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segunda-feira, 30 de abril de 2018

CANÇÕES ETERNAS CANÇÕES - "INÚTIL", ULTRAJE A RIGOR

Quem não se lembra do grande hit dos anos 80, "Inútil", de autoria do irreverente cantor e compositor Roger — de QI reconhecidamente elevado, diga-se —, líder do Ultraje a Rigor, banda de rock de humor ácido e contestador (e que agora está completamente desperdiçado lá no talk show do intragável Danilo Gentili)? Pasmem, trinta 36 anos se passaram desde 1982, quando essa escrachada música de protesto foi gravada e sacudiu a juventude nacional. O objetivo desse artigo é analisar passo a passo o que mudou, ou não, no nosso Brasil de 2018 em pleno período de pleito eleitoral e com a Operação Lava-Jato ainda fazendo suas proezas até pouco tempo inimagináveis — comparado aos tempos que o nosso país ainda era assolado pela ditadura militar.

Composta em 1982, gravada primeiramente em 1983, em um compacto — assim eram chamados os discos de vinil menores, que vinham com duas faixas (os simples, com uma em cada lado) ou com quatro faixas (os duplos com duas em cada lado) e eram uma alternativa mais econômica para quem não tinha dinheiro pra comprar os LPs (Long Plays); as músicas que vinham nos compactos eram geralmente os singles, ou seja, as músicas que os artistas escolhiam como as de trabalho —, "Inútil "só pode ser ouvida pelo público em 1985, no primeiro álbum do Ultraje a Rigor, "Nós Vamos Invadir a Sua Praia".

Mesmo estando em um disco lotado de sucessos (nove das onze faixas do disco foram as mais tocadas da época), "Inútil" se destacou pela letra, muito propícia para a época. Era o período das lutas pelas Diretas Já e a frase "A gente não sabemos escolher presidente” virou um hino aos jovens que saiam as ruas para lutarem pelas eleições diretas. Apesar de todo o impacto, Roger diz que quando escreveu a música não pensou muito no movimento, ele apenas queria retratar o brasileiro, visto pelos estrangeiros como indigente. Vamos à inteligentíssima letra:

Inútil

(Roger Rocha Moreira)Ultraje a Rigor


Clipe original da música (ainda em VHS), lançado no "Fantástico", em 1984
'A gente não sabemos' escolher presidente
'A gente não sabemos' tomar conta da gente
'A gente não sabemos' nem escovar 'os dente'
Tem gringo pensando que 'nóis é' indigente
 
'Inútel'!
'A gente somos 'inútel''!
'Inútel'!
'A gente somos 'inútel''!
'Inútel'!
'A gente somos 'inútel''!
'Inútel'!
'A gente somos inútel''!
 
A gente faz carro e não sabe guiar
A gente faz trilho e não tem trem prá botar
A gente faz filho e não consegue criar
A gente pede grana e não consegue pagar
 
'Inútel'!
'A gente somos 'inútel''!...
 
A gente faz música e não consegue gravar
A gente escreve livro e não consegue publicar
A gente escreve peça e não consegue encenar
A gente joga bola e não consegue ganhar
 
'Inútel'!
'A gente somos 'inútel''!...

É eterna porque...


Impulsionada pelo sucesso que o rock fazia na época, "Inútil" não conseguiu ser barrada pela censura, apesar de várias tentativas. Mesmo sem eleições diretas, "Inútil" continuou na boca das pessoas e fez com que a banda Ultraje a Rigor se firmasse como uma das maiores bandas de rock nacional, em uma época de Titãs, Paralamas, Barão Vermelho, Kid Abelha, Capital Inicial, Legião Urbana, Ira!, Engenheiros do Hawaii, RPM..., enfim, num cenário musical mais do que frutífero, onde cada banda soube registrar com louvor a sua história. 

Desmembrarei a canção de forma a contemplar pontualmente suas ideias absolutamente pertinentes à conjuntura sócio-política dos anos 80, onde o Brasil era à força submetido a um isolamento cientifico, cultural e até mercadológico. Só entrava no país o que não fosse considerado como subversivo ou afrontasse a ideologia militarista da época.

