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segunda-feira, 14 de agosto de 2017

DISCOS QUE EU OUVI - 34: "O PAPA É POP" - ENGENHEIROS DO HAWAII


É uma opinião pessoal, mas para mim, não existiu no cenário do rock brasileiro banda mais incrível do que os Engenheiros do Hawaii. O power trio gaúcho (que também já foi power quarteto, quinteto e afins) conseguia abordar em suas letras temas diversos, pessoais ou coletivos, com letras que despertam identificação, curiosidade, estranheza, tudo ao mesmo tempo, sem perder a inteligência poética do seu principal letrista, o gaúcho Humberto Gessinger.

Várias variáveis


Passados os cinco anos do primeiro show do conjunto de rock gaúcho, de nome estranho chamado Engenheiros do Hawaii, em que o vocalista e guitarrista era um jovem loiro de 22 anos, estudante de Arquitetura e torcedor do Grêmio, o show feito bem no primeiro dia do mega festival Rock in Rio, e aí quando sai de Porto Alegre junto de dois amigos, partem para gravar um disco em São Paulo pela RCA Victor e acabam fazendo sucesso desde o primeiro disco, lançando dois discos seguintes com o mesmo formato de capa. 

E desde o segundo disco, esse jovem loiro troca a guitarra pelo baixo, vira um dos melhores letristas dos anos 80 e 90, e com sua banda, parte para uma temporada de shows na União Soviética, com shows somente em Moscou, e os shows cancelados em Leningrado sem motivos, voltam da Rússia mais populares ainda, lançam um disco ao vivo depois dos três discos de estúdios anteriores, foram os principais destaques nacionais do segundo Hollywood Rock e meses depois, partiriam para o estúdio e dali, começarem a criar uma das grandes obras-primas do rock nacional e do rock gaúcho dos anos 90. 

O fato do disco "O Papa é Pop" ser um dos melhores discos da banda, e um dos melhores discos feitos pelo trio que permanecia o mesmo desde 1987, o citado jovem loiro Humberto Gessinger no baixo, nos teclados e voz, o guitarrista e tecladista Augusto Licks e o baterista Carlos Maltz entraram em estúdio em junho de 1990, durante o inverno e começaram a ter ideias para um dos mais ousados discos da banda, com algumas músicas de longa duração, brincadeiras que acabaram virando parte de algumas músicas, coisas sobre o Papa, o mundo pop, trottoir (calçada, em francês; também é expressão para o caminhar que as prostitutas fazem à espera de clientes), jogo do Grêmio, coisas que são moderna e coisas que são eternas, canções que surgiam a cada momento. 

O disco é uma atmosfera pop e com influências de rock progressivo (nota-se o excesso de teclados e de MIDI Pedalboard, teclado que se toca com os pés), que sempre permaneceram durante os discos da banda feitos entre 1988 e 1992, contando com algumas músicas longas e temas que acabaram caindo no gosto de muita gente, além de ter sido o primeiro de três discos seguidos que a banda produziria sozinha, Gessinger disse que às vezes os produtores queriam que eles fizessem algo mais pop, deixando assim que os três produzissem juntos o melhor disco.

Engenharia musical


Dentre os dezoito discos lançados pela banda entre 1986 e 2007, caso os fãs sejam consultados (e esse é um dado do qual faço parte por ter sido fã confesso), a preferência sempre fica entre a beleza musical ao vivo e em estúdio do semi acústico "Filmes de Guerra, Canções de Amor" (1993) e o folkrock oitentista, ruralista, simplista e gaúcho de "A Revolta dos Dândis" (1987). "O Papa é Pop", alvo da minha análise neste capítulo da série especial Discos Que Eu Ouvi, por vezes fica atrás ainda de seu sucessor, "Várias Variáveis", que inclusive considero o mais "Engenheiros" de todos.

Por que então vou falar de "O Papa é Pop?"


"O Papa é Pop" é, na verdade, o disco mais conceitual (e, sem dúvida, mais comercial) dos Engenheiros. Todo o disco permeia um mesmo tema, a popularidade em si, da banda e de tudo o que era popular no fim da década de 80. É fato que, até lançarem o disco, a banda gaúcha era uma das mais populares entre os jovens, junto aos adorados da Legião, Paralamas, Titãs, Capital, Kid e todo o resto da inesquecível safra da década de oitenta. 

