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quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

FILMES QUE EU VI - 24: "JUVENTUDE TRANSVIADA"

A década de 1950 foi decisiva, em termos culturais, para a história do século XX. Foi nessa época em que o abismo de gerações que provocou a mais profunda mudança de rumo na sociedade ocidental desenhou-se: a tomada de poder (econômico, social e, em última instância, cultural) pelos jovens na década de 60. 

De repente, o mundo começou a perceber que havia uma fissura irremediável entre pais e filhos, entre juventude e meia-idade, entre jovens e velhos. Eram duas gerações que não conseguiam mais dialogar; estavam incomunicáveis.

"Juventude Transviada" ou "Rebel Without a Cause" (Rebelde sem causa, em tradução literal) é um dos principais filmes dos anos 50 sem sombra de dúvidas. Ele soube retratar muito bem a época e consegue manter-se atual até os dias de hoje. 

O diretor


Nicholas Ray (☆1911-✞1979), responsável também por "No Silêncio da Noite" (1950) e "Johnny Guitar" (1954), era até então, ao lado de [Alfred] Hitchcock (☆1899-✞1980), um dos diretores mais bem avaliados pela crítica. O trabalho de Ray nasce do meio de dois outros grandes: "O Selvagem" (1954), e "Ama-me Com Ternura" (1956). 

De fato, "Juventude Transviada" é mais do que um filme. É um símbolo, um ícone, uma afirmação definitiva do cinema como obra de arte. Naquela época, ainda perdurava uma discussão que hoje parece sem sentido: seria o cinema uma forma válida de arte, ou apenas uma linha de montagem de produtos sem valor artístico algum? 

Ray, com competência maestrina, com "Juventude Transviada" veio para dissipar qualquer dúvida, dando uma demonstração inequívoca de que o cinema cumpre, sim, a função social da arte.

Sobre o filme


Trata-se do caso clássico (mas raro) do filme certo feito na hora certa. O longa-metragem de Nicholas Ray, que ao lado de Hitchcock era o diretor mais cultuado entre os críticos franceses da Nouvelle Vague (leia-se Jean-Luc Godard, François Truffaut [☆1932-✞1984] e outros futuros cineastas), mostrou que Hollywood estava em sintonia com as ruas. 

Nicholas Ray percebeu a proliferação de gangues juvenis em Los Angeles e achou que isso daria um bom filme. As gangues eram um fenômeno interessante, mas por trás daquela revolta juvenil havia mais. Havia um movimento contínuo e inconsciente da juventude, que começava a se emancipar e ganhar uma voz, algo que não ocorria nas gerações anteriores.

Ou seja, ele percebeu o crescimento desagradável das gangues de adolescentes e viu nisso um bom roteiro. Além de psicólogos e pedagogos, o diretor falou diretamente com garotos, incluindo Frank Mazzola (☆1935-✞2015) – que deu uma aula sobre a cultura das gangues e participou do filme, trabalhando também na edição do longa. 

Além disso, o filme mostra o afastamento dos pais de meia-idade de seus filhos, outro assunto que estava em vigor: duas gerações que não estavam conseguindo dialogar. Frank Stark, o pai do adolescente, foi interpretado por Jim Backus (☆1913-✞1989) – conhecido por dublar o personagem de desenho animado Mr. Magoo. O seu papel consegue ser tão forte quanto o de Dean, um senhor comandado pela esposa e descontente com tudo ao seu redor.

Sinopse


Bom, a obra começa um tanto quanto lenta, dentro de uma delegacia onde Jim Stark é levado após ter bebido em público (algo inconcebível na época e até hoje em alguns países). Logo após, temos uma cena marcante quando o garoto, bêbado, solta o famoso grito: "You are destroying me!" ("Vocês estão me destruindo!"). Embora assustados, seus pais dão um jeito de o tirarem de lá.

Jim é novato em sua escola e, ao tentar chamar a atenção da turma com um gesto ridículo no meio da aula no planetário, desperta o olhar descontente e perigoso de Buzz Gunderson (Corey Allen [☆1934-✞2010]) – o líder da "turminha barra pesada" do colégio. Mas por outro lado, consegue a amizade verdadeira de Plato (Sal Mineo [☆1939-✞1976]) que estará sempre ao seu lado durante a trama. 

No final da aula, a gangue espera os dois do lado de fora e, sem opção, Jim parte para a ação e prova que não é nenhum covarde aceitando o convite de seu rival para um racha no final do dia, onde um acidente vai mudar a vida de todos os envolvidos.