Não só era proibido importar novas ideias, mas também produzi-las no seu próprio quintal. Esse passado de certa forma impulsionou muitos bons a lutarem por democracia e dias melhores. No entanto, em pleno ano de 2018 a sociedade brasileira vê atônita a democracia falhar de modo grosseiro. O Brasil cresceu, abriu seu mercado, aprendeu a jogar, enriqueceu, mas o povo continua sendo oprimido, sem acesso à riqueza do país recentemente declarado como a sexta maior economia do mundo. E o lema do governo petista em 2011 "Liberdade, Igualdade e Fraternidade", será que chegou a existir em terras tupiniquins?

"'A gente não sabemos' escolher presidente..."


Fato — O que temos vistos desde o advento da tão proclamada democracia é que os nossos governantes não fazem jus ao seu papel primordial: tomar conta do povo. É interessante para a classe corrupta que regra todas as esferas políticas do nosso país que o povo continue ignorante, sem senso crítico, analfabetos funcionais e etc. Além disso, o Brasil pode até ter seguido a evolução mundial quando se refere ao combate à miséria da sua população carente, mas há ainda muito a ser feito para diminuir o estado de total pobreza que ainda aflige muitos dos seus filhos.

"'A gente não sabemos' nem escovar 'os dente'..."


Fato — Talvez o Roger tenha posto esse verso, já que havia um grande apelo nos anos 80 para que os governantes investissem mais na saúde bucal na nossa população. O Brasil era conhecido como o país dos desdentados. Pode até ter melhorado, novamente seguindo a evolução mundial, mas ainda há cerca de 30 milhões de desdentados atualmente. Logo, mais uma vez, há ainda muito a ser feito. Caso essa tenha sido uma metáfora insinuando que o povo brasileiro não recebe a boa educação e o incentivo ao desenvolvimento pessoal que merece — por isso, mostra-se ignorante e inapto até para escovar os dentes, hábito básico —, ainda sim é de certa forma atual, descontado novamente o desenvolvimento que o mundo conseguiu como um todo.

"Tem gringo pensando que 'nóis é' indigente...'Inúteu'! 'A gente somos 'inúteu''!..."


Parcialmente factual — A imagem do Brasil no exterior é ainda muito vinculada a samba, carnaval e futebol. Qual o gringo que não conhece Pelé e o carnaval do Rio de Janeiro? No entanto, os mesmos gringos estão igualmente cientes de que o Brasil apesar da sua ascensão econômica ainda é um país com habitantes vivendo em extrema pobreza. Há ONGs internacionais que se recusam a ajudar o Brasil, pois argumentam que um país tão rico pode muito bem dar o mínimo de dignidade aos seus cidadãos.

Desse modo, voltam sua caridade para países realmente pobres, como a Bolívia (Ah, a Bolívia!), o Haiti e outras nações africanas. Portanto, o gringo não mais acha que o Brasil é um país pobretão que necessita de ajuda humanitária e sim uma grande economia emergente, um gigante que poderia sim cuidar melhor do seu povo, não fosse os altos índices de corrupção que o derrubam com sua funda.

"A gente faz carro e não sabe guiar. A gente faz trilho e não tem trem prá botar..."


Fato — Quem não lembra da velha marca de carro legitimamente brasileira, o Gurgel? Pois é, o pobre carrinho não durou muito tempo. É impressionante que o Brasil consegue fabricar até aviões — EMBRAER — mas nunca conseguiu projetar o seu próprio carro. O lobby das grandes montadoras aniquilou a Gurgel, que com o nível tecnológico alcançado na época não teria mesmo como competir, e de lá para cá nunca mais houve qualquer projeto nacional.

Quanto aos trens, outro lobby entra em cena, o do petróleo (lembram da "grande descoberta" do governo Lula, o tão aclamado Pré-sal, a "serra-pelada" do petróleo?). Aos moldes dos anos 80, mais vale ter milhares de caminhões e ônibus a queimarem combustíveis nas decadentes estradas brasileiras, do que investir em um meio de transporte mais eficiente, limpo, que poderia muito bem escoar a nossa imensa produção, principalmente agrícola.

