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quinta-feira, 8 de outubro de 2015

FÉ E OBRAS - ENTENDENDO A CARTA DE TIAGO

Tiago 2:24 - "Vedes então que o homem é justificado pelas obras, e não somente pela fé." 

Muitas são as interpretações dadas aos argumentos que Tiago utiliza em sua epístola na seção que vai do versículo quatorze ao vinte e seis do capítulo dois. A primeira vista, nota-se uma aparente contradição entre os ensinos paulinos e os que são aqui apresentados, porém é fato aceito por toda a cristandade que a Bíblia não apresenta contradições, por isso nesta pesquisa vão ser analisados os argumento de Tiago de forma sequencial, levando-se em consideração as regras gramaticais gregas e as interpretações dadas por diversos comentaristas, mas tendo como regra hermenêutica principal a de que a Bíblia interpreta a própria Bíblia, com o objetivo de entender a relação que as obras com a fé e qual o seu papel no plano da salvação.

Contextualização


A epístola de Tiago não possui data fixada, supõe-se que foi escrita por volta do ano 62 A.D. Outra suposição fixa a data entre 66–70 A.D. [A.D. - A sigla do latim Anno Domini: "Ano do Senhor", equivalente à d.C.]

O provável local de composição é Jerusalém, pois a epístola apresenta aspectos que demonstram a familiarização do autor com esta região: vida beira–mar, abundância de azeite, vinho e figos, sal e fontes amargosas. Além disso, há alusão a chuvas de estio. Isso indica à região da Palestina. 

No tempo da epístola o cristianismo estava se tornando para alguns, um meio de sentimento e apenas emoções. A fé viva demonstrada na prática de uma religião de atos de amor estava se esvaindo. O cristianismo desfigurou-se, tornando-se matéria de sentimentos e de afirmações que se tornaram mero assentimento intelectual. 

A epístola começa com a declaração: “Tiago servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo...”, parece pouco para que se faça uma identificação imediata de quem realmente é o autor do livro. Isso realmente pode ser considerado um problema, vários comentaristas, dentre eles Russel Norman Champlin [teólogo estadunidense], consideram Tiago, um dos livros mais problemáticos do Novo Testamento (NT), principalmente no que diz respeito a sua autoria. Para Douglas J. Moo [Ph. D., é professor de Novo Testamento na Trinty Evangelical Divinity Scholl, além de diretor do programa de doutorado em Filosofia e Estudos Teológicos. Atualmente é diretor da Trinity Journal.] no NT há pelo menos quatro homens chamados “Tiago”, os quais seriam autores potenciais da epístola. Já para Barclay, existe um quinto indivíduo que pode ser considerado autor do livro, para ele Tiago é correspondente a Jacó no Velho Testamento. Jacó que tem no NT sua forma helenizada do hebraico Iakob, como Iakobos

Bem, os possíveis autores podem ser: a) o pai de Judas, não o Iscariotes, b) um dos discípulos, filho de um homem chamado Alfeu, c) Tiago menor de Mc 15:40, sabe-se pouco sobre ele, d) o irmão de João filho de Zebedeu, e) o conhecido em Gl 1:19 como “irmão do Senhor”. Dentre todos, dois se destacam como os mais prováveis: o filho de Zebedeu e o irmão do Senhor. Agora segundo At 12:2, Tiago filho de Zebedeu morreu moribundo em 44 A. D. isso torna remota a possibilidade deste ser o autor da epístola. Então tudo indica Tiago irmão do Senhor como o Tiago do Livro.

Audiência


Ainda no verso um do capítulo primeiro, “...às doze tribos da dispersão: saudações!”, pode-se avaliar a quem está sendo dirigida a epístola. A palavra dispersão dá a entender que se trata de cristãos de origem judaica, os quais tinham a fé como resultado de uma obra que torna o homem perfeito, explicitado mais tarde no capítulo dois versos quatorze à vinte e seis.

Tiago, aparentemente enfrentou uma situação onde as pessoas professavam fé em Cristo e participavam da comunidade cristã, mas não percebiam as vastas implicações morais e éticas de tal envolvimento. 

