As características do Golpe
Para a extensa maioria dos críticos do movimento de março e abril de 1964, tratou-se de um golpe de Estado que derrubou um governo burguês democrático com orientação reformista e progressista. Essa mesma maioria não considera ser cabível celebrar um golpe de Estado como o de 31 de março de 1964.
Durante a curta existência do governo João Goulart (setembro de 1961 a março de 1964), um novo contexto político-social emergiu no país. Suas características básicas foram:
- uma intensa crise econômico-financeira; constantes crises político-institucionais;
- crise do sistema partidário;
- ampla mobilização política das classes populares paralelamente a uma organização e ofensiva política dos setores militares e empresariais (a partir de meados de 1963, as classes médias também entram em cena);
- ampliação do movimento sindical operário e dos trabalhadores do campo e um inédito acirramento da luta ideológica de classes.
Passados 55 anos, o governo e os tempos de Goulart são ainda objeto de interpretações controversas e antagônicas. Liberais e conservadores atribuem ao período e ao governo apenas aspectos negativos e perversos: "baderna política", "crise de autoridade" e "caos administrativo"; inflação descontrolada e recessão econômica; quebra da hierarquia e indisciplina nas forças armadas; "subversão" da lei da ordem e avanço das forças de esquerda e comunizantes etc.
Enquanto existe um forte consenso entre liberais e conservadores, divergentes são as visões entre os setores de esquerda acerca da natureza e do significado do governo Goulart. Para estes, vários foram os juízos aplicados: governo de "traição nacional", de orientação social-democrata ou democrático popular; governo populista de esquerda ou nacional-reformista – e até mesmo de "orientação revolucionária".
Haveria, no entanto, praticamente um consenso entre os setores da esquerda ao interpretarem o período de 1961-1964 como um momento em que a luta de classes no Brasil alcançou um de seus momentos mais intensos, dinâmicos e significativos.
O que ocasionou o Golpe
No ano de 1961, Jânio Quadros tomou posse e, logo em seguida, renunciou ao mandato. Sua esperança era de que pudesse aplicar um auto-golpe, renunciando para voltar ao poder por meio de um pedido da população, que aceitaria apenas diante de uma proposta de poderes absolutos. Isso não funcionou, e seu vice, João Goulart, assumiu a presidência. João, mais conhecido como Jango, tinha ideologias de esquerda, e por ser considerado uma ameaça, foi acusado pelos militares de ser comunista.
No dia 13 de março, Jango e Leonel Brizola discursaram na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, declarando as Reformas de Base. Os oposicionistas se organizaram em pouco tempo, e realizaram a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, seis dias depois, com o objetivo de envolver a população no combate ao comunismo.
Os principais fatores que influenciaram e permitiram a ocorrência do golpe militar foram a instabilidade política durante o governo de João Goulart, alto custo de vida enfrentado pela população, a promessa da Reforma de Base, o medo que a classe média tinha da implementação do socialismo no Brasil, e o apoio que os militares brasileiros receberam da Igreja Católica, dos setores conservadores, da classe média e dos Estados Unidos.
Como aconteceu o Golpe?
Nesse contexto, o Golpe de 64 começou a tomar forma quando os generais Olímpio Mourão Filho e Odílio Denys, unidos ao governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, se reuniram em Juiz de fora, no dia 28 de março de 1964. O encontro visava à determinação de uma data para começar a mobilização militar e a tomada do poder.
Apesar de a data determinada ser 4 de abril de 1964, o general Olímpio não quis esperar e no dia 31 de março avançou com suas tropas durante a madrugada em direção ao Rio de Janeiro. Apesar de Castello Branco ter tentado frear o movimento, pois ainda não era maduro o suficiente, já era tarde.
O general Âncora, aliado à Jango, recebeu ordens de para prender Castello Branco, mas não a cumpriu alegando que não queria iniciar uma guerra civil. Quando João Goulart se deparou com as tropas, abandonou a presidência e se refugiou no Uruguai. A partir de então, o Congresso Brasileiro tomou medidas que tornariam o golpe legalizado, fazendo com que os militares elegessem os presidentes indiretamente. Castello Branco, dessa forma, tornou-se presidente e começou a implementar mudanças no Brasil.
O golpe militar durou até o ano de 1985, com a entrada de Tancredo Neves, que foi o primeiro presidente civil desde 1964.
Medidas do Golpe de 64 e da Ditadura Militar
- Alteração do papel do exército como autor do poder e de um regime autoritário;
- Contrário às reformas de base nacional-populistas;
- Milagre econômico: entrada de capitais externos e aumento da dívida externa;
- Censura dos meios de comunicação, artistas, músicos, atores, etc.;
- Lei de Segurança Nacional: violenta repressão política com prisões, interrogatórios e tortura de suspeitos de comunismo ou simpatizantes, principalmente estudantes, jornalistas e professores;
- Implantação do bipartidarismo: ARENA (Governo) e MDB (oposição controlada pelo Governo);
- Controle dos sindicatos.
