Em mais uma edição especial dessa série, este artigo é uma singela homenagem à história de um dos cantores mais importantes do rock internacional, que saia de cena há exatos 25 anos: Freddie Mercury.
O ícone
Se a aids era sinônimo de sentença de morte até poucos anos atrás, parece óbvio que, quando Freddie Mercury anunciou ser portador da doença, em 1991, o pior estaria por vir. No entanto, poucos poderiam imaginar que o líder do Queen morreria apenas um dia depois de o mundo conhecer sua condição, no dia 24 de novembro, há exatamente 25 anos.
Considerado por muitos críticos especializados como o maior cantor da história do rock, Freddie tinha apenas 45 anos quando se foi, após anos de cuidados por parte de seu parceiro, o cabeleireiro Jim Hutton, também soropositivo. A constatação da portabilidade do vírus HIV veio em 1987, mas foi guardada em sigilo pelo cantor até a véspera de sua morte.
Famoso pelas performances teatrais frente a públicos imensos, Freddie foi responsável por alguns dos maiores sucessos do Queen, uma das bandas mais bem-sucedidas da história, com estimativas que cravam até 300 milhões de discos vendidos. Entre as composições de autoria do cantor, estão hits como 'Bohemian Rhapsody', 'We are the Champions' e 'Love of my Life' - esta última representativa de um dos fatores mais emblemáticos de sua vida: a sexualidade.
Nascido no protetorado britânico de Zanzibar - hoje território da Tanzânia -, oeste da África, no dia 5 de setembro de 1946, Freddie foi desde a infância incentivado pelos pais a se dedicar à música. Aos 7 anos de idade, quando ainda atendia pelo nome Farrokh Bulsara, começou a ter aulas de piano. Aos 12, já havia formado sua primeira banda na St. Peter's School, localizada em uma pequena cidade próxima a Mumbai, na Índia.
Já com o ensino médio concluído, mudou-se em 1964 para a Inglaterra, onde estudou artes no Ealing College of Art, em Londres. Foi lá que adquiriu as qualidades necessárias para criar o caprichado logotipo do Queen, banda que fundou ao lado do guitarrista Brian May e do baterista Roger Taylor - mais tarde, o baixista John Deacon se juntaria a eles.
Apesar de ter garantido a vida inteira nunca ter tido aulas de canto - apenas participado de corais -, no quarteto inglês se consagrou como um dos maiores vocalistas da história do rock. A qualidade, conferida pelos brasileiros em duas ocasiões - 1981, no Estádio do Morumbi, e 1985, na primeira edição do Rock in Rio - é até hoje aclamada pelos principais veículos especializados em música do mundo.
Além dos 14 álbuns de estúdio com o Queen, Freddie ainda lançou dois discos solo, ambos na década de 1980: "Mr. Bad Guy" , trabalho essencialmente pop, com fortes influências de música eletrônica, e 'Barcelona' , no qual canta ao lado da soprano espanhola Monserrat Caballé.
O Show deve continuar
A despeito de ter pego de surpresa os fãs, os tabloides britânicos fizeram um cerco a Freddie no final de sua vida, alertando para o que estava por vir. Paparazzi o perseguiam para onde quer que fosse buscando algum flagra para justificar os rumores sobre sua saúde, e jornais, como o The Sun , faziam plantão em frente à sua casa e publicavam com regularidade matérias nas quais era abordada sua derrocada física.
Mas não era preciso ir tão longe, já que o próprio cantor e seus companheiros já previam claramente a proximidade do fim, vendo a necessidade de falar sobre ela. Última faixa do álbum "Innuendo" , lançado em fevereiro de 1991 no Reino Unido, 'The Show Must Go On' narra os esforços de Freddie em seguir em frente mesmo com a iminente tragédia que estava por vir.
No dia 24 de novembro do mesmo ano, no início de uma noite de domingo em sua mansão em Londres, Freddie não resistiu ao sofrimento de uma broncopneumonia violenta, consequência da aids, e morreu.
