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segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

EU, VOCÊ, NÓS... E A CORRUPÇÃO

Há pouco mais de um ano, o povo brasileiro assiste, estarrecido, aos escândalos de corrupção. Ontem (04), foi dia de diversas manifestações populares de protesto contra a corrupção. Parece novidade, mas não o é. Fala-se que o povo está cansado de corrupção, mas de que povo estamos falando? Qual o nível de integridade do povo brasileiro? Por que políticos corruptos chegam tão facilmente ao poder? Onde está a corrupção? O que o evangelho de Jesus pode nos ensinar a respeito da missão do cristão diante desta vergonhosa situação? Sobre estas indagações, queremos oferecer algumas provocações, que julgamos oportunas para o momento atual.

Corrupção, nós [não] estamos livres dela?


No Brasil, até um tempo atrás, corrupção era vista como coisa normal; não havia tanta tensão sobre o assunto. Alguns aceitavam, de forma pragmática, o suborno sendo visto como um pouco mais do que "um jeito diferente de fazer negócios". Outros apenas faziam "vista grossa".

Existe, é verdade, essa famigerada cultura do "jeitinho", da malandragem como parte da maneira de ser brasileiro, quase que uma exaltação dessa habilidade da nossa gente de encontrar formas "criativas" para resolver problemas. A corrupção, como ela se manifesta em nosso país, entra também por meio dessa validação cultural e quase que institucionaliza a sua prática.

Com o desenvolvimento econômico do país, a indignação contra a corrupção, de alguma forma, se dilui. Alexandro Salas, diretor para as Américas da Transparência Internacional, diz o seguinte:
"Quando um país começa a ter uma economia mais sólida, é mais fácil ver um cidadão comum perdoando atos corruptos, porque ele não faz um vínculo direto de como a corrupção o afeta. Se agora ele tem um bom trabalho, um carro e se o ministro rouba, ele fica irritado, claro, mas acha que isso não o atinge diretamente."
No ranking internacional de percepção da corrupção, divulgado em janeiro, o Brasil ocupou a 76ª posição, na lista de 2015. Em 2012, no que lista o grau de propinas pagas, o país ficou no 14º lugar - foram 28 países analisados.

Mas, segundo promotores de justiça, quais são  os dez atos de corrupção mais presente no dia-a-dia do cidadão comum? Seja sincero e analise com a prática de qual (ou quais) dessas você "se identifica": 
  • Não dar nota fiscal;
  • Não declarar Imposto de Renda;
  • Tentar subornar o guarda para evitar multas;
  • Falsificar carteirinha de estudante;
  • Dar/aceitar troco errado;
  • Roubar assinatura de TV a cabo, internet, água e/ou luz;
  • Furar fila;
  • Comprar produtos falsificados;
  • No trabalho, bater ponto pelo colega;
  • Falsificar assinaturas.
Pois é, gente. Aceitar essas pequenas corrupções legitima aceitar grandes corrupções. Seguindo esse raciocínio, seria algo como um menino que hoje não vê problema em colar na prova ser mais propenso a, mais para frente, subornar um guarda sem achar que isso é corrupção.

Em seu livro "Dando um Jeito no Jeitinho" (Editora Mundo Cristão, 248 páginas, 2000), Lourenço Stelio Rega apresenta o que ele chama de ciclo vicioso da corrupção que se inicia no descaso das autoridades que leva o povo a sentir-se no direito de transgredir a norma e, por conseguinte, dar um "jeito", pagando suborno para não ser punido. O pagamento de suborno a uma autoridade pública reestimula a corrupção, gerando impunidade e fechando, assim, o círculo.

O antropólogo Roberto DaMatta defende que essa prática sistêmica é uma forte razão pela qual o brasileiro é complacente com a corrupção na política, por exemplo. Nas palavras dele, "uma sociedade de rabo preso não pode ser uma sociedade de protesto". Concordo com ele. Tem muita gente que vai para ruas levantar bandeiras contra a corrupção, que não perde a oportunidade de "dar um jeitinho".

O ex-secretário geral das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan, certa vez disse:
"A corrupção é uma praga insidiosa que tem um largo espectro de efeitos corrosivos nas sociedades. Ela sabota a democracia e o texto da lei, leva a violações dos direitos humanos, distorce os mercados, corrói a qualidade de vida e facilita o crime organizado, terrorismo e outras ameaças ao florescimento da segurança da humanidade.  
A corrupção fere o pobre desproporcionalmente através dos desvios de fundos que deveriam ir para o desenvolvimento, compromete a habilidade do governo em prover serviços básicos, alimenta a desigualdade e a injustiça, além de desencorajar a ajuda e o investimento externo. Corrupção é o elemento chave no mau desempenho das economias e o principal obstáculo ao desenvolvimento e ao combate à pobreza" (grifos meus).

A corrupção [é sempre] dos outros (?)