O fato é que o Brasil apesar de ter crescido, ainda peca bastante no que se refere aos seus investimentos em infra-estrutura. Basta ver os portos, aeroportos, transportes públicos — minha amada Belo Horizonte, por exemplo, o 6º município mais populoso do Brasil, com uma população estimada de 2,5 milhões de habitantes (segundo o IBGE), há décadas espera o seu metrô, e nada (o que temos aqui é um pedante e ineficiente trem metropolitano e olhe lá)... Uma vergonha!

"A gente faz filho e não consegue criar..."


Fato — O Brasil ainda tem altos índices de natalidade principalmente nas famílias de baixa renda, graças à falta de planejamento familiar. Esse problema apesar de ter sido melhorado, acima de tudo por pressões internacionais, ainda existe no país. Conheço inclusive algumas ONGs que distribuem preservativos, anticoncepcionais e até fazem vasectomia ou ligamento (laqueadura) de trompas, já que o governo se omite. A igreja também não ajuda com a sua doutrina medieval!

Há muitas igrejas evangélicas onde o uso de qualquer tipo de método contraceptivo é considerado pecado (e usam a Bíblia, isolando versículos de seus contextos, para justificarem sua estupidez: 
"E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra... Eis que os filhos são herança do Senhor, e o fruto do ventre o seu galardão" (Gênesis 1:28a; Salmo 127:3).
Não preciso dizer que fazer criança é de fato muito gostoso, mas criá-la com um mínimo de conforto e dignidade custa caro, e para quem já tem pouco, ou quase nada, o grande número de filhos é um grande impulsionador da miséria. Eles só precisam de apoio, alguém que mostre de forma clara e eficiente como combater o problema. Mais um papel mal desempenhado pelo Estado. O governo de Lula até tentou, com sua política assistencialista, mas fracassou. Deu o peixe de mercado, ao invés de ensinar o povo a pescar.

"A gente pede grana e não consegue pagar...'Inúteu'!"


Ficou ultrapassado por um tempo, mas voltou a ser factual — Para a felicidade dos privilegiados do nosso país, a economia do Brasil passou por bons momentos e esteve bem, obrigado. O plano econômico idealizado por FHC e continuado por Lula deu certo e um dos maiores fantasmas a atormentar os brasileiros dos anos 80 foi definitivamente exorcizado. Finalmente conseguimos pagar a tão debatida dívida externa e por um tempo podemos nos gabar de emprestar dinheiro para o FMI. 

Pois é. Eis que o fantasma voltou. E hoje o Brasil não só tem uma nova dívida externa, como ainda amarga numa devastadora crise econômica — que chegou a ser chamada de "marolinha" pelo falastrão Lula em 2008:
"Crise é tsunami nos EUA e se chegar no Brasil, será 'marolinha'" — 
Só que não, né? Ainda são poucos — poucos mesmos — os que gozam das benesses desse Brasil tão rico. Muitos falam que a classe C se fortaleceu e muito blá blá blá, mas é fato que tudo poderia estar melhor. Um grande indicador de que as coisas estão indo de mal a pior são os galopantes índices de violência e o crescimento incontrolável do desemprego que assustam o país do Oiapoque ao Chuí.

Além disso, o capitalismo selvagem que inundou o Brasil alguns anos depois que "Inútil" foi escrita, gerou um tipo de censura econômica. Por exemplo, hoje temos milhares de livros traduzidos, ou pior, de fantoches como Justin Bieber — pasme, a biografia daquela ameba —, a poluir as prateleiras das nossas livrarias, e a prata da casa de qualidade é incontestavelmente renegada.

Quem não vende, não tem vez. Mas como saber se vende ou não, se não têm chance? Não só no mercado literário ocorrem essas barbaridades, mas no fonográfico — não vou citar nomes para evitar problemas — e teatral também. Artistas de talento em todos os âmbitos sucumbem à desmotivação, e a boa cultura brasileira agoniza, quase morre.

