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quinta-feira, 17 de setembro de 2015

UBUNTU X PRECONCEITO: QUEM VENCERÁ?

Recebi um vídeo que está viralizado nas redes sociais, principalmente entre os círculos cristãos. O tema do vídeo é o Ubuntu. Não, eu não estou falando do sistema operacional construído a partir do núcleo Linux (Linux Kernel), que é um sistema de código aberto baseado em Debian e que segue as normas de software livre. Ubuntu - que, aliás originou o sistema da Linux - é uma filosofia africana cujo significado se refere à humanidade com os outros. Trata-se de um conceito amplo sobre a essência do ser humano e a forma como se comporta em sociedade. 

Para os africanos, ubuntu é a capacidade humana de compreender, aceitar e tratar bem o outro, uma ideia semelhante ao princípio bíblico de amor ao próximo. Ubuntu, então, significa generosidade, solidariedade, compaixão com os necessitados, e o desejo sincero de felicidade e harmonia entre os homens. Esse tal vídeo e umas situações comuns foram os inspiradores desse artigo.

Em sua obra intitulada O Povo Brasileiro, o antropólogo Darcy Ribeiro afirma que “apesar da associação da pobreza com a negritude, as diferenças profundas que separam e opõem os brasileiros em extratos flagrantemente contrastantes são de natureza social” (RIBEIRO, 2006, p. 215). Isso sugere que, para além do preconceito racial tão discutido no Brasil, há outro que está pautado na posição social dos indivíduos, conforme seu acesso à renda, poder aquisitivo, padrão de vida e nível de escolaridade. Em outras palavras, no Brasil também existe o chamado preconceito de classe social. 

Além de negro, sou morador de um dos maiores aglomerado da capital mineira (aglomerado é uma outra forma que alguns órgãos da imprensa mineira encontraram para definir as vilas e favelas) e sinto isso na pele, portanto não falo baseado em estatísticas, em tese ou hipoteticamente. Falo com amplo conhecimento de causa.

Há no conceito coletivo o hábito de associar bandidagem, malandragem, violência e marginalidade aos moradores periféricos, popularmente, pejorativamente (e preconceituosamente) chamados de favelados. A impressão que se dá é que todo morador de favela é necessariamente ignorante, analfabeto, mau educado, bandido, drogado, homicida, estuprador e suas mulheres piranhas, safadas, vagabundas, piriguetes, barraqueiras... ou seja, toda a escória social "descem dos morros". 

Esse imaginário discriminatório é alimentado pela mídia e tem sua origem na imagem vendida do Rio de Janeiro e seus famosos conflitos estampados nas capas das mídias jornalísticas e que não raramente viram temas de filmes como os famosos "Tropa de Elite" (José Padilha, 2007), "Última Parada 174" (Bruno Barreto, 2008), "Pixote, a Lei do Mais Fraco" ( Hector Babenco, 1980), "Cidade de Deus" (Fernando Meireles, 2002) e "Rio Babilônia" (Neville de Almeida, 1982). 

Mas não é de hoje que se tem esse tipo de impressão acerca dos moradores de vilas e favelas. Pensa-se tudo, menos que a maioria absoluta - segundo estudos e pesquisas - dos moradores de aglomerados é constituída por cidadãos de bem que só moram nesses locais - muitas vezes, ainda precariamente (apesar de alguns avanços, em muitos lugares há ainda sérios problemas de infraestrutura básica para sobrevivência com dignidade) por falta de condições, fato comum em um país onde a distribuição de renda é de uma disparidade monstruosa.

Qual a cor da nossa consciência?


Ao falarmos em classe social na sociologia, automaticamente somos impelidos a pensar na obra de Karl Marx, o qual, ao fazer uma crítica ao capitalismo, afirma que a sociedade capitalista seria divida em classes sociais, uma proletária e outra burguesa. Em linhas gerais, a primeira seria responsável pela força de trabalho enquanto a segunda seria dona dos meios de produção. Isso seria característico da sociedade capitalista, sendo um fator determinante da diferença social, principalmente no que tange à possibilidade do acesso aos resultados da produção capitalista (os bens de maneira geral), fato que contribuiria para aumentar a desigualdade social. 

Questionar a existência e proporção da discriminação racial no Brasil pode ser considerado tão severo quanto o preconceito em si. E, muito embora diversas campanhas preguem a igualdade, esta parece longe de ser a palavra para definir o julgamento que os brasileiros impõem uns aos outros. Constatar que o acesso à educação e consequentemente ao mercado de trabalho é escasso entre negros e pardos, grupo que representa, segundo dados do IBGE, 51,1% da população brasileira, não é uma missão árdua. 