Em síntese, as classes dominantes e suas elites ideológicas e repressivas, no pré-64, apenas enxergavam baderna, anarquia, subversão e comunização do país diante de legítimas iniciativas dos operários, camponeses, estudantes, soldados e praças etc. Por vezes, expressas de forma altissonante e retórica, tais demandas, em sua substância, reivindicavam o alargamento da democracia política e a realização de reformas do capitalismo brasileiro.
O golpe de 1964 veio, pois, coroar as tentativas anteriormente fracassadas. Destruindo as organizações políticas e reprimindo os movimentos sociais de esquerda e progressistas, o golpe foi saudado pelas classes dominantes e seus ideólogos, civis e militares, como uma autêntica Revolução. Aliviadas por não terem de se envolver militarmente no país, as autoridades norte-americanas congratularam-se com os militares e políticos brasileiros pela "solução" encontrada para superar a "crise política" no país.
O governo Goulart que, nos últimos dias de março de 1964, contava com elevada simpatia junto à opinião pública, ruiu como um castelo de areia. As classes populares e trabalhadoras estiveram ausentes das manifestações e passeatas que, em algumas capitais do país, pediam a destituição de Goulart.
Embora não se opusessem ao governo, os setores populares e os trabalhadores nada fizeram para evitar a derrubada do governo. As forças políticas que afirmavam representar esses setores nenhuma ação significativa desenvolveram para impedir o golpe que há muito tempo se anunciava no horizonte político. O golpe de 64, bem sabemos, não foi um raio em céu azul...
Desarmadas, desorganizadas e fragmentadas, as forças progressistas e de esquerda nenhuma resistência ofereceram aos golpistas. Alegando que não queria assistir a uma "guerra civil" no país, Goulart negou-se a atender alguns apelos de oficiais legalistas no sentido de ordenar uma ação repressiva – de caráter intimidatório – contra os sediciosos que vinham de Minas. Preferiu o exílio político.
No discurso de lideranças de esquerda, a expressão "cabeças cortadas", dirigida contra os eventuais golpistas, tinha um sentido metafórico; com a ação dos "vencedores de abril", ela se tornará uma cruel realidade para muitos homens e mulheres durante os vinte anos da ditadura militar.
Conclusão
A efervescência do início da década de 1964 e os acontecimentos, conflitos e projetos que a caracterizam tiveram como desfecho o golpe de estado de 1964, marco inaugural de uma conjuntura política, marcada por crescente autoritarismo.
Não foi a primeira vez, na trajetória republicana brasileira, que uma experiência democrática foi interrompida. Triste sina a da realidade política do Brasil! Usualmente não considera normais as disputas e divergências peculiares à democracia política e muito menos absorve a efetiva participação de organizações populares no cotidiano das relações políticas. Assim aconteceu em 1964.
Assim, pode-se dizer que o governo Goulart nasceu, conviveu e morreu sob o espectro do golpe de Estado. Goulart foi empossado em setembro de 1961, após a fracassada tentativa golpista de Jânio Quadros. Com sua inesperada renúncia, JQ visava, contudo, o fechamento do Congresso que lhe fazia oposição.
Não tendo o povo saído às ruas para exigir dos militares a volta do renunciante, o golpe se frustrou. A emenda parlamentarista, imposta ao Congresso nacional pela junta militar, pode ser interpretada como um "golpe branco". O Congresso, acuado e ameaçado pela espada, reformou a Constituição sob um clima pré-insurreicional, contrariando, assim, dispositivos constitucionais da Carta de 46.
Em outubro de 1963, alegando a necessidade de impedir "grave comoção interna com caráter de guerra civil", Goulart – por imposição de seu dispositivo militar – tentou impor ao Congresso o estado de sítio. Se o estado de exceção visava silenciar Carlos Lacerda e Adhemar de Barros, quem poderia negar que líderes de esquerda como Miguel Arrais e Leonel Brizola não estariam também incluídos na "lista saneadora" elaborada pelos militares, com a inteira anuência do próprio Goulart?
Em abril de 1964, o golpe de Estado – permanentemente reivindicado por setores da sociedade civil – foi, então, plenamente vitorioso.
[Fonte: Scielo; Estudo Prático - Referências Bibliográficas: CARVALHO, José Murilo de. Fortuna e virtù no golpe de 1964, GORENDER, Jacob. A sociedade cindida, CONY, Carlos Heitor. Crônicas políticas, CARPEAUX, Otto Maria. Comentários sobre política internacional, NAPOLITANO, Marcos. No exílio, contra o isolamento: intelectuais comunistas, frentismo e questão democrática nos anos 1970, DANTAS, Audálio. A mídia e o golpe militar, REIMAO, Sandra. “Proíbo a publicação e circulação…” – censura a livros na ditadura militar, MAUES, Flamarion. Livros, editoras e oposição à ditadura, RAMOS, Paulo Roberto. Cenas do golpe de 1964 em cinco documentários]
A Deus, o Pai, toda glória!
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