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domingo, 22 de dezembro de 2019

PAPO RETO - "LIVRE-ARBÍTRIO": O QUE PREVALECE, MINHA VONTADE OU A DE DEUS?

Quem nunca ouviu falar em "livre-arbítrio"? Debatida nas esferas teológicas, filosóficas e até psicológicas, a palavra é conhecida, mas seu significado, seu conceito, pode ser desconhecido pela maioria das pessoas, que a utilizam assim mesmo. O conceito dessa palavra é tão importante que, quando não entendido corretamente, pode causar grande — e tem causado muita — con­fusão. 

Foi o que ocorreu na época da Reforma Protestante. Depois de ter afixa­do nas portas da catedral de Wittenberg suas 95 teses, Martinho Lutero precisou debater com Erasmo de Roterdã sobre livre-arbítrio. Ele até escreveu um livro muito conhecido intitulado "A Escravidão da Vontade", no qual argumentou contra a Igreja Católica Apostólica Romana e ex­pôs as ideias bíblicas sobre livre-arbítrio.

O entendimento luterano


Para Lutero, era impossível conciliar o verdadeiro evangelho da graça de Deus com a ideia de livre-arbítrio pregada e crida na Igreja Católica. Por causa disso, Lutero foi excomungado e tratado como herege, mas, apesar disso, ele abriu as portas para um movimento de retorno às Escrituras, o que permitiu a compreensão desse tema tão importante, à luz da Pa­lavra de Deus.

Antes de começarmos, é bom esclarecermos algumas coisas. Em todo debate sobre "livre-arbítrio" a primeira coisa que você deve fazer é perguntar "qual sua definição de livre-arbítrio?", afinal não podemos esquecer que até a definição do tal arbítrio é livre. 

Piadas nerds-reformadas à parte, é bom deixar claro, pois algumas pessoas quando ouvem que o homem não tem "livre-arbítrio" logo pensam que se fala que o homem não tem vontade, que é um robô. O cerne da questão aqui não é se o homem tem uma vontade ou não. Lógico que tem! E essa vontade não é coagida, manipulada. O que alguns chamam de livre-agência — ou seja, eu sou o agente dos meus atos (aí entra o princípio da lei da semeadura) — para não confundir. 

Veja Calvino usar o termo "livre-arbítrio" nesse último sentido: 
"Desse modo, pois, dir-se-á que o homem é dotado de 'livre-arbítrio': não porque tenha livre escolha do bem e do mal, igualmente; ao contrário, porque age mal por vontade, não por efeito de coação."
Isto posto, entendamos, então, o que, afinal, é o tão debatido — e um tanto quanto controverso e equivocado — "livre-arbítrio". Aliás, um assunto, quanto mais debatido, mais atalhos encontra para os equívocos e as controvérsias, eis instaurada a confusão.

O que é "livre-arbítrio" de acordo com a Bíblia?


Popularmente, "livre-arbítrio" é entendido como a possibilidade do homem de fazer escolhas de forma "livre", ou seja, o homem pode fazer o que quiser — sendo ele, portanto, o "árbitro de si mesmo" —, e isso o tornaria livre de qualquer influ­ência, até mesmo de Deus. É como se o Senhor não tivesse nada a ver com as nossas decisões diárias. 

Porém, o termo "livre-arbítrio" sob a óptica da teologia e da filosofia é muito técnico e restrito. Aqui neste artigo, não tenho a pretensão de esgotar o assunto, o que me interessa é a identificação do "livre-arbítrio" relacionado à Soberania de Deus na salvação e como deve ser entendido à luz das Escrituras.

Pois bem, podemos dizer então que "livre-arbítrio" é a capacidade que o homem tem de fazer escolhas que podem ser contrárias ou não à sua natureza. O termo "arbítrio" diz respeito a julgar, isto é, o homem "teria" a capacidade de avaliar se vai tomar uma decisão contrária à sua natureza ou não, por isso o termo "livre". Usei o verbo no futuro do pretérito ("teria"), porque, na realidade, segundo a Escritura, nenhum homem tem "livre-arbítrio". O único homem que teve "livre-arbítrio" foi Adão e, mesmo em seu estado de pureza, ele ainda teve a capacidade de fazer o que fez, quanto mais nós.

