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terça-feira, 1 de novembro de 2016

TE$TEMUNHO: IND. & COM. [NADA] LTDA.

Um "novo" campo de possibilidade se abre para sujeitos em condições de vulnerabilidade social, a grande maioria deles habitantes das periferias das grandes cidades brasileiras. Trata-se da possibilidade de se inserir em um mercado emergente: o mercado pentecostal e neopentecostal de pregações e testemunhos. 

Cada conversão é um show


Convertidos às igrejas evangélicas, principalmente em suas variantes pentecostais e neopentecostais, esses sujeitos, marcados em suas trajetórias biográficas pela precariedade social, veem como perspectiva o engajamento na carreira de "pregadores-itinerantes", cuja principal prerrogativa é "dar o testemunho" em igrejas e eventos, narrando episódios dramáticos de sua trajetória biográfica, como experiências com a criminalidade violenta, mendicância, prostituição, homossexualidade, doenças, deficiências. 

A despeito de sua adesão ao pentecostalismo implicar em uma ruptura com a identidade anterior e na aquisição de uma nova identidade religiosa, há, nas narrativas de conversão desses "pregadores", o apelo constante para a "estranheza" de suas identidades pregressas, como "ex-mendigos", "ex-bandidos", "ex-assaltantes", "ex-traficantes", "ex-deficientes físicos", "ex-paraplégicos", "ex-mudos", "ex-bruxos", "ex-macumbeiros", "ex-homossexuais", "ex-travestis", "ex-prostitutas", e uma infinidade de outros "ex-". 

O passado mundano, que nas conversões clássicas era redimido na aquisição de um novo estatuto purificado, passa a ser permanentemente agenciado como "mercadoria simbólica" a ser vendida em um novo mercado religioso, tanto na forma de apresentações ao vivo como na forma de venda de livros, CDs e DVDs de testemunhos oferecidos aos fiéis depois das pregações ou exibidos nas prateleiras das lojas evangélicas. Quanto mais estranha, grotesca e absurda a história de vida, mais possibilidades de sedução e venda se adquirem.

Quanto vale um testemunho?


Nesse contexto, surge um mercado religioso que não apenas oferece respostas milagrosas para as aflições dos novos desesperados, como também passa a oferecer possibilidades reais de ingressos em carreiras de pregadores. Nessas, a precariedade social, que representaria uma moeda de troca negativa na busca por um emprego em um mercado formal de trabalho, torna-se uma moeda de troca positiva. 

O presente artigo procura então compreender a genealogia desse mercado pentecostal de pregações e testemunhos, e como ele representa uma forma inédita de capitalismo religioso propriamente brasileiro, no qual o "anômalo" das biografias dos moradores das periferias passa a ser agenciado como valor em um processo de acumulação ao mesmo tempo sacral e econômico. 

A formação desse mercado de pregações e testemunhos podemos encontrar as editoras, gravadoras, distribuidoras, estúdios e lojas que movimentam o mercado evangélico de bens simbólicos e faz com que a indústria do testemunho seja um lucrativo filão para os "recém convertidos" que se lançam nele.

Só a Verdade é que liberta. Venha! Que o que vem é perfeição


Certamente Cristo continua libertando e curando vidas, também através da ação de Sua igreja no nosso planeta. Mas nem a igreja, nem ser humano algum é o validador dos milagres de Jesus. Ele mesmo é quem afiança a veracidade de Sua operação, intra e extra-igreja. Isso por si, basta para quem crê.

Tenho visto como Deus usa o ser humano - apesar de suas limitações - e a sua interdependência, incluindo aí gente que a "igreja" classifica como "ímpia", para serem canais de Suas bênçãos uns aos outros em ações simples no dia-a-dia. O acionamento de uma simples rede de contatos aliado a um sentimento de solidariedade, pode trazer rápida resposta à uma oração.

Quantos testemunhos já se ouviu de respostas de oração através de alguém que conhecia não sei quem, que pôde agir nos limites de sua habilidade e relacionamentos para fazer o bem ao suplicante? Ou outros testemunhos onde anonimamente alguém fez algo por um desconhecido que o livrou?

Por isso vejo que Deus usa muito mais as capacidades naturais do ser humano para operar milagres que as alegadas intervenções sobrenaturais – que, sim ocorrem quando Lhe apraz! –, contrariamente ao que a igreja evangélica tem alardeado na mídia.

Na minha vivência pelo circuito evangélico/goshpél, não só aprendi como constatei que frequentemente quem testemunha de uma libertação pessoal jactando-se da suposta maldade de sua vida pregressa potencializando o poder da libertação recebida/testemunhada (normalmente sempre à luz do fundamentalismo religioso e quase nunca sob o ponto-de-vista do Evangelho) acaba se tornando um "testemunheiro profissional" que recebe um cachê da igreja/comunidade/ministério/congregação para contar seu "poderoso" testemunho – muitas vezes sem qualquer comprovação da veracidade do que diz – ou então, apesar do testemunho, a pessoa ainda não está plenamente convicta de sua libertação.

No primeiro caso o irmão até começa essa história de contar seu testemunho com sinceridade… mas quando percebe que as ofertas vindas desse seu ato de testemunhar ajuda – e muito (além de em muitos casos dar ibope e um certo "status-quo") – suas finanças, acaba aderindo à "malandragem evangélica" e começa a agir profissionalmente com direito a agente e agenda, pois descobriu que o crente sensibilizado pela experiência com o divino via de regra é ingênuo e crédulo, portanto fácil de enganar.