Vários dos cristãos a quem Tiago escreveu haviam feito algum progresso na carreira cristã, porém não estavam lutando com suficiente dedicação para alcançar os ideais da fé em Cristo, tais como: perseverança nas provações, determinação na perspectiva cristã, a igualdade entre as pessoas, a responsabilidade econômica e o planejamento da vida pessoal centralizado em Deus. 

Tiago enfrentava o problema do intelectualismo, pessoas que tinham uma fé somente de cunho teórico. Defendiam que a fé, sem obras, é suficiente. 

Também pode-se verificar que esses crentes judeus eram pessoas pobres (Tg 5:4-6; 2:6, 7) que estavam sendo oprimidos por ricos.

Quando Tiago se dirige a seus leitores como “irmãos”, ele está dizendo que seus discurso tem como alvo membros da comunidade cristã e que os assuntos tratados são de natureza interna da igreja. 

Agora Tiago pode também ser endereçados aos cristãos de todas as épocas, pois trata de assuntos que ele mesmo achava que deveriam ser a maior preocupação de todos os crentes; por isso, Tiago incluía entre as epístolas “católicas”, que tem um sentido de universalidade.

Capítulo 1


A Fé que salva

“Que proveito há, meus irmãos se alguém disser que tem fé e não tiver obras? Porventura essa fé pode salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e tiverem falta de mantimento cotidiano. E algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos e fartai-vos; e não lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito há nisso? Assim também a fé, se não tiver obras, é morta em si mesma.” - Tg 2:14-17 

'Que proveito há?' Tiago inicia seu discurso dirigindo-se a seus irmãos com uma questão retórica, que quase sempre denota impaciência. Esta impaciência é presumível devido ao zelo de Tiago em manter a unidade doutrinária da Igreja. A partir desta parte da epístola Tiago pretende responder algumas perguntas levantadas por pessoas da igreja que diziam ter fé, mas recusavam fazer as coisas que ele achava que um crente deveria fazer, isto provavelmente suscitava uma certa impaciência por parte dele. Também era uma expressão comum no estilo vivaz de uma diatribe moral, que geralmente exigia uma resposta negativa. 

Tiago pergunta - “Se um homem diz que tem fé mas não tem obras pode esta fé salvá-lo?" Esta pergunta se dirige a uma pessoa ou grupo de pessoas que defendem uma visão de “fé somente”, uma fé que não se empenha nas obras cristãs e que pode existir alheias a elas, esses não fazem questão de praticar tais obras, pois creem que elas não influem em sua salvação. 

O escritor porém tem uma visão de que a fé não pode sobreviver sem as obras na vida de um cristão ativo que tem em seu interior a manifestação do Espírito Santo. As obras a que se refere são obras como atos de amor e misericórdia praticadas pelos cristãos em cumprimento da lei de Deus (2:8-13), que tem por sua vez o objetivo de exteriorizar e aprimorar o relacionamento entre o homem convertido e o Deus salvador. 

Ao contrário do que parece ao se ler rapidamente este versículo, o autor não se refere a fé de uma maneira genérica, dizendo assim que o homem não se salva somente pela fé, mas ele condena especificamente a fé de seus opositores e assim diz “Pode, porventura essa fé salvá-lo”

A palavra salvar deve se referir neste contexto ao juízo final, e não a uma experiência passada, isto estaria de acordo com o sentido geralmente demonstrado por esse termo (ver Mt 24:13; Rm 5:9). 

Para reforçar suas argumentações Tiago apresenta uma série de ilustrações, sendo que primeiramente apresenta uma situação provavelmente hipotética. Esta ilustração expõe a insensatez da fé sem obras revelando a situação de alguns cristãos primitivos e a reação inadequada de alguns de seus irmãos. Os opositores de Tiago desejavam que os irmãos necessitados passassem bem, e até oravam por eles. O “aquentai-vos e fartai-vos” dá a entender que diziam: “que Deus vos aquente e vos farte”. Porém isto não os levava a lhes dar “as coisas necessárias ao corpo” de seus irmãos, e essa recusa para avançar tornava imprestável a sua simpatia e sua oração. Tiago entendia que ser cristão era realizar boas obras. 