É importante entender que o homem foi criado segundo a imagem e seme­lhança de Deus, ou seja, em retidão e perfeita santidade. 
"Eis o que tão so­mente achei: que Deus fez o homem reto, mas ele se meteu em muitas astúcias" (Eclesiastes 7:29; cf. Gênesis 1:27; 2:7; 3:6; Salmo 8:5; Mateus 10:28; Romanos 2:14,15; Colossenses 3:10). 
Quan­do o homem pecou, perdeu a condição de "arbitrar" sobre sua vontade, perdeu a possibilidade de escolher entre estas duas alternativas: praticar a vontade de Deus ou pecar.

Liberdade é o mesmo que "livre-arbítrio"?

"Foi para a liberdade que Cristo nos libertou! Portanto, permanecei firmes e não vos sujeiteis outra vez a um jugo de escravidão" (Gálatas 5:1).
Então, a questão é se a vontade do homem é livre para… Para o quê? Quando entramos nessa pergunta, em minha opinião, o debate sobre "livre-arbítrio" pode ocorrer em duas esferas e, apesar de conectadas, haverá maior progresso se nos restringirmos a uma. As esferas são: salvação e providência. 

Quando pensamos em providência, estamos lidando com questões como determinismo, compatibilismo ou libertarismo ou seja qual a relação entre a soberania divina e a responsabilidade humana (se você quer estudar isso, mergulhe no estudo de uma boa teologia sistemática; na verdade, de várias).

Mas não é isso que Lutero debateu. A questão maior do livro que ele escreveu, anteriormente citado, é sobre o papel da vontade na salvação. Ou seja, o homem pode igualmente inclinar sua vontade para o bem ou para o mal? Para o pecado ou para Deus? O homem pode buscar a Deus à partir de sua própria vontade natural? O homem tem uma capacidade própria, ainda que pequena, de voltar-se para Deus?

O teólogo Robert C. Walton, no livro "História da Igreja em Quadros", mostra quatro posições que fluíram do debate de Pelágio com Agostinho sobre esse assunto:
  • Pelagianismo: o homem nasce essencialmente bom e é capaz de fazer o necessário para a salvação;
  • Agostinianismo: o homem está morto no pecado; a salvação é totalmente pela graça de Deus, que é dada apenas aos eleitos;
  • Semipelagianismo: A graça de Deus e a vontade do homem trabalham juntas na salvação, na qual o homem deve tomar a iniciativa;
  • Semiagostianianismo: A graça de Deus estende-se a todos, capacitando uma pessoa a escolher e a fazer o necessário para a salvação.
Lutero estava defendendo a posição agostiniana e Erasmo, segundo o que Lutero aponta, parece flutuar entre as outras opções, principalmente o pelagianismo e semipelagianismo.

Uma observação final, apesar de ter implicações no debate entre calvinismo e arminianismo, este debate só aconteceu quase 100 anos depois do debate entre Lutero e Erasmo.

Um resumo: O "livre- arbítrio" nada é senão um escravo do pecado, da morte e de satanás


Após essa longa introdução, vamos a um resumo do primeiro capítulo. Para Lutero, 
"as Escrituras são como diversos exércitos que se opõem à ideia de que o homem tem um 'livre-arbítrio' para escolher e receber a salvação. Porém, basta-me trazer à frente de batalha dois generais — Paulo e João, com algumas de suas forças"; 
e é isso que ele faz. Ele mostra, em 19 argumentos, como Romanos (em especial, os capítulos 1, 2, 3 e 8) e o Evangelho segundo João (em especial, os capítulos 1, 3, 6 e 16) destroem a ideia do "livre-arbítrio. Em minha opinião, o principal argumento é que o "livre-arbítrio" só condena o homem.