Estatísticas das mais diversas alertam para a disparidade, por exemplo, do número de negros e brancos que não sabem ler (o analfabetismo funcional atinge 16,4% dos brancos, 27,2% dos negros e 28,6% dos pardos). Deve-se tomar cuidado, no entanto, para diferenciar o que é fruto do racismo e o que é proveniente do resultado da falta de oportunidades decorrentes de uma série de fatores, como a já citada má formação.

No Brasil, o racismo se revela em situações ínfimas do cotidiano, como a moça do caixa que pede o documento de identidade à simpática cliente negra de cartão de crédito em punho, mas não parece repetir o ritual com os demais integrantes da fila que não sejam afro-descendentes. Dúvidas sobre a legitimidade do pensamento que defende, ainda que envergonhadamente, a existência do racismo em terras brasileiras? Por que então se fez necessário criar um tal disque-preconceito? A central telefônica foi pensada em 2008, para registrar os mais diferentes tipos de injúria racial, na maioria das vezes proferida de um branco para um negro – embora o contrário também ocorra.

De cima das lajes, por baixo dos morros


Mas quem são os vitimados, cuja agressão verbal foi tão severa, a ponto de se fazer necessário denunciar, historiar, punir? Seriam os jovens executivos que a caminho do trabalho ouviram acusações estapafúrdias ou o senhor de chinelos, confundido como sendo o ladrão de seu próprio carro? Ou até mesmo o jovem, atrasado e apressado, que corre em direção ao último ônibus da linha e é parado por policiais? Certamente, os dois últimos cidadãos interpretam os personagens perfeitos para o cenário de um crime passível de prisão. E eles têm algo em comum: são pobres. No Brasil, país que dá diploma de doutorado para qualquer um de terno e gravata, fica fácil ser alvo de preconceito quando sua figura não exala seu poder de compra.

Pobre sofre maiores privações, seja ele negro ou branco. Para ele será mais difícil passar para a segunda rodada de entrevistas de emprego com sua roupa surrada. Também será a esse cidadão ou cidadã que os olhares mirarão ao soar do alarme na porta do shopping. No país que elegeu um sindicalista sem diploma universitário como presidente da República, preconceito social supera, sim, o racial. Motivo para alívio? Certamente não. O preconceito social é tão execrável ou mais que o racial. Porque denuncia o comportamento de pessoas que se permitem julgar os demais pela cor de sua cútis, mas que não se importam em tolerar a presença de alguém que vêem como “inferior”, mas que ao menos tem algo a oferecer. 

Duro também é constatar que no Brasil, a maioria da população não é apenas negra, mas pobre e consequentemente se manterão alvo de preconceito, por uma razão ou por outra. Será pela classe social ou pela cor? Não fará diferença. A ofensa continuará sendo motivo da criação de mais linhas para o disque-racismo. Será que chegaremos ao ponto de se criar um disque-pobre? O caso é tão sério que o ja citado presidente oriundo da classe operária usou justamente os problemas sociais do Brasil como um implacável mote para catapultar seu governo e alçá-lo ao posto de herói paladino dos pobres e oprimidos.

E a igreja? É preconceituosa?


Dizer que o evangélico é alvo de preconceito já não é mais novidade. Não são raras as situações em que a Igreja evangélica e seus membros ficam na mira da perseguição e da execração públicas. São críticas à forma de vestir, de se portar, de se comunicar e até de cultuar ao Senhor. Estereótipos são criados e transmitidos às gerações, e é de se espantar a ênfase dada pela mídia, principalmente nas manchetes policiais, ao descobrir que tal criminoso afirmou ser evangélico. No entanto, pior do que ser vítima é ser promotora de tão abominável atitude. Se há preconceitos no mundo, espera-se que, ao menos na Igreja, a forma de pensar, de valorizar, de qualificar a cada pessoa seja diferente. Espera-se que haja acolhimento, amor. Espera-se que se cumpra o mandamento ordenado por Jesus e registrado no livro de Mateus 22: 39: "Amarás ao teu próximo como a ti mesmo".

Mas o que acontece, muitas vezes, é exatamente o contrário. As mesmas atitudes preconceituosas se repetem dentro das igrejas, quebrando a tão buscada união, impedindo a verdadeira comunhão e criando marcas terríveis e profundas na identidade cristã. Há preconceitos de evangélicos contra quem não professa a mesma fé. Há preconceitos contra denominações, há até preconceitos quanto ao passado dos novos convertidos. A mensagem registrada em Gálatas 3:28 - "Desse modo não existe diferença entre judeus e não-judeus, entre escravos e pessoas livres, entre homens e mulheres: todos vocês são um só por estarem unidos com Cristo Jesus" -, que é uma das respostas fundamentais do Cristianismo à sombria polêmica do preconceito, parece ter desaparecido de algumas Bíblias. 

