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sábado, 2 de fevereiro de 2019

FILMES QUE EU VI - 45: "BETE BALANÇO"



O cinema nacional nunca foi bem visto nem mesmo para os críticos brasileiros da sétima arte. Muitos estudiosos, costumam se referir aos anos oitenta como "a década perdida". Esses estudiosos que me perdoem, assumo minha incompetência em aprofundar nos meandros técnicos que os embasam a fazer tal afirmação, mas como um remanescente dos anos oitenta, que considero os meus anos de ouro, me reservo o direito de discordar totalmente deles. Aliás, uma questão ainda irrespondida pelos estudos de cinema é: o que exatamente aconteceu com nossa cinematografia durante a chamada "década perdida"?

Um resumo do panorama do cinema nacional da década de 80


Uma das perguntas que faço é exatamente se tal denominação, comumente dirigida à história político-econômica do país, também se aplicava ao cinema. Não creio ser exatamente o caso. Primeiro, porque "perdida" é um termo forte demais; segundo, porque embora fragmentário e crepuscular, o cinema nacional dos anos 80, em suas principais vertentes, não deixou de influenciar seus sucessores – incluindo o cinema do presente. E algo que germinou, deu frutos, não pode ser considerado em vão.

Agora, quanto a ter sido uma das décadas mais fracas da história do cinema nacional, penso não haver dúvidas. Uma série de eventos contribui para tal diagnóstico. A diminuição no volume e na qualidade da produção cinematográfica brasileira dos anos 80 está estruturalmente ligada à crise do modelo econômico adotado pelo regime militar, que, baseado em vultoso endividamento externo, ruiu com os reflexos da crise internacional do petróleo. 

Porém não se deve tomar essa explicação como a única: o esgotamento do modelo da Embrafilme (que passava por sucessivas crises internas e era justamente acusada de privilegiar determinados grupos no Rio e em São Paulo), o baixo índice de renovação de diretores/roteiristas inerente a tais vicissitudes, a popularização do videocassete, o aumento exponencial dos índices de violência urbana e a recuperação do cinema norte-americano (que passara pela maior crise de público de sua história entre meados dos anos 60 e final dos 70 e então renascia com os blockbusters) também são fatores importantes da crise.

Tudo somado, e por conta do agravamento da crise econômica a partir de 1982, não foi possível retomar a produção nas bases anteriores, mesmo porque o aparato estatal de produção, fiscalização e distribuição (Embrafilme, INC e Concine) fora erodido e empobrecido, até ser extinto por [Fernando] Collor [de Mello] - que presidiu o Brasil de 1990 a 1992 - em março de 1990.

Em uma sociedade descuidada de sua memória cultural e dotada de uma cinematografia feita de "mortes súbitas e renascimentos precários", como aludiu o jornalista e escritor Roberto Moura (✰1966/✞2005), a brutal canetada de Collor contribuiu para a desvalorização e o rápido esquecimento do cinema dos anos 80 (mesmo porque foi um dos fatores a impedir que boa parte da produção fosse lançada em vídeo). Mas é preciso restabelecer a memória sobre o cinema do período – o que demanda um corpo de pesquisas a respeito, algumas em andamento nas pós-graduações da área. 

O filme sobre o qual escrevo no 45º capítulo da série especial de artigos Filmes Que Eu Vi, é um dos grandes sucessos de crítica e bilheteria dos anos 80. Seguindo o rastro de outros títulos juvenis da época, como "Menino do Rio" (81) e "Garota Dourada" (84), ambos de Antônio Calmon - que nas décadas seguintes viria a se firmar como autor de novelas do horário das sete na Rede Globo, também explorando o universo jovem: "Top Model" (1989/90), "Vamp" (1990/91), "Olho no Olho" (1933/94), "Cara & Coroa" (1995/96), "Corpo Dourado' (1998), "Um Anjo Caiu do Céu" (2001), "O Beijo do Vampiro"(2002/03),"Começar de Novo" (2004/05) e "Três Irmãs' (2008/09); além das séries "Tarcísio e Glória" (1988), "A, É, I, O... Urca" (1990), "Sex Appeal" (1993), "A Justiceira" (1997) e "Na Forma da Lei" (2010). 

