis Stevenson não apenas coloca a problemática do mal-estar na civilização, mas também a dificuldade de se tornar feliz habitando em uma civilização em que a renúncia dos impulsos e desejos é exigência da aceitação e da ordem social. 

Além disso, reexamina considerações a respeito do sentimento de culpa, sua relação com o supereu, as relações de ambos com a cultura e com a renúncia progressiva dos instintos que é um dos fundamentos do desenvolvimento da civilização humana. 

Abdelmassih — como médico e como monstro — sempre pôde contar com a omissão de funcionários, de colegas, do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) e, em alguns casos, até dos maridos de suas pacientes. 

Este fato está relatado no epílogo do ótimo livro "A Clínica – A farsa e os crimes de Roger Abdelmassih". O relato de Vilardaga é uma reportagem bastante apurada e muito bem escrita sobre a vida do "médico monstro", que estuprou dezenas de pacientes em sua clínica enquanto elas estavam dopadas ou fragilizadas pela ansiedade de se tornarem mães. 

Para entender a essência da "cultura do estupro", expressão recentemente que tomou de assalto as redes sociais, é fundamental ler a história de Roger Abdelmassih. O arcabouço de proteção erguido em torno do médico, a falta de fiscalização e de ação do Cremesp ao engavetar todas as acusações conta ele e o xadrez da investigação para conseguir provas do cometimento de crimes que, em regra, se resumem à palavra da vítima contra a do acusado, expõem a cruel vulnerabilidade imposta às vítimas e o quanto são precárias as respostas que a sociedade oferece ao problema. 

Estupradores — famosos e anônimos — talvez acreditem que possam estuprar porque não veem o ato com repulsa. O que causa isso é a existência dessa rede de proteção social que evita jogar luz sobre esses crimes e prefere varrer para debaixo do tapete os casos de agressão sexual. Logo, se não há reação da sociedade, o ato não merece repreensão. É uma cultura eficazmente desenhada em detrimento da humanidade da mulher. 

Roger Abdelmassih é um símbolo maior dessa cultura de cumplicidade e omissão que envolve os crimes sexuais. Seu enredo explica à perfeição a naturalidade com que muitos homens gravam o próprio crime e distribuem o vídeo por meio de redes sociais. 

[Fonte: Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha, por Géssica Brandino; Psicologia.PT, por Pedro Paulo Lima de Andrade; Veja - É tudo história, por Mabi Barros; Justificando, por Rodrigo Haidar] 

A Deus toda glória.
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E nem 1% religioso. 

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