Lutero argumenta que se é fato que o homem pode inclinar sua vontade tanto para o pecado e se perder, quanto para Deus e ser salvo, então o tal arbítrio não tem feito um bom trabalho, pois Romanos 1:18 diz que a ira de Deus se revela contra toda perversão de todos os homens. Se existe realmente o "livre-arbítrio", ele não parece ser capaz de ajudar os homens a atingirem a salvação, porquanto os deixa sob a ira de Deus.

Sim, o homem tem uma vontade, mas essa vontade está loucamente apaixonada pelas trevas (Jo 3:19). O homem natural não busca a Deus e não entende as coisas de Deus (Rm 3:11; 1 Coríntios 2:14). Como Paulo diz claramente em Romanos 8:5-7 (NVI, grifo meu): 
"Quem vive segundo a carne tem a mente voltada para o que a carne deseja; mas quem, de acordo com o Espírito, tem a mente voltada para o que o Espírito deseja. 
A mentalidade da carne é morte, mas a mentalidade do Espírito é vida e paz; a mentalidade da carne é inimiga de Deus porque não se submete à lei de Deus, nem pode fazê-lo."
Ou seja, em si mesmo, o homem, que é carnal, tem uma mente voltada contra Deus e não pode se submeter à lei de Deus (leia a parte em negrito novamente). Só pela ação do Espírito é que o homem se volta para Deus.

Além de impotente, pois não consegue justificar ninguém diante de Deus, o "livre-arbítrio" é ignorante e cego, pois precisa ser ensinado através da lei. O homem precisa ser ensinado pela lei o que é pecado e a sua necessidade de Cristo (7:7). Como afirmei acima, o homem carnal não consegue entender as coisas de Deus (3:11; 1 Co 2:14).

Por fim, nem vir a Cristo esse tal arbítrio consegue!


Na passagem de João 6:44, Jesus Cristo diz: 
"Ninguém pode vir a mim se o Pai que me enviou não o trouxer". 
Isto não deixa qualquer espaço para o "livre-arbítrio". E o Senhor Jesus passou a explicar como alguém é trazido pelo Pai: 
"Portanto, todo aquele que da parte do Pai tem ouvido e aprendido, esse vem a mim" (v. 45). 
A vontade humana, por si mesma, é incapaz de fazer qualquer coisa para vir a Cristo em busca de salvação. A própria mensagem do evangelho é ouvida em vão, a menos que o próprio Pai fale ao coração e traga a pessoa a Cristo. 

Obrigado por nada, "livre-arbítrio"!

Mas se Deus deu a Lei, o homem pode cumpri-la!


Um argumento típico em favor do "livre-arbítrio' é: "mas se o homem não tem capacidade de cumprir a lei de Deus, por que ele a deu? Se Deus fala para você obedecer, então você tem uma capacidade natural, em você mesmo, para obedecer!" (uma visão bem pelagiana – herética, diga-se de passagem) Lutero responde com maestria esse argumento: ignorância do propósito da Lei!

O argumento a favor do "livre-arbítrio" é que a lei não nos teria sido dada se não fôssemos capazes de obedecê-la. Erasmo, por repetidas vezes você tem dito: 
"Se nada podemos fazer, qual é o propósito das leis, dos preceitos, das ameaças e das promessas?" 
A resposta é que a lei não foi dada para mostrar-nos o que podemos fazer. Nem mesmo a fim de ajudar-nos a fazer o que é correto. Paulo diz em Romanos 3.20: 
"…pela lei vem o pleno conhecimento do pecado". 
O propósito da lei foi o de mostrar-nos no que consiste o pecado e ao que ele nos conduz — à morte, ao inferno e à ira de Deus. A lei só pode destacar essas coisas. Não pode livrar-nos delas. O livramento nos chega exclusivamente através de Cristo Jesus, que nos é revelado através do evangelho. 