Judy (Natalie Wood [☆1938-✞1951]) é a namorada de Buzz, mas logo de início, podemos perceber seus olhares de segunda intenção para o belo e inédito garoto da vizinhança. Junto com Jim e Plato, formam um dos principais trios do cinema de todos os tempos. O grupo inseparável marcou essa geração pelo companheirismo e pelo final trágico e marcante deste filme que é um ícone do gênero.

Por fim, o longa mostra a quebra dos pensamentos conservadores do final da 2ª Guerra Mundial. Vale a pena estudar mais sobre o contexto dos anos 50 para entender toda essa rebeldia dos jovens que, ao contrário do título americano, tem causa embasada que se tornaria uma revolução nos anos 60. Com certeza é um clássico do gênero e merece ser assistido não só pelos amantes da sétima arte.

James Dean, James dream


James Dean (☆1931-✞1955) retrata o rebelde adolescente angustiado Jim Stark, um tipo que ainda não havia sido mostrado com tamanha intensidade no cinema. Para completar, um fator extra-filme contribuiu para tornar o longa-metragem mais do que uma obra cinematográfica: a morte de James Dean. 

O ator, Infelizmente, morreu cedo – aos 24 anos num acidente de carro. Um mês antes do lançamento nos cinemas, ele reproduziu na vida real aquilo que seu personagem havia feito no filme: a direção imprudente. Ele repetia, na vida real, uma das grandes cenas de Juventude Transviada. Morria jovem e belo. A união do personagem rebelde que o ator interpretou com a morte precoce produziria um fenômeno da cultura pop. 

Dean virou um dos maiores mitos do século XX, a encarnação perfeita do jovem que vive segundo a filosofia do "viva hoje sem pensar em amanhã". Com isso, tornou-se uma lenda do século 20 e da cultura pop em geral. O acidente fatal de James Dean foi crucial para fazer de "Juventude Transviada" um marco cultural. Afinal, pelo menos duas outras imagens poderosas que simbolizavam a fissura entre jovens e velhos nasciam na mesma época: Marlon Brando (☆1924-✞2004) vestido de couro negro e sentado numa motocicleta, em "O Selvagem" (1954), e Elvis Presley (☆1935-✞1977) em "Ama-me Com Ternura" (1956). A morte James Dean, de certa maneira, o tornou imortal. Virou uma imagem simbólica de rebeldia insaciável. Com o passar dos anos, "Juventude Transviada" apenas reforçaria esse símbolo.

Conclusão


Em relação ao filme, Nicholas Ray fez toda a ação dramática concentrar-se em um período de apenas 24 horas e criou uma abertura engenhosa, com uma longa seqüência em que os três personagens principais, que não se conhecem ainda, se cruzam na Delegacia de Menores de Los Angeles. Jim Stark (James Dean) foi detido por embriaguez, Judy (Natalie Wood) por ter brigado com o pai, e Plato (Sal Mineo), por ter atirado em cães. 

A câmera se detém por alguns minutos em cada, e enfatiza a semelhança entre eles: todos são jovens envoltos em sérios problemas de relacionamento com os pais. O desenrolar da ação fará com que os três se conheçam e vivam uma aventura trágica no dia seguinte, com clímax num cenário espetacular, que evoca a própria situação emocional dos três: uma mansão abandonada.

O filme criou muitas modas, algumas fugazes (durante os meses seguintes, jaquetas vermelhas iguais à de James Dean viraram coqueluche mundial). A obra retrata bem o pensamento e o costume revolucionário dos anos 50 e mostra a rebeldia contra os conservadores nos contexto pós II Guerra Mundial e contra o "manter as aparências", não só no âmbito social, mas também no âmbito familiar. Já se vê nitidamente o rompimento com as instituições familiar e escolar. 

Há vontade nessa juventude de subverter, de emancipar. A ordem é restabelecida pelas velhas instituições: família, Estado e a representação da polícia. Para entender a atitude dos jovens nesse filme é preciso analisar a época e o contexto sócio-histórico. Só assim é possível compreender essa rebeldia que tem causa e ganhará força, culminado na revolução dos anos 60.


  • Título Original: Rebel without a case
  • Ano de lançamento (EUA): 1955
  • Tempo de Duração: 111 minutos
  • Direção: Nicholas Ray
  • Elenco: James Dean, Natalie Wood, Sal Mineo, Jim Backus

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