Mas, porque eu escolhi o álbum 'A Night At The Opera' para homenagear o Freddie? Por que para os especialistas em música esse disco é o alter ego dele.
Sobre o disco
O Queen vinha em uma crescente na carreira, sendo coroado com o sucesso de "Sheer Heart Attack", lançado em 1974. O disco foi o primeiro sucesso internacional do grupo, sendo o single 'Killer Queen' o carro-chefe. Foi o primeiro registro a ganhar o disco de ouro nos Estados Unidos, os colocando em outro patamar, além de ter vendido muito bem em toda Europa, agradando ambos os lados do Atlântico – algo raro de acontecer até os dias atuais.
Graças ao sucesso do registro, a banda foi até os Estados Unidos para uma turnê como headliner pela primeira vez no início de 1975, com uma curta passagem pelo Canadá – também como atração principal. Como as vendagens fora muito altas, a gravadora e os membros do grupo decidiram incrementar um pouco o palco com um jogo de luzes e uma roupa mais apresentável.
Em setembro do mesmo ano, o Queen rompeu contrato com a gravadora Trident após várias recusas de liberação de um dinheiro que eles tinham direito para coisas simples, como a compra de instrumentos e pagamento de aluguel, deixando todos em sérias dificuldades financeiras. Depois de toda confusão, eles cogitaram até mesmo contratação de Peter Grant, que gerenciava a mão de ferro a carreira do Led Zeppelin, mas o acordo não rolou e eles fecharam com John Reid, então empresário de Elton John – Reid os acompanhou até o fim da banda, quando Freddie Mercury morreu. Sem a pressão da gravadora, puderam trabalhar em paz.
Com um punhado de canções nas mãos, os membros do Queen tiveram bastante trabalho no processo de finalização do que viria a ser "A Night At The Opera", porque eles tiveram a ideia de usarem estúdios diferentes (Roundhouse, Sarm East, Rockfield, Scorpio, Lansdowne e Olympic) para cada um dos membros. Para que tudo isso? Se cada um trouxesse sua parte pronta e finalizada, seria mais fácil descartar ou colocar no disco.
Foram quatro meses nesse esquema, deixando todos esgotados física e psicologicamente – o disco é tratado por Brian May como o "Sgt Peppers do Queen". Falando da capa, o desenho era um projeto antigo de Mercury que acabou sendo atualizado para ser a apresentação do novo álbum, ganhando "um tratamento luxuoso" em cores. Dentro, havia uma série de imagens das últimas turnês do grupo.
Suuucesso!
Lançado em 21 de novembro de 1975, "A Night At The Opera", disco mais caro feito pelo Queen até então, foi um sucesso estrondoso no Reino Unido, chegando ao primeiro lugar das paradas no dia de sua estreia – ficou em quarto no mercado americano – e quatro semanas não consecutivas no topo. Em revisões antigas e novas, o disco é colocado como a grande obra-prima do Queen e um dos grandes da história, já que serviu para colocar para fora todo potencial criativo e musical deles.
Inesquecíveis
Não farei um "faixa a faixa" do disco para que o artigo não fique muito longo, mas não posso deixar de destacar duas faixas que simbolizam a marca desse álbum – quiçá, a da própria banda:
- 'Love Of My Life'
uma das baladas mais famosas da discografia da banda, escrita por Mercury para Mary Austin, sua namorada. O piano foi tocado pelo cantor, que fez sozinho todos os vocais. Brian May tocou a harpa, mas não com fluência. Ele gravou um acorde de cada vez e depois uniu todas as partes da forma correta na mesa de edição. 'Love of My Life' é uma das canções históricas do Queen, que Mercury nunca confirmou (nem negou) a homenagem a Mary Austin, sua antiga namorada.
É uma balada de ar clássico absurdo, muito por conta de a melodia ser toda no piano – a guitarra está muito discreta no início, porém aparece com mais vivacidade na parte final. Essa canção virou uma das marcas do Queen ao vivo, quando o público cantou junto muitas vezes durante as apresentações. A apresentação aqui no Brasil com um coral de nada mais nada menos do que 110 mil vozes fala, ou melhor, canta por si.