Virando a mesa na questão do "acepção de pessoas"


Quando alguém afirma que Deus concede graça salvadora somente para os eleitos, alguém rapidamente diz que "Deus não faz acepção de pessoas" (tirando o texto fora do contexto, claro). Mas o interessante é que Lutero vira a mesa e diz que são aqueles que afirmam que Deus concede graça salvadora somente àqueles que pelo "livre-arbítrio" o escolhem é que caem nessa acusação, afinal Deus escolheu aqueles que o escolheram, ele fez acepção entre aqueles que usaram bem a sua vontade e aqueles que não.

Contudo, acho que Lutero também acabou tirando o texto fora do contexto. Em Atos 10:34, a questão é que Deus não faz acepção entre judeus e gentios, mas recebe pessoas que temem seu nome de qualquer nacionalidade. Em Romanos 2:11, a questão é que Deus irá julgar tanto judeus, quanto gentios, sem ser parcial com os judeus por serem o povo de Deus. Em Efésios 6:9, a questão é fazer acepção de "classe social", escravos e senhores de escravos. Em 1 Pedro 1:17, é sobre Deus julgar a obra de todos sem parcialidade. Então, por favor, leia o contexto antes de levantar a bandeira "acepção de pessoas".

Conclusão

Um conforto para a alma


É preciso que saibamos separar as coisas. O fato de eu ser responsável pelas minhas escolhas, em absolutamente nada interfere no cumprimento da vontade soberana de Deus. Como diria um "bom filósofo", uma coisa é uma coisa outra coisa é outra coisa. Deus, mesmo sendo soberano, não nos manipula, somos os agentes e não os juízes dos nossos atos. Crê em algo diferente disso é anular por completo e essencialmente o efeito da graça sobre nós.

Por fim, entender que nossa salvação não depende em última instância da nossa vontade, mas da graça de Deus é um conforto para a alma. Você sinceramente confia tanto na sua vontade que acha que pode se manter como cristão pelo resto da sua vida? Mas se você está confiando em si mesmo, você não está confiando em Deus! E isso é vaidade e idolatria! Veja o que Lutero diz:
"Confesso que eu não gostaria de possuir 'livre-arbítrio' ainda que o mesmo me fosse concedido! Se a minha salvação fosse deixada ao meu encargo, eu não conseguiria enfrentar vitoriosamente todos os perigos, dificuldades e demônios contra os quais teria de lutar. 
Porém, mesmo que não houvesse inimigos a combater, eu jamais poderia ter a certeza do sucesso. Eu jamais poderia ter a certeza de haver agradado a Deus, ou se haveria ainda mais alguma coisa que precisaria fazer. 
Posso provar isso mediante a minha própria dolorosa experiência de muitos anos. Porém, a minha salvação está nas mãos de Deus, não nas minhas. Ele será fiel à sua promessa de salvar-me, não com base no que eu faço, mas em conformidade com a sua grande misericórdia. 
Deus não mente, e não permitirá que o meu adversário, o diabo, me arranque de suas mãos. Por meio do 'livre-arbítrio', ninguém poderá ser salvo. Mas, por meio da 'livre graça', muitos serão salvos. 
E não somente isso, mas também alegro-me por saber que, como um cristão, agrado a Deus, não por causa daquilo que faço, mas por causa de sua graça. Se trabalho muito pouco ou errado demais, Ele, graciosamente, me perdoará e me fará melhorar. Essa é a glória de todo cristão".
No Éden, o primeiro casal, Adão e Eva, foi criado santo e justo, mas desobedeceu e caiu em pecado. A partir daí, todos os homens nascem sob as correntes do pe­cado, tendo sua vontade sempre cativa pelo mal e por este são influenciados; nessa condição, não conseguem por si mesmos voltar-se para Deus. 

No entanto, quando, por meio da ação sobrenatural do Espírito, Deus transforma um pecador e o resgata, este passa a ter o privilégio de obedecer e fazer a vontade do Criador. A nossa esperança, que se encontra fortalecida pela promessa de Deus, é que um dia seremos totalmente transformados e nunca mais pecaremos.

A Deus, o Único Autor e Consumador da minha fé, toda glória. 
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