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terça-feira, 3 de abril de 2018

20 ANOS: O RAP ANTES E DEPOIS DE "DIÁRIO DE UM DETENTO"

Pense num mercado musical, cujo carro chefe já foi a bossa nova, gênero intimista com influência jazzística, surgido na década de 1950; o "iê iê iê" do movimento jovem guarda (década de 1960), que mesclava a tríade música, comportamento e moda; o tropicalismo surgido sob influências das correntes artísticas da vanguarda e da cultura pop nacional e estrangeira, como o rock 'n roll e o concretismo, que misturou manifestações tradicionais da cultura brasileira a inovações estéticas radicais (1967-1969).

Caminhe uma década e chegue nos anos 1980, onde é a hora e a vez do rock nacional, que ia do pop ao punk, com o surgimento de bandas que se tornaram icônicas, como Legião Urbana, Capital Inicial, Ultraje a Rigor, Titãs, Engenheiros do Hawaii, Os Replicantes, Ratos de Porão, Ira!, Zero, Garotos Podres, RPM, Kid Abelha... (são tantos nomes marcantes que não caberia aqui), que também ditavam a moda e o comportamento.

Na década seguinte temos um impasse entre o pagode (foi uma enxurrada de grupos), alguns dos quais, como Molejo, Raça Negra e Fundo de Quintal (só citando alguns) são sucesso até hoje e o sertanejo, com o apogeu de duplas como Chitãozinho & Xororó, Leandro & Leonardo e Zezé di Camargo & Luciano (de novo, só citando algumas). Em meio a esse impasse, ainda temos o surgimento do funk e do axé, que vieram "comendo pelas beiradas" e sim, fazendo o seu "estrago".

Pois é, em meio a esse cenário, digamos, fértil e um tanto diversificado, será que ainda havia espaço para mais algum ritmo, algum estilo, algum movimento musical? Sim, havia. Eis que um outro movimento musical, um tanto quanto "marginalizado" e que até então não chegava a causar algum incômodo, vem com sua "metralhadora" atirando para tudo que é lado: o rap. 

Um pouco da história do rap


A estética e o conteúdo de toda grande obra depende diretamente do seu meio. Salvando raríssimas exceções é o cotidiano que faz o artista. É um lugar comum que uma maioria esquece de adotar na avaliação de qualquer produto relacionado a expressão artística urbana. O Brasil não é país para iniciantes. Defender o rap sempre foi correr na contramão. Mas é necessário fazê-lo  —  mesmo assistindo uma fatia considerável do país protestando contra violência enquanto repreende quem tenta mostrar a sua própria leitura do que ela é. Dê um grito quem nunca ouviu a história de que o "rap é música de bandido".

O Antes...


O rap nasceu na rua e cresceu na rua. Todos os grande nomes do hip hop apontam São Paulo como a cidade-sede do movimento (o que não significa que o movimento tenha sido originado lá, mas esse detalhe é irrelevante para o contexto desse artigo). O ano não é exato, mas o espaço temporal é a década de 1980. "Funk falado" era um dos nomes dado ao rap antes da sua popularização entre os próprios integrantes do movimento hip hop que faziam parte da cena paulista  —  uma maioria formada por b-boys  (dançarinos de hip hop) que procuravam um espaço para dançar. 

Galeria 24 de maio, estação São Bento e Praça Roosevelt foram os primeiros pontos de encontro e (tentativa) de expressão de todos os interessados pelo rap. A expansão, porém, não traz só bons frutos  —  principalmente para um movimento que precisa ocupar espaços. E é regra de qualquer sistema opressor: só é possível calar quem faz barulho. E com o rap conquistando um público e formando sua própria identidade nacional (graças a nomes como DJ Hum e Thaíde), os DJ's, b-boys e amantes do movimento passavam a sofrer com o preconceito em novas proporções.

O gênero foi disseminado rapidamente pelas periferias paulistas e a troca de influência foi natural: a música recebeu uma carga de realidade e o cotidiano foi influenciada pelo rap. "Consciência Black Vol. 1" foi o segundo grande álbum da história do rap nacional. Essa coletânea mudou a imagem e a posição do rap no país. Duas das oito canções do disco são 'Tempos Difíceis' e 'Pânico na Zona Sul'. Quem assinava as músicas eram, respectivamente, Edi Rock e um grupo chamado Racionais MC's. 
O que o Racionais MC's fez é, de fato, um espelho do cotidiano de uma maioria.

Ninguém havia tocado o dedo na ferida da forma como foi feito. Não havia crítica relacionada ao racismo e miséria como aconteceu em 'Holocausto Urbano'. Não havia nenhuma imagem tão visual da infância/juventude pobre em São Paulo como em 'Raio X do Brasil'. Foram as canções 'Fim de Semana no Parque' e 'Homem na Estrada' que elevaram o grupo ao reconhecimento em âmbito nacional. 

