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quinta-feira, 17 de maio de 2018

ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES: UM PROBLEMA DE TODOS NÓS

"Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligencia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais."  
ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Parte Geral, Título l. art. 5.
O Dia Nacional de Combate à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes é lembrado na próxima sexta-feira (18), mas as ações alusivas à data começaram nesta quarta-feira (16).
A violência sexual contra crianças e adolescentes é um fenômeno complexo e de difícil enfrentamento, apesar deste fato ter ganhado certa visibilidade nos últimos tempos a sua compreensão e enfrentamento ainda precisa ganhar muito espaço. 

Mais que uma data, uma triste realidade


A violência cometida contra crianças e adolescentes em suas várias formas faz parte de um contexto histórico-social maior de violência que vive nossa sociedade. Mais de quatro décadas após o dia 18/05/73, quando no Estado do Espírito Santo, uma menina de 8 anos, chamada Araceli, foi sequestrada, violentada e cruelmente assassinada (seu corpo apareceu seis dias depois carbonizado) e os seus agressores, jovens de classe média alta, nunca foram punidos (escrevi artigo especial sobre esse assunto ➫ aqui).

Institui-se esta data como o "Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes", Lei Federal nº. 9.970/2000, mas infelizmente, a barbárie e situações absurdas de violência contra crianças continuam a se repetir.

O relatório da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) de 1993 sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil trouxe a tona o assunto que até então era desconhecido do público em geral e a partir daí a sociedade civil organizada, principalmente através das Organizações Não Governamentais (ONGs) iniciou algumas campanhas de conscientização. Essas campanhas de mobilização resultaram numa maior visibilidade do problema, provocando maior interesse em estudar e analisar o assunto, hoje, além da grande visibilidade dado principalmente pela mídia ao fenômeno, este tema tem sido objeto de pesquisas e dissertações de mestrados e teses de doutorados nas várias Universidades do Brasil e do mundo. 

Um problema meu, seu... nosso


Gestores municipais e estaduais, diretores e professores de instituições de educação, profissionais e conselhos municipais/estadual dos direitos da Criança e do Adolescente; Conselhos Tutelares; de Assistência Social; Esporte e lazer; Saúde; Deficiência, Psicologia, Guardas municipais, Policias civil e militar, Igrejas, o que tem feito? Não basta repetir um dia no ano, uma palestra, um evento, um mini-curso etc. A realidade não tem se modificado! O que Fazer? Conhecer para poder combater.

Praticamente em todos os estados brasileiros existe em menor ou maior grau, mais ou menos articulados, Redes, Fóruns ou Frentes onde a sociedade civil organizada em parceria com Governos, Judiciário e Ministério Público se reúne para debater e buscar formas de enfrentamento deste fenômeno de acordo com as características e especificidades que ele se apresenta nos respectivos estados, ou região. Para citar apenas alguns exemplos: 
  • Na Região Nordeste brasileira as organizações tem feito campanhas contra o Turismo Sexual, principalmente de estrangeiros que vem visitar o nordeste não apenas em busca das belas praias, mas também de nossas crianças e adolescentes que empurradas pela pobreza e a falta de perspectivas futuras vendem o corpo muitas vezes com o consentimento da própria família; 
  • No Vale do Jequitinhonha, região mais pobre de Minas Gerais, foi flagrada pela CPI Assembléia do Estado que meninas de até 10 anos de idade se ofereciam às margens da BR para principalmente caminhoneiros a R$ 1.99; 
  • No norte do Brasil, principalmente Pará e Acre apesar de ter sido denunciado a mais de 10 anos pelo jornalista Gilberto Dimenstein em seu livro reportagem: "Meninas da Noite", ainda se tem notícias do "Leilão das Virgens", onde meninas virgens são "arrematadas" por fazendeiros e se tornam verdadeiras escravas sexuais.

Em números absolutos entre janeiro e março de 2015 registrou-se: 
  • São Paulo (737), 
  • Rio de Janeiro (404), 
  • Minas Gerais (389) e 
  • Bahia (352)
concentraram os maiores quantitativos de denúncias sobre exploração sexual de crianças e adolescentes. Os menores registros foram: Roraima (9), Amapá(12) e Tocantins(14)

Em relação ao perfil, 45% das vítimas eram meninas e 20% tinham entre 4 e 7 anos. Em mais da metade dos casos (58%), o pai e a mãe são os principais suspeitos das agressões, que ocorrem principalmente na casa da vítima. As denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes registradas em 2015 foram apenas uma parcela das 80.437 contra esta população.

Passam-se os anos...


O abuso sexual envolve contato sexual entre um adulto ou pessoa significativamente mais velha e com poder com uma criança/adolescente. Pelas próprias características do seu estágio de desenvolvimento, as crianças muitas vezes, não são capazes de entender o contato sexual ou resistir a ele, e podem ser psicológica, afetiva e/ou socialmente dependentes do ofensor. 

