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domingo, 22 de julho de 2018

ESCRITO NAS ESTRELAS - MANÉ GARRINCHA


Conhecido como o "país do futebol", o Brasil acabou de viver as emoções e mais uma decepção com a participação em um campeonato mundial. Ainda assombrado pelo fantasma da Copa de 2014, quando a Seleção Brasileira sofreu uma humilhante goleada de 7 x 1, ao disputar no dia 8 julho, no estádio do Mineirão, aqui em Belo Horizonte (MG), contra a seleção alemã, no que ficou conhecido como "Mineiraço", quando a seleção, então comandada pelo técnico Luiz Felipe Scolari, foi atropelada pelo time da Alemanha nas semifinais da Copa do Mundo no Brasil, o torcedor brasileiro viveu novamente a decepção de ver a seleção, dessa vez comandada pelo técnico Tite, ser eliminada nas quartas de finais, ao perder por um placar de 2 x 1 a disputa contra a Seleção Belga . 

Mas nosso futebol já teve sim os seus tempos áureos, quando era encarado e praticado como uma arte e não simplesmente como uma passarela gramada para o desfile de astros milionários, que estão mais preocupados com a ostentação de seus status pessoais do que de jogar o futebol que os torcedores realmente esperam. E um desses artistas que escreveram as páginas brilhantes e memoráveis da história do futebol tem um nome que não só está escrito nas estrelas, mas é uma delas: Manuel Francisco dos Santos, o "Torto" ou como ficou mundialmente conhecido, o nosso eterno Mané Garrincha, a "estrela solitária".

1958, brilha a primeira estrela


Em 1958, o Brasil não era o Brasil que conhecemos. O real não era a moeda e o cruzeiro imperava. O LP (Long Play, o disco de vinil) de 12 polegadas surgia, os cigarros com filtro, o café solúvel, o automóvel nacional e o bambolê eram novidades. Havia um cheiro de novo em 1958, escreveu Ruy Castro, autor da biografia "Estrela Solitária - um brasileiro chamado Garrincha" sobre o ano. 
"O novo era bem-vindo, e havia algo que bem o simbolizava: o radinho de pilha. Por todo mês de junho daquele ano, ele seria uma extensão de nossos ouvidos - e corações". 
Atualmente, há uma exposição, no Museu do Futebol, intitulada, "A Primeira Estrela: o Brasil na Copa de 1958", que apresenta em diferentes formatos o impacto do título vencido pela geração de Pelé e Garrincha.

Quem foi ele?


Vamos conhecer um pouco da história de um artista brasileiro que fazia verdadeiras obras-primas. Só que com as pernas tortas.

Mané Garrincha foi um desses ídolos providenciais com que o acaso veio ao encontro das massas populares e até dos figurões responsáveis periódicos pela sorte do Brasil, ofertando-lhes o jogador que contrariava todos os princípios sacramentais do jogo, e que no entanto alcançava os mais deliciosos resultados. Não seria mesmo uma indicação de que o país, despreparado para o destino glorioso que ambicionamos, também conseguiria vencer suas limitações e deficiências e chegar ao ponto de grandeza que nos daria individualmente o maior orgulho, pela extinção de antigos complexos nacionais? 

Interrogação que certamente não aflorava ao nível da consciência, mas que podia muito bem instalar-se no subterrâneo do espírito de cada patrício inquieto e insatisfeito consigo mesmo, e mais ainda com o geral da vida.

Garrincha, em sua irresponsabilidade amável, poderia, quem sabe?, fornecer-nos a chave de um segredo de que era possuidor e que ele mesmo não decifrava, inocente que era da origem do poder mágico de seus músculos e pés. Divertido, espontâneo, inconsequente, com uma inocência que não excluía espertezas instintivas de Macunaíma — nenhum modelo seria mais adequado do que esse, para seduzir um povo que, olhando em redor, não encontrava os sérios heróis, os santos miraculosos de que necessita no dia-a-dia.

A grande paixão de Garrincha ao longo de toda a vida foi jogar futebol, nada menos do que puro talento, coisa que não se aprende nas escolinhas. Ele jogava só pela diversão, para entreter o público, em nome de um espetáculo que começou a ser chamado de "Futebol Arte", nascido de sua proeza incrível no campo ao lado de Pelé. Se estivesse vivo hoje — e pudéssemos vê-lo jogando — todo mundo ficaria boquiaberto, visto que não há ninguém cujos talentos sequer possam ser comparados aos dons mágicos que Garrincha possuía. 

Os tais "astros" de hoje não chegam nem perto daquilo que Garrincha podia fazer no gramado, e o que se vê no presente é nada mais do que jogadas remanescentes do que Garrincha fazia décadas atrás. Diz-se que às vezes o aprendiz supera o Mestre. Porém, nesse caso, o Mestre dos dribles que Garrincha foi jamais encontrará quem o alcance — nem em um milhão de anos!

Por mais que Garrincha nunca tenha treinado para se tornar o melhor, desde o começo é evidente que o futebol era a ambição que o motivava e ele demonstrou ao mundo que nada o impediria de ser o melhor. Tudo era um dom natural. É um fato já bem conhecido que, na Copa do Mundo de 1962, no Chile, começaram a aparecer uns cartazes imensos nos estádios dizendo: 
"GARRINCHA, O REI DOS REIS"
muito para o azar de Pelé, que havia já antes recebido esse título injustamente da imprensa. Garrincha foi abençoado desde o começo com um talento sem igual para o jogo.