A evolução (na realidade, "involução") disso – e consequentemente com maiores ganhos – é quando além de "testemunheiro" o ser se apresenta como "profeteiro", "reveleiro" ou "missionário". Hoje muitos líderes evangélicos carismáticos em evidência, começaram sua carreira religiosa assim e tornaram-se em meio de sobrevivência para muitos. E assumem na cara-de-pau que as coisas sempre foram e sempre serão assim e não tem porque mudar.

No segundo caso, a necessidade de testemunhar sobre a "libertação" tem mais a ver com um mecanismo de auto-convencimento que de libertação objetiva. O indivíduo tem até uns sinais de que a intensidade da coisa que o atormentava diminuiu muito ou que sumiu por algum tempo após ter "aceitado Jesus", o que supostamente lhe daria "autoridade" para testemunhar sobre o seu caso específico de libertação.

No entanto é muito comum o caso de recorrência nos vícios e pecados anteriormente testemunhados como coisas do passado. Estas "quedas" são silenciosas, rotineiras e, se o "testemunheiro" já é uma pessoa relativamente conhecida e com um "ministério" (ou seja, já rola grana e tem gente se sustentando através disso), abafadas a todo custo.

Esse tipo de "ministério" se retroalimenta de testemunhos: dos do fundador – normalmente um mais fantástico que o outro, no afã de manter em alta a atratividade de seu "ministério" – e daqueles dos que se dizem atingidos pelo efeito de seus testemunhos em um processo de retrolimentação onde chega um ponto onde não mais se discerne a realidade da fantasia religiosa. Quando não interpretam a Bíblia de modo a respaldar esse processo catártico, nunca a utilizando como aferidor da legitimidade de suas práticas dentro dos princípios espirituais lançados pelo próprio Senhor Jesus e a atuação do Espírito Santo.

Espiritual ou bizarro?


Há tempos um vídeo muito divulgado no meio cristão digital, viralizou na internet, o da "Bela Cagada" (Não, não há título melhor para este "testemunho"). Não coloco em dúvida a palavra da senhora que alega que a cura de sua prisão de ventre seja um milagre de Deus. Se ela disse, porque eu a contestaria? Acredito que alguém pode ter sido edificado com esse testemunho. No entanto apesar de lícito, convém o modo e a maneira que foi utilizado pela instituição? Resultado: o vídeo do testemunho virou alvo de piadas e escárnios em vários programas de televisão.

  • Há casos ainda mais polêmicos 


1) Na década de 1990, o meio evangélico comemorou com fogos de artifício a conversão do traficante José Carlos Gregório, o Gordo (1949/2001), famoso e perigoso criminoso carioca, fundador da facção Comando Vermelho, que teria tornado evangélico na prisão, onde, acusado por diversos crimes, cumpria uma pena de 78 anos de reclusão. 

Em última entrevista, ao jornal "Folha de S. Paulo", em fevereiro de 2001, Gordo declarou que estava no "Comando de Jesus". e trabalhava como porteiro da Fundação Bênção do Senhor, no centro de Niterói. Contudo, na noite do dia 16 de agosto de 2001, Gordo foi encontrado morto dentro do próprio carro com dez tiros de pistola, na favela Coronel Leôncio, no bairro da Engenhoca, em Niterói (a 14 km do Rio de Janeiro). A Polícia Civil do Rio suspeita que o assassinato tenha relação com "queima de arquivo" ou guerra entre facções criminosas do Rio.

2) E é também da década de 1990 a história de uma famosa "missionária" que fez muito sucesso (e, segundo conta a própria, ganhou muito dinheiro) nas grandes igrejas Brasil afora, testemunhando sua suposta libertação do lesbianismo. À época, a então requisitada e disputada missionária lotava igrejas com seu testemunho mesclado a mensagens de libertação com viés pentecostal. Seus livros, CDs, fitas de vídeo-cassete e DVDs vendiam mais do que bananas em feira livre. 

Algum tempo depois, essa mesma senhora voltava a cena com outro testemunho, dessa vez não tão aprazível assim ao seu antigo público-alvo. Havia ido fazer missões no exterior e por lá, acabou se envolvendo em um escândalo sexual que culminou no relacionamento amoroso com uma outra famosa cantora pentecostal, abandonou o marido, a igreja em que congregava e hoje ela e a tal cantora são casadas e lideram uma igreja do chamado "evangelho inclusivo".

Conclusão


Eu mesmo, no início da minha conversão, quase entrei nesse comércio evangélico. Me lembro de ter finalizado um livro (cujo arquivo eu destruí)  – que já tinha até editora interessada – onde eu narrava meu testemunho. Também me lembro da agenda repleta de igrejas onde ia testemunhar. Deus foi tão bom comigo que não permitiu que fizesse tanto sucesso quanto os casos que apresentei acima. Ele me alertou antes e eu O obedeci. Ainda bem, senão... o céu certamente não seria o meu limite.

O Senhor Jesus alerta aos seus discípulos quando enviados a pregar o evangelho e operar maravilhas – com especial prioridade aos da casa de Israel – que estes procurassem ter em seu ser a simplicidade das pombas aliada à prudência das serpentes. Veja-se que Jesus não excluiu que tal maneira de agir devesse ser abolida ao encontrarem aqueles que pela lei eram considerados filhos de Deus.

Por isso entendo que convém à igreja como comunidade da fé cristã e também terapêutica no desenvolvimento de habilidades e envolvimento do ser humano, acompanhar com zelo, amor, compreensão e apoio em casos de recaída os casos de libertação para que não se perpetuem no futuro como um meio espúrio de ganhar a vida no meio cristão, tampouco um escape psicológico, ambos com possibilidades de se tornarem um aparato religioso que perverte a vida comunitária da Igreja.

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