O abuso acontece quando o adulto utiliza o corpo de uma criança ou adolescente para sua satisfação sexual. Já a exploração sexual é quando se paga/explora para ter sexo com a pessoa de idade inferior a 18 anos. As duas situações são crimes de violência sexual.

Já foi o tempo que o "Bicho Papão" vinha na escuridão em lugares inseguros. A violência e o abuso estão em todos os lugares, em todas as classes sociais. Como explicar tamanha barbárie? Basta assistir vários programas televisivos e músicas que enaltecem a malandragem, a corrupção, a sedução, mulheres (crianças e adolescentes) "vendidas/apresentadas" como mercadorias, objetos sexuais e de prazer, em novelas, shows, programas musicais etc.

No Brasil, a violência sexual é a quarta violação mais recorrente contra crianças e adolescentes segundo o Disque Direitos Humanos, (Disque 100). Nos três primeiros meses de 2015, foram denunciados 4.480 casos de violência sexual, representando 21% das mais de 20 mil demandas relacionadas a violações de direitos da população infanto-juvenil. No histórico das violações, de mar/2003 a mar/2011, foram recebidas 52 mil denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes, sendo 80% das vítimas do sexo feminino.

Os casos de abuso sexual estão presentes em 85% do total de denúncias de violência sexual. Este crime ocorre quando o agressor, por meio da força física, ameaça ou seduz, usa crianças ou adolescentes para a própria satisfação sexual. As denúncias de violência sexual também envolvem casos de pornografia infantil, grooming (assédio sexual na Internet), sexting (troca de fotos e vídeos de nudez, eróticas ou pornográficas), exploração sexual no turismo, entre outros.
  • É válido salientar que fazer dowloads, armazenar e/ou replicar/compartilhar qualquer vídeo ou foto contendo crianças ou adolescentes despidos e/ou em alguma situação que caracterize pornografia também é crime. Portanto, fique atento. Caso você algo desse tipo, mesmo se for em tom de piada, exclua imediatamente do seu dispositivo eletrônico.

O Abuso sexual intrafamiliar


Esta forma de violência contra a criança e adolescente se configura na mais difícil de ser detectada e consequentemente combatida, pois na maioria das vezes se dá dentro de casa, por parentes próximos ou vizinhos e amigos chegados da família e um dado mais assustador é que a maioria desses abusadores nem sempre são padrastos como se pensava, em uma pesquisa da ABRAPIA ficou constado que os principais abusadores são os pais biológicos.

É muito comum, portanto, crianças serem abusadas e outros membros da família como mãe e irmãos ou irmãs mais velhos protegerem o abusador com medo de represálias, a mãe na maioria das vezes protege o marido ou companheiro por não ter como sustentar a casa caso o marido ou companheiro vá embora.

Romper com os pactos de silêncio que encobrem as situações de abuso sexual é uma das questões cruciais do enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes. Denunciar é o primeiro e decisivo passo, sem o qual nada pode ser feito.

A denúncia e a notificação permite a elucidação de um crime e a responsabilização de seu autor, bem como a proteção e defesa das pessoas envolvidas na situação, principalmente a criança vítima. Isso implica pessoas dispostas a correr riscos e a contribuir para o desmonte desses pactos de silencio que alimentam a impunidade e criam um circo vicioso expondo a vitima a continuar a ser abusada por tempo indefinido.

Os ranckings da barbárie


Negligência e violência psicológica são outras violações registradas. As meninas são as maiores vítimas, com 54% dos casos denunciados. A faixa etária mais atingida é a de 4 a 11 anos, com 40%. Meninas e meninos negros/pardos somam 57,5% dos atingidos. Os números são apenas a ponta de um iceberg, pois há um muro de silêncio em torno desses casos de violência.

Em 2016, nos primeiros quatro meses, 4.953 denúncias sobre exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes, em 2015, foram 6.203 denúncias. Estados com maior incidência: São Paulo, (796), 16% do total nacional. Em seguida, a Bahia, com 447; Minas Gerais, 432; e o Rio de Janeiro, com 407, (SDH, 2016).

A maior parte das vítimas é do sexo feminino: 31% das denúncias indicam violência sexual contra adolescentes de 12 a 14 anos, 20% das denúncias se referem a adolescentes entre 15 e 17 anos, e outros 5,8% de crianças entre 0 e 3 anos. Há relatos em todas as faixas etárias.

Os suspeitos, em sua maioria, são homens (60%). Grande parte das denúncias indicam casos que aconteceram no ambiente familiar: os denunciados são a mãe (12,7%), o pai (10,54%), o padrasto (11,2%) ou um tio da vítima (4,9%). Das relações menos recorrentes entre o suspeito e a vítima são listados também: professores, cuidadores, empregadores, líderes religiosos e outros graus de parentesco.