Veja por exemplo o que acontece em relação à homossexualidade. O evangélico vê a homossexualidade como o pior pecado, ou como se não houvesse restauração nessa área. O crente quer apressar o processo de santificação, quer fazer o papel do Espírito Santo, exigindo que o ex-homossexual mude da noite para o dia e isso traumatiza muitos novos convertidos, fazendo com que eles se decepcionem com Deus, por isso, muitos não se firmam diante de tanta pressão.

O preconceito também atinge as denominações e não são raras as brincadeiras e piadas de mau gosto contra igrejas históricas, pentecostais e neopentecostais. Há uma presunção em achar que tal denominação é melhor do que a outra ou que o irmão que mora em tal lugar do país é melhor do que o outro. Isso é mundanismo, pois quem se encontrou com Jesus não pode manter esse tipo de comportamento, isso não dá para aceitar.

E a acepção não se refere apenas à prática da fé ou à história pregressa, mas também se reflete na questão social. Por mais que seja camuflada, é notória a separação entre os mais ricos e os mais pobres dentro de muitas igrejas. Igrejas localizadas em bairro nobre e com membros ricos são comuns nos grandes centros. Porém, é comum também próximo às igrejas existir um bolsão de pobreza, uma favela bem no meio do bairro, e, não raramente essas igrejas ricas atendem aos moradores daquela comunidade (é a chamada obra social). 

É aí que fica explícita a segregação social dentro da comunidade eclesiástica. Há casos em que a escola dominical das crianças da favela ser no sábado e das crianças dos bairros nobres, no domingo. A explicação que dão é a de que é uma medida para que as crianças mais pobres não ficassem constrangidas com as roupas e brinquedos das mais ricas. Mas no fundo, o que eles não querem é se misturar. Afinal, todo favelado é sem educação. Esse tipo de separação continua ocorrendo, de forma mais discreta, mas presente, também, nas igrejas mineiras. É o tipo de coisa que ninguém comenta, mas existe, é notório.

Cristandade x Cristianismo


"Só compro em lojas de evangélicos!"; "Venham em minha pizzaria porque eu sou irmão!", "Não contrato em minha empresa quem não seja cristão". Atitudes como essas, comumente praticadas por evangélicos, seriam preconceituosas? Para mim, sim. O mais danoso, para mim, não é o preconceito contra a igreja evangélica, mas do evangélico contra as demais pessoas. Estamos caindo no erro de se criar uma separação, uma sociedade cristianizada, uma cultura paralela, e isso é perigoso. Principalmente porque quando se tenta criar um mundo em que tudo que se lê é gospel, o que se ouve é gospel, o que se compra é gospel, abre-se espaço para os vigaristas. 

Tal atitude, além de preconceituosa, é o contrário do que ensinam as Escrituras Sagradas. Nós temos que ser luz no mundo, é onde está a treva que deveremos estar para influenciar. Jesus não rogou ao Pai para que nos tirasse do mundo, como vemos em João 17, versículo 15, mas que nos guardasse do mal. Como levaremos a Palavra se criamos uma cultura alternativa? Criamos uma ‘cristandade', e isso é diferente de Cristianismo.

Conclusão


Acho que a Igreja muda isso voltando a amar como Jesus amou. Precisamos enxergar corações, e não roupas e estereótipos. Precisamos discursar menos e agir mais, abraçar mais, olhar nos olhos e amar. Enfim, praticar o que se prega. É o Ubuntu! É Bíblia vivida, praticada em essência! Nada mais inspirativo do que o exemplo deixado por Jesus. Ele não discriminou prostitutas, ladrões, doentes, estrangeiros ou qualquer outra pessoa. Pelo contrário. Ele se sentou, comeu em sua companhia e investiu seu tempo em cada um deles, fazendo com que seu propósito de vir ao mundo se cumprisse, levando a salvação para todo aquele que nEle crê. "Desse modo não existe diferença entre judeus e não-judeus, entre escravos e pessoas livres, entre homens e mulheres: todos vocês são um só por estarem unidos com Cristo Jesus" (Gl 3: 28). "Se vós, contudo, observais a lei régia segundo a Escritura: Amarás o teu próximo como a ti mesmo, fazeis bem; se, todavia, fazeis acepção de pessoas, cometeis pecado, sendo arguidos pela lei como transgressores. Pois qualquer que guarda toda a lei, mas tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos" (Tg 2:8-10). "Porque para com Deus não há acepção de pessoas" (Rm 2:11). "Amarás ao teu próximo como a ti mesmo" (Mateus 22: 39). Ubuntu pra você, para mim, para nós!

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