O que veio depois disso, através do Racionais, é grande demais para um único texto. Em 1997 surgiu uma das obras definitivas da história do rap nacional: "Sobrevivendo no Inferno". O disco vendeu aproximadamente 500 mil cópias  —  graças a clássicos como 'Fórmula Mágica da Paz', 'Capítulo 4, Versículo 3' e 'Diário de um Detento'. E é sobre os 20 anos desse verdadeiro clássico do rap nacional que eu quero falar.

...E o depois de 'Diário de um Detento'


Em uma época pré-YouTube, o que tínhamos como referência para o lançamento de um vídeo clipe, era a extinta MTV. Ficávamos esperando ansiosamente, roendo as unhas, o dia que o nosso cantor, cantora ou banda preferida iria lançar o clipe, ou seja, "dar vida", a essa ou aquela música de sucesso. Então, foi aí que o Racionais MC's cravaram o clipe de 'Diário de um Detento'.

No dia 20 de dezembro de 1997, o Racionais MC’s lançavam, oficialmente, o álbum "Sobrevivendo no Inferno" em show no Ginásio do Corinthians, na zona leste de São Paulo. O álbum já completava quase um mês nas ruas e, segundo a Folha de S. Paulo, já havia vendido cerca de 100 mil cópias, algo impensável para um grupo de rap nacional. 

Com 12 faixas, o álbum foi um marco na história do grupo e do rap brasileiro. Pela primeira vez, a grande mídia dava espaço pra um trabalho do gênero, especialmente por conta do impacto de 'Diário de um Detento', música que ganhou clipe e teve alta rotatividade na MTV — que, como eu disse, na época pré-YouTube, dava as cartas no país quando o assunto era clipe. 

A música 


Um ex-detento do Carandiru entregou uma carta para Mano Brown com sua versão dos fatos ocorridos no dia dois de outubro de 1992, data conhecida como Massacre do Carandiru. Oficialmente, 111 presos foram mortos pela Polícia Militar do Estado de São Paulo após uma rebelião que tomou conta de todo o presídio — relatos de sobreviventes dão conta que esse número divulgado é muito menor do que o real. Brown usou como base a letra de Josemir Prado para escrever um dos grandes clássicos do Racionais MC's, um relato contundente e cheio de detalhes sobre o dia a dia na cadeia e, claro, o fatídico dia do massacre.

Sucesso na MTV 
— cujo clipe foi gravado dentro da extinta Casa de Detenção de São Paulo, tendo, inclusive, a participação de presos como figurantes , foi a música que chamou a atenção da grande mídia para o grupo — que até então era ignorado ou só era notícia quando algo de ruim acontecia nos shows. Sucesso nas ruas, mas a música é um tabu até hoje nas cadeias — segundo Brown, em uma entrevista, a música deixa o clima muito tenso e não é ouvida por quem está preso.

Contudo, não há tópico mais atual. Esse é um dos melhores relatos de conhecimento público sobre o Massacre do Carandiru. O peso na voz de Mano Brown narra no tom certo o que foi um dos maiores absurdos cometidos por autoridades no sistema prisional brasileiro.

01 de outubro de 1992, 08 horas da manhã. No rap escrito pelo ex-detento Jocenir, as referências são várias e os Racionais MC's surgem com a força criativa para descrever a tragédia. Oficialmente 111 detentos foram mortos em confronto com a polícia militar, sob o comando do Cel. Ubiratan — morto por sua própria arma em condições controversas. Foi sentenciado pela chacina, embora logo liberado da pena de 632 anos de prisão, alegando que apenas estaria seguindo ordens. Ordens de quem? Ninguém sabe, ninguém viu…

Conclusão


Na contrapartida, 20 anos depois, 'Diário de um Detento', a música que mudou a história do rap nacional continua vivo. Sua estrutura é marca. São os Racionais compreendendo seu entorno com a força da batida e das mesclagens de referências rap. A escolha do autor da letra é fundamental. Se o massacre ocorre em 02 de outubro, por que iniciar a música um dia antes? Aliás, por que terminar a música em 03 de outubro? Este diário de 3 dias é a marca no tempo: o detento no passado, presente e, se possível, futuro.

Dá para dividir a história do videoclipe no Brasil em duas: antes de 'Diário de um Detento' e depois de 'Diário de um Detento'. Além de ser o vídeo mais icônico e que fez o Racionais MC's explodir em popularidade. Enfim, os amantes do rap, esse movimento musical ainda tão discriminado, devem muito, mas muito mesmo a essa música.

[Fonte: Portal Rap Nacional; Wikipédia, Billboard Brasil] 

A Deus toda glória. 
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E nem 1% religioso.

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