No final da sua vida, passando por muitas dificuldades, Garrincha acreditava ainda que, de algum modo, Deus não o tinha feito ir tão longe para levá-lo "para casa" já, mas sua saúde piorou e ele acabou hospitalizado em diversas ocasiões. Garrincha ficou debilitado, parecia que nada iria ajudá-lo. Seria possível que Mané estivesse dizendo às pessoas que estava pronto para "ir para casa", pedindo desculpas aos poucos que realmente o amavam, por não ter conseguido viver mais tempo?

A identificação da sociedade com ele fazia-se naturalmente. Garrincha não pedia nada a seus admiradores; não lhes exigia sacrifícios ou esforços mentais para admirá-lo e segui-lo, pois de resto não queria que ninguém o seguisse. Carregava nas costas um peso alegre, dispensando-nos de fazer o mesmo. Sua ambição ou projeto de vida (se é que, em matéria de Garrincha, se pode falar em projeto) consistia no papo de botequim, nos prazeres da cama, de que resultasse o prazer de novos filhos, no descompromisso, afinal, com os valores burgueses da vida.

Há os que acusam dirigentes do esporte, clubes, autoridades civis e torcedores em geral, de ingratidão para com Garrincha. Mas na própria essência do futebol profissional se instalam a ingratidão e a injustiça. O jogador só vale enquanto joga, e se jogar o fino. Não lhe perdoam a hora sem inspiração, a traiçoeira indecisão de um segundo, a influência de problemas pessoais sobre o comportamento na partida. É pago para deslumbrar a arquibancada e a cadeira importante, para desanuviar a alma dos torcedores, para os consolar dos seus malogros, para encobrir as amarguras da Nação. Ele julga que entrou em campo a fim de defender o seu sustento, mas seu negócio principal será defender milhões de angustiados presentes e ausentes contra seus fantasmas particulares ou coletivos. Garrincha foi um entre muitos desses infelizes, dos quais só se salva um ou outro predestinado, de estrela na testa, como Pelé.

Conclusão




Ele deu tudo de si, mas, no final, acredito que não lhe restavam mais nem forças, nem desejo. Onde estavam aqueles que se diziam seus amigos e família nessas horas difíceis? O povo brasileiro o havia abandonado quando ele mais precisava, exceto por um punhado de amigos leais e verdadeiros que ficaram ao seu lado até o fim. Garrincha era conhecido como a "alegria do povo", mas, ao mesmo tempo, esse povo se esqueceu de que ele sequer existia, e o desfecho trágico de sua história é algo que sempre me entristeceu.

Garrincha escolheu se agarrar com firmeza aos seus sonhos. Poderia ter desistido já no começo, quando foi rejeitado pelos times de futebol de maior prestígio do Brasil (alguns chegaram até a chamá-lo de "aleijado"). Seguiu em frente e se transformou no melhor dos melhores. 

A simpatia nacional envolveu Mané em todos os lances de sua vida, por mais desajustada que fosse, e isso já é alguma coisa que nos livra de ter remorso pelo seu final triste. A criança grande que ele não deixou de ser foi vitimada pelo germe de autodestruição que trazia consigo: faltavam-lhe defesas psicológicas que acudissem ao apelo de amigos e fãs. 

Garrincha, o encantador, era folha ao vento. Resta a maravilhosa lembrança de suas incríveis habilidades, que farão sempre sorrir a quem as recordar. Basta ver um filme dos jogos que ele disputou: sente-se logo como o corpo humano pode ser instrumento das mais graciosas criações no espaço, rápidas como o relâmpago e duradouras na memória. Quem viu Garrincha atuar não pode levar a sério teorias científicas que preveem a parábola inevitável de uma bola e asseguram a vitória — que não acontece.

Posso também, enfim, aceitar, compreender e admirar o homem que foi Mané Garrincha por quem ele realmente era segundo relato daqueles que que tiveram o privilégio de conviver com ele: um ser humano maravilhoso e extraordinário, além de o melhor jogador de futebol que já existiu. Melhor mesmo que Pelé.

Quanto a mim, sei o que qualquer brasileiro sabe sobre ele: seus dribles geniais, a vida turbulenta com a cantora Elza Soares e sua história com a bebida (que foram retratadas no filme "Garrincha - Estrela Solitária", de 2003). 

Em 20 de janeiro de 1983, Garrincha deu seu último suspiro sem ninguém ao seu lado na clínica. Seus dias chegavam ao fim com uma última dádiva, um legado além do que ele sonhava. Hoje o nome Mané Garrincha é aclamado e venerado em todo o mundo. 

Manuel Francisco dos Santos, o Garrincha, nasceu em Pau Grande (RJ) em 28 de outubro de 1933 e morreu em 20 de janeiro de 1983 em decorrência do alcoolismo. Defendeu a seleção em 60 partidas. Só perdeu uma, na Copa de 66, em Liverpool, quando o Brasil foi derrotado pela Hungria por 3 x 1. Foi um pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas voltam, e não há outro Garrincha disponível. Precisa-se de um novo, que nos alimente o sonho.


A Deus toda glória.
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E nem 1% religioso.

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