O Brasil passando por uma turbulência no cenário político e financeiro que culminou numa crise há muito anunciada e agora materializada, que nos fez retroceder há décadas, ressuscitando "figuras" aterrorizantes como o dragão da inflação, o monstro da recessão e o vampiro do desemprego. Trazendo de volta siglas de significados indecorosos como a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira. Era uma cobrança que incidia sobre as movimentações bancárias dos contribuintes e vigorou entre 1997 e 2007. A alíquota inicial era de 0,25% aumentando para 0,38% em 2002.) e outras constrangedoras como Impeachment (uma palavra de origem inglesa que significa "impedimento" ou "impugnação", utilizada como um modelo de processo instaurado contra altas autoridades governamentais acusadas de infringir os seus deveres funcionais), fazendo descer ladeira abaixo um rio de lavas fétidas e destruidoras ocasionadas pela erupção vulcânica da corrupção, tornando incertas quaisquer perspectivas e expectativas para o sofrido povo brasileiro em um prazo de pelo menos cinco anos.
Pois bem, à despeito da nação nessa efervescência toda, dois assuntos assumiram as manchetes da mídia jornalística em todas as suas plataformas: a separação do "casal calypso", a cantora Joelma e o músico Chimbinha e a guerra de audiência entre as principais redes de televisão aberta do Brasil, Globo e Record. Como o meu blog não é de fofocas (Cruz credo!), vou fazer uma análise do segundo tema sob outro prisma que não o do ibope. Afinal, tem muito mais por trás dessa disputa do que somente altos índices de audiência.
Nova batalha na guerra que já completou 6 anos
Na noite de terça-feira (1/9), a briga de audiência na faixa das 20h30 e 22h entre Globo e Record chegou a níveis estratosféricos e impensáveis até mesmo para o fã que acompanha diariamente os bastidores da televisão. Conforme já esperado, a Globo atrasou sua programação para que sua atual novela das 21h, "A Regra do Jogo", não tivesse qualquer tipo de enfrentamento com a novela bíblica da Record, "Os Dez Mandamentos", que começou às 20h40 - devido ao horário político obrigatório. Afinal, após o "suicídio coletivo" com a horrível e rejeitadíssima "Babilônia", a vênus platinada não pode mais errar. Então, enquanto a emissora do bispo Edir Macedo "enrolava" com seus mandamentos, a Globo "esticava" sua regra esculhambando todo o jogo. No meio desse imbróglio os telespectadores que, em tempos de crise, não podem se dar ao luxo de desfrutar da tv paga.
Muito além da audiência
Não há mocinhos em nenhum dos lados da recente briga entre a Globo e a Record de. Muito pelo contrário. Também não há mentiras nos ataques de uma contra a outra: os Marinho sempre tiveram uma relação espúria com o poder e a Record, uma interação promíscua com a Igreja Universal do Reino de Deus. Mas o problema central nessa guerra é que estão guerreando com armas alheias. Estão guerreando com armas públicas.
É ingenuidade de pouco eco crer que não existem interesses econômicos e ideológicos guiando os grandes grupos de comunicação do país. A comunicação de massa tem papel estratégico na organização social e criação de valores e a informação também sofre diversos tipos de manipulações, das mais explícitas – edições de texto/imagens, escolha das fontes, qualificações – às mais sutis – o que é silenciado, o “tom” sobre o informado, as relações de uma notícia com outra, a ordem de apresentação.
É por isso que a luta pela democratização da comunicação não se restringe à criação de normas de conduta ao jornalismo hoje praticado, buscando a isenção e objetividade. Essa luta tem de visar a possibilidade de multiplicação de vozes, a multiplicação do que é informado e como é informado, permitindo ao cidadão obter mais dados sobre uma determinada realidade para que, com eles, forme seu juízo. Com o monopólio ou oligopólio da informação, restringem-se as versões da realidade, orientando visões de mundo.
Qual o problema, então, com a disputa entre a Rede Globo e a Rede Record? Que armas dispõem para esse duelo de titãs? Esta última expondo a milhões de telespectadores informações que antes só eram conhecidas de um grupo restrito sobre a tenebrosa história da maior emissora do país. A Globo, por sua vez, ataca o sistema nervoso da segunda maior emissora, os incontáveis problemas da Igreja Universal do Reino de Deus e o envolvimento de pessoas ligadas à ela com a corrupção. O conflito quebra um tácito pacto de não agressão entre os poderosos, e mais informações são disponibilizadas ao público. Quando dois gigantes brigam, os pequenos podem tirar proveito, imagina-se.
Só que esta “guerra” escancara de uma forma sem precedentes uma prática ilegal e imoral: os interesses privados estão sendo defendidos com armas públicas, as concessões de TV entregues aos Marinho e a Edir Macedo. Ao lançarem mão destas “armas”, comprometem a função social dos meios de comunicação e, mais, infringem normas de utilização de uma concessão pública de radiodifusão.
Diferentemente de um jornal impresso, que é privado e responde atualmente somente às leis dos códigos Civil e Penal (já que não existe mais a Lei de Imprensa…), as emissoras de televisão operam por meio de concessões públicas e, como tais, estão obrigadas a cumprir determinações legais para o seu funcionamento. Não podem fazer o que bem entender com a sua programação, uma vez que só possuem o direito de chegar aos lares de praticamente todos os brasileiros porque o Estado brasileiro, em nome do povo, as tornou concessionárias públicas de radiodifusão.
Conclusão
Portanto, não importa quem tem razão nessa guerra privada entre Globo e Record. As duas cometem um gravíssimo erro ao utilizar a arena pública da radiodifusão de forma privilegiada para travarem as batalhas privadas que lhes interessam. A Rede Globo, caminhando por mais anos nessa estrada, tem mais expertise. Seus interesses são mais bem travestidos de “notícias” relevantes apresentadas à sociedade nos seus telejornais. A Record peca por um amadorismo tacanho, com a edição de “reportagens” em que nem sequer se preocupam em fazer a clássica divisão da objetividade aparente entre “opinião” e “informação”.
Mas não importa o nível de sofisticação de cada uma delas. A disputa Globo x Record é a mais recente e nítida apropriação do público pelo privado.
[Fonte: Revistas Veja, Época e IstoÉ, Observátorio da Imprensa]
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