"A gente joga bola e não consegue ganhar..."


Parcialmente factual — Bem, agora toquemos em um assunto de extrema relevância e gosto ao povo brasileiro, que inocentemente é tratado como um rebanho de ovelhas, e enquanto tivermos pão e circo, todos estarão felizes, aos moldes da Roma antiga. A consternação sentida pelo nosso amigo Roger dos anos 80 era grande, assim como a minha, e a de inúmeros intelectuais brasileiros também.

Apesar de todos muito estudados, não conseguirem se conter se viam obrigados a ceder frente a paixão futebolística que invade o país na época de Copa do Mundo. Nos anos 80 o Brasil chegou perto, mas não ganhou nada. 1994 e 2002 vieram como grande alívio para as crianças que achavam que não viveriam para ver o Brasil ser campeão mundial de futebol. 

Foi no dia 30 de junho de 2002, em Yokohama (Japão), que o Brasil venceu a Alemanha por 2 a 0 e conquistou o Pentacampeonato Mundial, sagrando-se o maior vencedor da história das Copas do Mundo, posto que mantém até hoje. Uma conquista marcada, acima de tudo, pelo talento. Aquela Copa, por sinal, foi a última decidida pela qualidade individual. De lá pra cá, venceram as seleções que se modernizaram e priorizaram o jogo coletivo.

E foi aqui, no Mineirão, o gigante da Pampulha, o fatídico 7 x 1 da Alemanha contra o Brasil na Copa de 2014. Essa humilhação ainda engasga os que são muito ligados a futebol (devo confessar que não é esse o meu caso...). Mas 2018 pode mudar essa história. 

Conclusão


Muitos jovens de hoje em dia temos a mesma sensação em relação à conjuntura social do Brasil como um todo. Muitos de nós perdemos as esperanças de ver um Brasil campeão no combate ao analfabetismo, campeão em nível de boa educação, campeão no combate à miséria, campeão da paz, dentre muitos outros campeonatos. Não só jovens, mas os mais experientes — como eu, que vivi os anos 80, os anos 90 e vou rompendo em fé nos anos 2000 (Já são meio século!) — também, deixam para os seus netos a possível realização desse sonho, pois perderam a fé no Brasil em curto prazo. 

A revista Rolling Stone do Brasil coloca "Inútil" como a mais importante canção de protesto do rock brasileiro oitentista, período em que foram lançadas canções como "Maior Abandonado" (Barão Vermelho), "Homem Primata" e "Polícia" (Titãs), "Até quando esperar" (Plebe Rude), "Que país é este?" (Legião Urbana), entre outros hits de protesto.O erro proposital de concordância imposto em toda a letra mostra o protesto que Roger queria fazer. Dizer que o brasileiro não se importa com muitas coisas e, além de não escolher presidente, não sabe quais são as consequências nem os motivos das ações feitas por cada um.

Todos os dias nos deparamos com um ato corrupto atrás do outro, o que gera o desvio dos nossos cada vez mais impagáveis impostos, que reflete na enorme falta de investimento, que culmina em um incontrolável desespero social e inacreditável violência. Precisamos combater esse ultraje com rigor, denunciando, indo às ruas, reivindicando nossos direitos, cobrando o nosso voto, ou até mesmo fazendo artigos em blog ou humor ácido em letras de rock. 

Quem sabe assim, aos moldes da paixão nacional, marquemos muitos gols e pela primeira vez possamos nos intitular campeões contra a maldita corrupção, que ainda é tão atual e factual nesse país. Agindo assim, quiçá daqui a novos trinta cinco anos poderemos dizer que a letra do Ultraje a Rigor está definitivamente ultrapassada, assim como esse artigo. Viveremos para ver? Mas lembrem-se bem, planta-se hoje o que se quer colher amanhã. Mãos a obra, então. Deixemos de ser ultrajados e principalmente inúteis!

A Deus toda glória. 
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E nem 1% religioso.


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