Algo, porém diferenciava os gaúchos: a crítica. Enquanto as outras bandas, a cada disco recebiam elogios fervorosos dos críticos especializados, os Engenheiros "sofriam" com as críticas que recebiam. Os quatro primeiros álbuns, que traziam sucessos como "Infinita Highway" eram sucesso de vendas entre o publico, mas a crítica parecia não ver a graça que o público via e detonava sem dó nem piedade os "pobres" Engenheiros.

A crítica é pop?


Eis que em 1990, chegamos finalmente ao disco em questão. O primeiro ponto é que o disco que trata de popularidade tem os dois maiores hits da banda, as músicas mais conhecidas hoje em dia: a própria 'O Papa é Pop', que faz alusão ao atentado que o então papa João Paulo II havia sofrido pouco tempo antes, sendo alvo de um tiro dado por um fiel que o "amava", e a tocante e ainda hoje lembrada 'Pra Ser Sincero', música que obrigatória em qualquer bar com musica ao vivo e que não pode faltar de jeito nenhum nas festas temáticas da década de 1990. 

Analisando o disco como um todo, percebe-se que letras, melodias, tudo converge para uma reflexão sobre ser pop. Assim, naquele início de década, ainda com a formação original – Gessinger, Licks e Maltz – os Engenheiros do Hawaii deram, enfim, a resposta que a crítica queria e lançaram seu disco de maior sucesso comercial. 

Não é o melhor, mais foi o melhor


Como dito anteriormente, a cultura pop é o tema e o conteúdo do álbum, desde o título até os arranjos da maior parte das faixas, que diferem da pegada mais rock dos trabalhos anteriores da banda. Em "O Papa é Pop" há mais elementos eletrônicos, combinados aos tradicionais guitarra (Licks), baixo (Gessinger) e bateria (Maltz). Em alguns momentos, aparecem homenagens ao rock progressivo de que Gessinger muito gostava.

  • Faixa a Faixa


Abre o disco a faixa 01] 'O Exército de um Homem Só, I', um dos singles a fazer sucesso, mostrando desde os primeiros acordes a já citada influência eletrônica. 

A seguir vem talvez a canção mais notória do álbum (no sentido de ser muito conhecida também fora do grupo dos fãs da banda), a regravação de 02] 'Era um garoto, que como eu, amava os Beatles e os Rolling Stones' (C’era un ragazzo che come me amava i Beatles e i Rolling Stones), canção escrita pelos italianos Franco Migliacci e Mauro Lusini em 1966 e previamente lançada em português pela banda da Jovem Guarda, Os Incríveis, da qual Gessinger já se revelou fã. A letra emblemática fala da guerra do Vietnã e da perda da juventude. 

A faixa 03] 'O Exército de um Homem Só, II', mantendo o tema militar das primeiras duas faixas. A bateria marca o tempo com batidas que remetem a bandas marciais. Essa música termina com os dizeres: 
"- Sentido! – Sim, senhor! – Não faz sentido! – Não, senhor!".

04] 'Nunca Mais Poder', que vem na sequência, entra abertamente na questão da cultura pop, relacionando passado e presente, longevidade e imediatismo. Existe uma certa falta de padrão instrumental aqui – com exceção da bateria, esta quase que imutável ao longo da canção. De resto, os instrumentos vão se alternando de forma estranha, bem ao estilo de algumas das canções mais malucas – no bom sentido – do Pink Floyd (não querendo comparar as duas bandas, obviamente). 

A quinta faixa é 05] 'Pra Ser Sincero', uma das canções que suscitam reações mais apaixonadas dos fãs em shows da banda; uma balada romântica que acelera para um desfecho energético. Uma frase ácida na letra dessa música é a que diz:
"Pra ser sincero não espero que você me perdoe, por ter perdido a calma, por ter vendido a alma ao diabo..."
O que era o Lado A do disco de vinil é encerrado com 06] 'Olhos Iguais Aos Seus', possivelmente a canção mais modesta do álbum, apesar da letra interessante.

O Lado B começa pela faixa título 01] 'O Papa é Pop', uma das canções mais populares da banda até hoje. Como seria de se esperar, há muitos elementos de música pop nesta canção, que funciona como uma espécie de resumo do conceito do álbum. Vale ressaltar o jogo de backing vocals usado de forma massiva e que traz um sabor a mais. 