Geralmente, imputa-se a uma pessoa, grupo ou partido o mal da corrupção. A mídia dá esta ênfase. Atualmente, a culpa da crise que assola o país é do PT, ex-partido do governo. A oposição, aproveitando-se da situação que lhe parece favorável, fala de ética e de combate à corrupção. Alguns políticos falam como se não devessem boas explicações à Justiça por causa de seus crimes não apurados. Pessoas da situação e da oposição estão metidas na corrupção, e esta não faz parte somente da história recente do Brasil, mas é inerente às relações humanas e institucionais desde que o homem inventou de viver em sociedade.

Por isso, a corrupção não é problema de uma pessoa, grupo ou partido, mas de um sistema político falido, ultrapassado e, consequentemente, arcaico. Sistema que já nasceu viciado. No fundo, os que mais lucram com ele, na verdade, não querem reformá-lo, reinventá-lo ou pensar outras formas mais eficientes de fazer política. Neste sentido, o que podemos chamar de conversão política deve surgir das bases, do povo. Considerando que o povo está mal representado, não podemos esperar que os maus representantes façam uma reforma política que vise o bem comum. Este bem comum não é considerado.

Isto parece ser o âmago da questão: A necessidade de uma reforma política promovida a partir do povo, democraticamente. Fora disso, não há mecanismos de controle e de anticorrupção que deem conta de erradicar os desvios de conduta na política. Tudo continuará do mesmo jeito. Novos desvios surgirão e os mais pobres do povo continuarão sendo aqueles que mais sofrem, que mais sentem as consequências de tais desvios. 

Não basta que o Judiciário julgue, contemplando o devido processo legal e suas garantias legais e, portanto, constitucionais. Algo mais é preciso fazer: Reformar o sistema, tendo em vista o bem comum, a vida do povo brasileiro. Um sistema viciado, inevitavelmente, é caminho aberto para a corrupção e são poucos os humanos que resistem às tentações do poder, do prestígio e da riqueza.

Trazendo a questão para o âmbito pessoal e interpessoal, cremos que toda pessoa poderia se perguntar: Eu sou contra a corrupção e a condeno, mas eu sou honesto e transparente comigo mesmo e com os outros?... Não é difícil encontrarmos pessoas incoerentes, ou seja, acusam os corruptos e corruptores, sendo que elas mesmas estão atoladas até o pescoço na corrupção. 

Na sala de aula, o aluno acusa o deputado fulano, mas na hora da prova não perde a ocasião para "colar”; no supermercado, o dono acusa o senador beltrano, mas os preços de suas mercadorias são exorbitantes; na Igreja, o pastor afirma que a culpa da crise é exclusivamente do governo, mas se utiliza da palavra de Deus para arrancar dinheiro do bolso de seus fiéis; e, assim, tantos outros exemplos poderiam ser mencionados.

Todo ato isolado de corrupção repercute, inevitavelmente, no todo da coletividade. Toda pessoa corrupta prejudica a si própria e à sociedade na qual está inserida. A tendência à corrupção parece generalizada. Por isso, é preciso ser vigilante. Os apelos oriundos das propostas são fortes porque oferecem vantagens que asseguram uma vida fácil e cômoda. Numa sociedade em que se busca cada vez mais o conforto, tirar vantagem em tudo parece ser coisa normal. 

Fala-se que o mundo é dos mais espertos. Por trás dessa esperteza está a astúcia daqueles que não tem consciência política do bem comum: egoístas e materialistas, que não se satisfazem com pouca coisa. Querem sempre mais, são insaciáveis em seus desejos e ambições.

Conclusão


Quem professa a fé cristã sabe que o Evangelho é a lei que rege a comunidade dos seguidores de Jesus de Nazaré. Diante do sistema opressor que ceifava a vida dos pobres de seu tempo, Jesus ensinou o remédio da fraternidade. Trata-se de um remédio que cura e liberta da corrupção. Nesta, vigoram os interesses pessoais e corporativistas; na fraternidade, vigora o amor que gera comunhão, igualdade, liberdade e participação. Na corrupção, as pessoas são escravas do dinheiro, do prestígio e do poder. Elas tendem a dominar e, assim, subjugar umas às outras. Na fraternidade, há o interesse pela preservação e promoção da justiça, que tem como frutos, entre outros, a dignidade da pessoa humana e a paz.

Na fraternidade, as pessoas aprendem o valor e o lugar do outro. Este não é um inimigo a ser vencido e/ou eliminado, mas um irmão e companheiro de caminhada. A participação na vida do outro acontece por meio da amizade e da cultura do encontro. Encontrar-se com o outro é colocar-se à sua disposição, numa atitude de serviço. A fraternidade é alicerçada na cultura da solidariedade, que vence a cultura da indiferença e da eliminação do outro.

Eis, portanto, a saída para as inúmeras crises que assolam a humanidade neste presente século XXI: A instauração de relações verdadeiramente fraternas e, por isso mesmo, promotoras da justiça e da paz. Todos anseiam por justiça e paz. Estas só são possíveis quando nos convencermos da necessidade de sermos fraternos. Ser fraterno é ser com o outro e para o outro. A paz é fruto da justiça e esta é fruto da fraternidade. Sejamos, pois, fraternos e, certamente, uma nova humanidade surgirá!

[Fonte: Exame, JusBrasil]

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