Aproveitando a ascensão vivida pelo rock nacional, com o surgimento de várias bandas no cenário musical, "Bete Balanço" deu o ponto para outros filmes que uniram a indissociável temática rock e juventude, como "Rock Estrela" (1985), "Areias Escaldantes" (1985) e "Rádio Pirata" (1987).

O Filme


"Bete Balanço" foi um marco no cinema nacional, a princípio teve a faixa etária dos 18 aos 20 anos como público alvo, porém agradou a todos, sendo um estouro de bilheteria no ano de 1984. Outro ponto alto foi a trilha sonora, com destaque para bandas importantes da época, como Barão Vermelho, Lobão e Os Ronaldos, Azul 29, Celso Blue Boys entre outros.

Débora Bloch interpreta a personagem-título, que prestes a completar 18 anos, se cansa do namoro de três anos e de cantar em pequenos bares nos finais de semana da cidade de Governador Valadares (MG) e então decide se aventurar no Rio de Janeiro, para procurar uma gravadora que aposte no seu "talento" musical. Aliás foi feito um belo trabalho de fotografia tendo a cidade do Rio como cenário, com suas paisagens paradisíacas.

Bete é uma garota um tanto à frente do seu tempo, recém aprovada no vestibular e cantora eventual do barzinho da cidade natal. Liberada na relação sexual com o namorado, curte teatro e sonha com um espaço maior na cidade grande.

Assim, prestes a completar 18 anos, ela resolve deixar Valadares, a segurança de um futuro tranquilo e tradicional, com marido e filhos, e vai parar no Rio de Janeiro, na casa de Paulinho, um amigo homossexual viciado em videogames Odissey, uma das grandes manias da época.

Rodrigo, interpretado por Diogo Vilela, a hospeda com a condição de que se mude até arrumar um emprego fixo. Um fato curioso é que toda vez que aparece o personagem Paulinho jogando videogame, temos como trilha sonora a música 'Vídeo Game', da banda Azul 29, uma das primeiras do cenário nacional a utilizar sintetizadores e teclados, tendo como influência bandas como VisageUltravox e Kraftwerk.


Abordando temas como homossexualidade, sexo, drogas e muito rock & rool, "Bete Balanço" foi um filme à frente do seu tempo


De início, a abusada Bete procura um produtor que lhe prometera uma chance. Encurrala-o em um canto e terminam marcando para o dia seguinte um almoço no restaurante Sol e Mar, em Botafogo.

O tal produtor, entretanto, não comparece ao encontro. Por outro lado, a jovem conhece Bia (Maria Zilda, que ainda não assinava Bethlem), uma ricaça que lhe oferece, entre indiretas bastante diretas, algo que possa sustentar a coitada faminta. A mansão de Bia é enorme, com uma bela piscina. As duas terminam tendo uma noite de amor.

Em seguida, no estilo "cabeça feita", Bete conhece Rodrigo, Bete então parte para a luta e vai atrás do produtor Marco Aurélio, que nunca atende seus telefonemas e em uma das suas buscas por trabalho, presencia um adolescente sendo espancado até a morte por militares, crítica do filme referente à perseguições, pois no ano de lançamento do filme acontecia o movimento civil Diretas Já

No momento do assassinato, Bete e outras pessoas foram flagradas pelo fotógrafo Rodrigo (Lauro Corona), que com sentimento de justiça, resolve procurar todos pela cidade, consegue achar Bete e acabam se envolvendo amorosamente. Bete se interessa em posar sensual para conseguir alguns trabalhos de publicidade, acontece então o momento "chanchada", pois mostra a atriz Débora Bloch inteiramente nua. Esta, aliás, era a sequência pela que fez com os rapazolas da época enchessem as salas dos cinemas.