02] 'A Violência Travestida Faz Seu Trottoir' abre a parte mais pesada do álbum, com tons mais soturnos que se prolongam por 03] 'Anoiteceu em Porto Alegre'. Aqui o baixo ganha mais importância. 04] 'Ilusão de Ótica', última faixa do LP, é uma canção mais "para cima", voltando a mostrar arranjos pop. 

É um final épico, pois a faixa brinca com mensagens subliminares e tem mensagens subliminares propositais. Uma crítica na época dos LPs, quando "era moda" (principalmente no meio evangélico) procurar mensagens girando os discos ao contrário (a Xuxa que o diga...). Em um certo ponto da música, algo é dito rapidamente e, ao girar o disco ao contrário, ouve-se a pergunta feita pelo vocalista 
"Ei, por que que 'cê tá ouvindo isso ao contrário, que que cê tá procurando, hein?!" 
Na versão em CD, há uma faixa extra (chamada de "bônus track", e que eram comuns quando os CDs começaram a ser produzidos aqui no Brasil), 'Perfeita Simetria', que traz a mesma melodia de 'O Papa é Pop', mas transformada em balada romântica, um pouco mais lenta, que vai crescendo no final. 

  • Pós e contras


Maltz nunca foi um grande baterista, e o talento de Licks na guitarra e de Gessinger no baixo ficam em segundo plano aqui. A brincadeira de ser pop é o que está em foco, e por isso sonoridades eletrônicas chamam mais atenção. Os famosos jogos de palavras de Gessinger também não aparecem com tanta força. Ou seja, o disco foi explicitamente feito para ser comercialmente bem aceito e conseguiu.

'O Papa é Pop' é um bom álbum, sem dúvida, e representa a disposição da banda em mudar, o que sem dúvida colaborou para que os EngHaw fossem uma das mais longevas do rock nacional. Mas embora seja competente em vários aspectos, não é o auge da banda em nenhum. 

Junte a tudo isso a imagem do papa João Paulo II tomado chimarrão, tirada durante a visita do pontífice ao Brasil, cercada pela engrenagem, símbolo dos Engenheiros, que temos também em imagem o conceito que é passado pelo disco. 

'O Papa é Pop 'é, portanto, um dos discos mais inteligentes do rock brasileiro, visualmente falando, com letras e melodias que se encaixam num conceito poucas vezes visto na música nacional. 

Conclusão


O disco, é um belo trabalho feito naquela década, algo ousado, diferente, trazendo um pouco do rock progressivo de volta ao público, graças à sonoridade presente no disco, uma coisa impressionante. A capa, assim como o riff do Hino da Independência em 'Era Um Garoto...', foi baseada num compacto dos Incríveis, com o Hino Nacional e o Hino da Independência lançado em 1971, com base nisso, foi o motivo de Gessinger ter pensado nesta imagem e se inspirado muito numa das grandes bandas de jovem guarda dos anos 60, para conceber a capa e o riff. Um disco pop, mas não tão pop como o Papa tomando chimarrão na capa de um disco.

Me despeço aqui esperando ter passado a vocês um pouco do que eu penso sobre a genialidade do rock dos Engenheiros do Hawaii. Vida longa ao rock brasileiro de qualidade, e que venha um dia discos tão bons quanto!
  1. O Exército de Um Homem Só - Parte I (Humberto Gessinger/Augusto Licks)
  2. Era Um Garoto que Como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones (Era Un Ragazzo Che Come Me Amava i Beatles i Rolling Stones) (Franco Migliacci/Bruno Luisini, versão em português de Brancato Júnior)
  3. O Exército de Um Homem Só - Parte II (Humberto Gessinger/Augusto Licks)
  4. Nunca Mais Poder (Humberto Gessinger/Augusto Licks)
  5. Pra Ser Sincero (Humberto Gessinger/Augusto Licks)
  6. Olhos Iguais aos Seus (Humberto Gessinger)
  7. O Papa é Pop (Humberto Gessinger)
  8. A Violência Travestida Faz Seu Trottoir (Humberto Gessinger)
  9. Anoiteceu em Porto Alegre (Humberto Gessinger)
  10. Ilusão de Ótica (Humberto Gessinger)

A Deus toda glória.

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E nem 1% religioso.

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