Quando o caso chega na Igreja: o que fazer?


É muito comum pensarmos que a Igreja está livre desses problemas, mas infelizmente os fatos comprovam que não, o que é pior, parece que este fenômeno esta muito mais presente em nossas igrejas do que nós pensamos.

Vou citar um exemplo que comprova a afirmação acima: Uma psicóloga evangélica que trabalha em um centro de atendimento as vítimas de abuso sexual intrafamiliar ligada a Faculdade de Medicina da USP de São Paulo, incluiu nos formulários das famílias atendidas neste Centro qual a religião da pessoa atendida. Para sua surpresa os números de famílias que afirmaram ser evangélicas foi bem maior do que os de outras religiões. Creio que vale a pena citar em quadro os dados apresentados pela autora como resultado de sua pesquisa.
  • Obs.: Vale ressaltar que como existem muitos católicos nominais o número mais alto de pessoas que confessaram a religião católica se comparado com os evangélicos que se denominam como tal apenas quando frequentam realmente uma igreja.
No detalhamento da pesquisa que nosso espaço não permite citar no momento, as igrejas mais citadas na pesquisa foram as Pentecostais. Em um outro levantamento feito num centro na zona norte de SP os números de famílias que confessam serem evangélicas subiu para 60 % do total de famílias atendidas no Centro-Projeto Sentinela.

Conclusão


Creio que estes dados nos mostram que o assunto chegou dentro de nossas igrejas com mais forças que pensamos e nosso desafio é fazer alguma coisa, ou seja, contribuir para romper com o silêncio que geralmente impera nas famílias onde ocorre algum tipo de abuso sexual.

Não podemos ser omissos neste momento, são crianças que estão sendo vítimas de um tipo de crime que trará marcas profundas para o resto de suas vidas, crianças e adolescentes que terão seu futuro totalmente comprometido e que carregarão marcas profundas em suas almas caso não sejam ajudadas.

Precisamos: 
  • 1) dar a conhecer o Estatuto da Criança e do Adolescente/90, aproximar Conselhos Tutelares, de Direitos, Assistência Social, Saúde, as ONGs e Policias Militar e Civil, dos profissionais da Educação e dos familiares de alunos. Dialogar com o(a)s aluno(a)s. Dialogar com as ovelhas (pais e filhos) sobre os riscos do abuso em todos os ambientes (inclusive os eclesiásticos).
  • 2) Efetivar a implantação dos Planos Municipais de Enfrentamento a violência sexual contra crianças e adolescentes, integralidade das políticas públicas e posicionamento baseado nos princípios dos Direitos Humanos.
Gostaria de concluir esta reflexão com dois textos, um do ECA e outro do Credo Social da Igreja Metodista, que serve como base para qualquer denominação.

O ECA, em seus artigos 245, 13 e 136, indica em parte o fluxo a ser seguido pela revelação/denúncia de maus tratos contra crianças e adolescentes (nos quais se inclui o abuso sexual). O artigo 245 determina que os profissionais e gestores de estabelecimentos de atenção à saúde e de ensino devem (aqui eu incluiria a Igreja) devem comunicar a autoridade competente as situações de maus tratos e define como uma das atribuições do Conselho Tutelar encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou do adolescente.

O Credo Social diz: 
"Em cada época e lugar surgem problemas, crises e desafios através dos quais Deus chama a Igreja a servir. A Igreja, guiada pelo Espírito Santo, consciente de sua própria culpabilidade e instruída por todo conhecimento competente, busca discernir e obedecer a vontade de Deus nessas situações especificas."
Creio que estamos diante de um grande desafio, por um lado, devemos assumir nossa culpa como parte de uma igreja evangélica que ao invés de proteger suas crianças se omite diante de sua violência e por outro lado creio também que Deus nos está chamando para criarmos em nossas comunidades de fé uma grande rede de proteção para que nossas crianças vivam feliz, com respeito e dignidade. Que Deus nos abençoe nesta grande, porém, abençoada, urgente e intransferível tarefa.

[Fonte: Ministério da Justiça - Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil, Brasília, 2002. Coleção Garantia de Direitos. Comitê Nacional de Enfrentamento a Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes. Colóquio sobre o sistema de notificação em violência sexual contra criança e adolescente. Abuso e exploração sexual, uma violação de direitos. Relatório final. Brasília 2004, Garcia, Claudia Fígaro (Psicóloga e psicanalista do CEARAS - Centro de estudos e atendimento relativos ao abuso sexual da FMUSP), Incesto e Religião, Rua Teodoro Sampaio, SP]
  • Eu estou fazendo minha parte. Falei mais sobre este assunto: ➫ aqui, ➫ aqui e ➫ aqui.
A Deus toda glória.
 
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E nem 1% religioso.

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