Bete Balanço vai percebendo o quanto é difícil entrar no mercado musical, onde as oportunidade giram em torno de interesses e conhecimentos, e acaba se frustrando um pouco, foi outro momento de crítica, dessa vez em relação ao mundo do showbiz. Decide então voltar para Governador Valadares, mas seu novo namorado Rodrigo vai fazer a última tentativa de entregar sua fita demo para um poderoso produtor musical...

Novos encontros e desencontros ocorrem, deixando a jovem cheia de conflitos. Mesmo assim, a determinada Bete vai em frente na incessante busca do estrelato como cantora de rock...

Conclusão


"Bete Balanço" é uma razoavelmente boa comédia dramática do cinema brasileiro. Apesar de suas cenas e sequências mais ousadas para a época, o faz parecer inocente se comparado a muito do que é exibido no chamado horário nobre (que não tem nobreza alguma, diga-se de passagem) da televisão aberta. Realizado pelo diretor Lael Rodrigues, o filme apresenta um bom ritmo, principalmente nas sequências musicais.

Como já disse, a trilha sonora é um dos pontos altos do filme. No elenco, o grande destaque é sem dúvida Débora Bloch (que ainda hoje, 34 anos depois ainda é lembrada), no papel-título. O filme apresenta alguns ótimos momentos, como a sequência em que Bete assiste na TV a um show do Barão Vermelho e, inesperadamente, se imagina no lugar de Cazuza, como uma 'popstar'. 

Um outro bom momento é quando ela é fotografada pelo namorado num clima 'a la Marylin Monroe'. Hoje em dia, quem assiste o filme parece soar como um filme sem atrativos, mas na década de 80 abordou assuntos considerados tabus para a época como homossexualidade, liberdade sexual - isto em pleno advento de epidemia da então desconhecida Aids, que estava assustando e mantando muita gente mundo afora -, ditadura, comportamento e os anseios da adolescência. Por tudo isso, vale muito a pena assisti-lo. Enfim, "Bete Balanço" é um filme que merece ser visto, principalmente pelos fãs de Cazuza e do Barão Vermelho.

Curiosidades:


  • Foi o último filme do ator Lauro Corona, que veio a falecer de complicações do vírus HIV em 1989. O cantor e compositor Cazuza, que faz uma participação especial como ator no filme, viria a morrer em 1990, também por complicações decorrentes do vírus HIV.
  • Débora Bloch ganhou o prêmio de melhor atriz de 1984 pela Associação Paulista de Críticos de Arte.
  • O filme foi o primeiro da "trilogia de Rock dos Anos 80", dirigida por Lael Rodrigues (1951-1989), e que lançou várias bandas da época. Os outros filmes são Rock Estrela (1986) e Rádio Pirata (1987).
Filme "Bete Balanço" - Completo: quem viu, pode (e deve) rever, quem não viu, não perca a chance
  • Ficha Técnica:

Gênero: Comédia Dramática, Música 
Direção: Lael Rodrigues
Música Original: Cazuza, Roberto Frejat 
Elenco:
Débora Bloch (Bete Balanço) 
Lauro Corona -✰1957/✞1989 (Rodrigo)
Cazuza - ✰1958/✞1990 (Tininho) 
Hugo Carvana - ✰1937/✞2014 (Tony) 
Maria Zilda Bethlem (Bia) 
Diogo Vilela (Paulinho) 
Andréa Beltrão (Dançarina)
Sérgio Luiz Pereira (Dançarino 1)
João Carlos Dumont (Dançarino 2)
Tonico Barros (Dançarino 3) 
Banda Barão Vermelho (A própria)
Banda Titãs (A própria) 
Lobão (O próprio) 
Ano de Lançamento: 1985

A Deus, o Pai, toda glória. 
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