É uma balada de ar clássico absurdo, muito por conta de a melodia ser toda no piano – a guitarra está muito discreta no início, porém aparece com mais vivacidade na parte final. Essa canção virou uma das marcas do Queen ao vivo, quando o público cantou junto muitas vezes durante as apresentações. A apresentação aqui no Brasil com um coral de nada mais nada menos do que 110 mil vozes fala, ou melhor, canta por si.
- 'Bohemian Rhapsody'
A principal música do disco e a mais ambiciosa de todas. Talvez "A Night At The Opera" não fosse o clássico que se tornou sem ela. Nas palavras de May, com essa faixa o Queen passou de banda de rock adolescente para a banda "com a música que toda dona de casa sabe de cor". Não é para menos: uma faixa totalmente inesperada para uma banda de rock, daquelas que são excelentes, mas sempre um risco ao serem escolhidas como single por serem diferentes demais do que a banda vinha apresentando, mais complexa do que geralmente rádio e televisão estão acostumados a promover e mais longa do que a maioria das músicas de trabalho.
Mercury escreveu as diferentes partes da música numa agenda telefônica e a banda foi gravando cada parte sem saber exatamente como elas seriam encaixadas no final das contas. A faixa, sozinha, sintetiza de forma brilhante o que é uma opera rock. O cantor, segundo alguns relatos, foi ao estúdio com a letra pronta e o que queria do início ao fim, dirigindo os companheiros de banda no estúdio desde o primeiro acorde. O trabalho para transformá-la no que virou levou seis semanas, divididas em três de ensaio e três entre gravação, overdubs e correções.
Como a intenção era fazer uma ópera, com seções e tudo que tinha direito, May sugeriu que o solo de guitarra fosse algo único. Então, ele ouviu a faixa semipronta e decidiu fazer algo diferente. E ele foi tão decidido, que gravou o solo em apenas um take – o guitarrista foi o único que fez sua parte sozinho.
O projeto da música era tão excêntrico que chamavam a faixa de "o negócio do Freddie" durante as gravações. Na hora de escolher o single, pensaram em 'The Prophet’s Song' (justamente a outra faixa mais viajada do disco, indicando que o Queen estava mesmo confiante em 1975), mas chegaram a conclusão que 'Bohemian Rhapsody' era a canção da vez. Queriam inclusive cortá-la para lançar nas rádios, mas Freddie se recusou.
"Se vamos lançá-la, tem que que ser inteira. Sabíamos que seria arriscado, mas confiávamos tanto naquela música. Senti que, se desse certo, ela ganharia muito respeito".
Conclusão
Quem conheceu o Queen apenas pelos discos ou pelas músicas mais marcadamente oitentistas pode se surpreender com a sua versão setentista e com o rock pesado que propunham nos primeiros discos e que culminam em "A Night At The Opera", ocupando um espaço modesto. Ainda não é o registro maduro da banda, mas o disco que sem dúvida definiu qual poderia ser o legado da banda para o futuro e que possibilidades poderiam explorar.
"A Night At The Opera" conseguiu consolidar a banda no além-mar: ficou no topo das paradas britânicas por quatro semanas e chegou ao número 4 da Billboard 200 nos Estados Unidos, conseguindo o primeiro disco de platina na América. Como se tornou um dos álbuns obrigatórios para qualquer interessado em Queen, as vendas já passaram das 12 milhões de cópias.
É um trabalho impressionante por mostrar a versatilidade do Queen enquanto banda. Cada um a seu modo, os quatro mostraram que eram capazes de fazer muita coisa quando inspirados e vivendo grande fase. Só com isso, a banda estaria na história, mas suas apresentações ao vivo, muito graças ao repertório desse álbum, transformaram o grupo em uma lenda e Freddie Mercurie num ídolo.
[Fonte: "O Queen é uma religião" - blog especial sobre a banda]
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