Tiago conclui dizendo: "Se não tem obras em si mesmo (de acordo com si mesmo), está interiormente e exteriormente morto (?????)". Essa é a mesma linguagem usada em At 28:16; Rm 14:22. Em suma, a fé desses opositores é uma fé morta.

Capítulo 2


A Fé sem obras é estéril

“Mas dirá alguém: Tu tens fé, e eu tenho obras; mostra-me a tua fé sem as obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras. Crês tu que Deus é um só? Fazes bem; os demônios também o creem, e estremecem." - Tg 2:18-20

No versículo 18 são apresentados dois opositores hipotéticos que estão envolvidos na discussão: um é 'tu' e o outro é 'eu'. A primeira pessoa é aparentemente cristã, e pretende salvar-se somente pela sua fé; a Segunda, aparentemente um cristão, talvez de origem judia, quer se salvar por suas próprias obras.

['Mas, alguém dirá'] Tiago introduz um acusador imaginário que fala uma oração: "Tu tens fé e eu tenho obras." Então Tiago responde a este acusador. O acusador pode ser considerado como fazendo uma pergunta pequena: "Tu tens fé"? Naquele caso Tiago responde: "Eu também" tenho obras ['me mostre tua fé aparte das obras']. Esta é a resposta de Tiago ao acusador. ['E eu por minhas obras vou te mostrar minha fé.'] Isto não é fé ou obras, mas prova de real fé (fé viva vs. fé morta). A mera profissão de fé sem obras ou profissão de fé mostradas para ser viva através de obras. Esta é claramente a alternativa declarada. Note (fé) em ambos os casos. Tiago não está aqui discutindo "obras" (obras cerimoniais) como um meio de salvação como Paulo em Gl 3; Rm 4, mas obras como prova de fé. 

No versículo 19 é citado um exemplo de fé sem obras que se relaciona com a primeira parte da resposta de Tiago: “Mostra-me a tua fé sem obras”. A fé sem obras existe, mas não entre os crentes, e sim entre os demônios. Isso demonstra claramente que a fé à qual Tiago está se referindo está muito aquém da fé que ele Paulo proclamavam. Aqui ele mostra que este tipo de fé vazia não passa de informação sobre Deus, tal qual a dos demônios, e que ela conduz a nada mais do que um temor abjeto diante de Deus.

Capítulo 3


Os argumentos veterotestamentários

“Mas queres saber, ó homem vão, que a fé sem as obras é estéril? Porventura não foi pelas obras que nosso pai Abraão foi justificado quando ofereceu sobre o altar seu filho Isaque? Vês que a fé cooperou com as suas obras, e que pelas obras a fé foi aperfeiçoada; e se cumpriu a escritura que diz: E creu Abraão a Deus, e isso lhe foi imputado como justiça, e foi chamado amigo de Deus. Vedes então que é pelas obras que o homem é justificado, e não somente pela fé. E de igual modo não foi a meretriz Raabe também justificada pelas obras, quando acolheu os espias, e os fez sair por outro  caminho?” - Tg 2:25.

No versículo 20 Tiago introduz uma nova fase em sua resposta há declaração de que a fé pode existir sem as obras correspondentes. Agora ele irá mostrar, a partir do AT, que a fé real sempre é acompanhada de obras e que esta “fé operante” leva à aceitação perante Deus.

"Justificado através de obras". Esta é a frase que é usada freqüentemente para ser horizontalmente oposta à declaração de Paulo em Rm 4:1-5, onde Paulo afirma que foi a fé de Abraão (Rm 4:9) o instrumento pelo qual lhe foi imputado a justiça, não as obras dele. Mas Paulo está falando sobre a fé de Abraão antes da circuncisão dele (4:10) como a base da sua justificação com Deus que é simbolizada pela fé na circuncisão. 

Tiago também deixa claro o seu significado. Nisso ele ofereceu Isaque o seu filho no altar. Eles usam as mesmas palavras, mas estão falando de atos diferentes. Tiago aponta ao oferecimento de Isaque no altar (Gn 22:16) como prova da fé que Abraão já teve. Paulo discute a fé de Abraão como a base da justificação dele, dele e não sua circuncisão. Não há nenhuma contradição entre Tiago e Paulo. Ninguém está respondendo o outro. 

Tiago afirma que Abraão praticou obras e que aquelas obras foram usadas como critério no julgamento final de Deus sobre a vida de Abraão. Ele pressupõe que Abraão tinha fé e que aquela fé foi um elemento básico em sua aceitação por parte de Deus (vv. 22-23). Mas ele enfatiza que a vida de alguém que tenha sido aceito por Deus precisa revelar o fruto desse relacionamento, através de boas obras. Paulo se concentra naquilo que precede e torna possível estas obras.

Paulo quer deixar claro que uma pessoa entra no reino de Deus somente pela fé; Tiago insiste em dizer que Deus exige as obras daqueles que estão dentro. 

Tiago constantemente bate nesta tecla enfatizando que o cristianismo exige tanto fé quanto obras. Ele enfrentou uma situação em que as pessoas diziam ter fé sem obras, e desafiavam estas últimas. Paulo enfrentou uma situação em que os homens enfatizavam o valor das obras sem uma ênfase na fé. Ambas as ênfases precisam ser exercidas. 

Tiago relata ainda outro episódio veterotestamentário para reforçar seus argumentos, de forma resumida ele relata a atitude de fé de Raabe em receber e guardar os espias de Israel, suas obras demonstraram a abrangência da sua fé. Tanto ela quanto Abraão demonstraram uma completa despreocupação com sua própria segurança e comodidade aceitaram os desígnios divinos. Tiago mostrou que o mais venerável entre os fiéis e a mais desapreciada entre os gentios encontraram igualmente sua justificação através de uma fé atuante.

Capítulo 4


A Fé sem obras é morta


“Porque, assim como o corpo sem o espírito está morto, assim também a fé sem obras é morta.” - Tg 2:26

Assim Tiago conclui este capítulo, reafirmando o seu tema central: a fé sem obras é morta. Afirmando que do mesmo modo que o corpo sem sua respiração não passa de um cadáver, assim também a fé, sem as obras que lhe dão vitalidade, é morta. Esta conclusão reafirma a preocupação de Tiago que se refere ao tipo certo de fé que um cristão deve ter, uma fé operante. A partir deste pressuposto vê-se que sem este tipo de fé, o cristianismo torna-se uma ortodoxia estéril e perde todo o direito de ser chamado fé.

Conclusão


Como foi visto anteriormente na análise de Tg 2:14-26, Tiago se mostrou incomodado com uma atitude da fé de quem a vê principalmente como uma confissão verbal, tal como a confissão de que Deus é um só (v.19). esta demonstrou-se ser uma fé sem obras (vv. 20, 26), e Tiago a considerou morta (vv.17, 26), inoperante (v.20); ela não tem poder para salvar (v.14) ou justificar (v.24). Tiago pressupõe a necessidade da fé. Ele afirmou possuir fé (v.18). Mas a fé que ele possui, 'fé real', é acompanhada de obras (vv. 14-17), 'consumada' por elas (v. 22) e opera 'juntamente com suas obras' (v.22). É o tipo de fé demonstrado por Abrão, reverenciado 'pai da fé' (vv. 21-23), e Raabe, a rejeitada imoral (v.25). É absolutamente vital compreendermos que o principal ponto deste argumento, que foi expresso três vezes (nos vv. 17, 20 e 26), não é que as obras devem ser acrescentadas à fé, mas que a fé genuína as inclui; esta é a sua própria natureza.

A importância de Tiago para o cristianismo contemporâneo não deixa margem a dúvidas. O cristianismo realmente não existe quando crenças corretas ou declarações de fé são de tal interesse que possam ser substituídas por obrigações morais. A fé que não leva a uma ação moral e a um envolvimento cristão demonstra o seu próprio caráter como inútil. A fé demonstra a sua existência na obediência.

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