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sexta-feira, 15 de julho de 2016

QUEM FOI QUE DISSE QUE TEM RACISMO NO BRASIL?

"Eu não aguento mais tanto preconceito contra nós brancos. Desde os primórdios nós sofremos apenas por termos pouca melanina. Só quem é branco sabe o que é isso, a gente mata um leão por dia. 
Lembro quando eu era criança e era chamado de branquelão fedorento, um trauma que eu carrego comigo até hoje. E quando os negros ofendiam o meu cabelo liso então? Eu ainda fico muito inseguro com meu cabelo por ser liso, me deprime as piadinhas sobre ele. 
Um dia eu estava saindo do supermercado e quando estava tentando abrir o carro veio um policial negro já me mandando colocar as mãos na cabeça, achando que eu estava tentando roubar. E quantas vezes eu já fui parado em blitz por 'atitude suspeita' só por ser branco!? Além de tudo, tive que escutar dos policiais 'o que um brancão feito você tá fazendo em um carro assim?'. 
Eu também não aguento pessoas negras que trocam de calçada só para não passarem perto de mim, porque sou branco e o branco é associado ao crime. Mesmo eu sendo um pai de família, as pessoas sempre associam a cor da minha pele a bandidagem. 
Um dia estávamos minha mulher, meu filho e eu no shopping. Fui ao banheiro e meu filho ficou na porta de uma loja onde minha mulher estava. Quando eu estava voltando do banheiro, presenciei a cena mais horrível da minha vida: a vendedora negra batendo palmas dizendo para meu filho 'ô branquinho, sai daqui que não pode vender nada na porta da loja, não'. 
Tive muita dificuldade em arrumar emprego. Sempre que leio o requisito 'boa aparência', eu sei que o branco ali não tem vez, porque sempre terá um negro alto e forte concorrendo a vaga, e todos nós sabemos qual será a escolha do empregador. Não dá para competir com um negro alto e forte. 
Na faculdade todos duvidam da minha capacidade, porque para eles branco só serve para ser gari, faxineiro ou segurança. Nós brancos somos obrigados a provar todos os dias que somos tão capazes quanto os negros privilegiados e filhinhos de papai. 
As pessoas negras não querem perder seu privilégio. Num debate na faculdade, a maioria deles se dizia contra as cotas raciais para nós brancos, porque 'as cotas raciais para brancos são racismo'. Isso mesmo, numa sala de 60 pessoas, 58 são negras e apenas eu e meu colega somos brancos, e isso ninguém vê. 
Também somos obrigados a ouvir que 'sou contra as cotas raciais, todos tem condições', e esta frase na maioria das vezes é dita por um negro filhinho de papai que estudou a vida inteira em escola particular. 
O Brasil é um país muito racista. Quantos médicos brancos, advogados brancos, engenheiros brancos você conhece? Pouquíssimos! Basta ver os números e reparar que os piores índices são de nós brancos. 
Ser branco é muito difícil, cada dia que passa é uma vitória. Mas mesmo assim tenho a esperança de que um dia seremos reconhecidos e respeitados. Sonho com o dia em que todos perceberão que a cor da pele não quer dizer nada, e que todos somos iguais, mesmo sendo diferentes."

O racismo em termos gerais



Racismo é a crença que as pessoas possuem características inatas, biologicamente herdadas, que determinam seu comportamento. A doutrina do racismo afirma que o "sangue" é o marcador da identidade étnica-nacional, ou seja, dentro de um sistema racista o valor do ser humano não é determinado por suas qualidades e defeitos individuais, mas sim pela sua pertinência a uma "nação racial coletiva". 

Neste modo de ver o mundo, as "raças" são hierarquizadas como "melhores" ou "piores", “acima" ou "abaixo". Muitos intelectuais do final do século 19, incluindo alguns cientistas, contribuíram com apoio pseudocientífico ao desenvolvimento desta falsificação teórica, tais como o inglês Houston Stewart Chamberlain, e exerceram grande influência em muitas pessoas da geração de Adolf Hitler.

O racismo em termos históricos e sociais



Atualmente sabe-se que "raça" não existe em termos biológicos, apenas sociais.

Embora o racismo ainda não seja um assunto discutido abertamente entre os brasileiros, percebe-se que o preconceito sobre os negros e os seus descendentes encontra-se na história recente do Brasil, principalmente nos três séculos de escravidão, e pelas escassas políticas de inserção desses sujeitos na sociedade, especialmente após a Abolição da Escravatura em 13 de maio de 1888. 

Desde o século XVI, quando os negros oriundos das várias partes da África começaram a desembarcar na América portuguesa de forma forçada para trabalhar nas lavouras de cana-de-açúcar e nas minas de ouro, começou um longo período de usurpação da sua liberdade, gerando graves consequências para o seu status social. 

Vale destacar que alguns negros e mestiços trabalhavam nos centros urbanos, conhecidos como escravos de ganho, e nas ruas desempenhavam diferentes funções, tais como carregadores de água, sangradores, barbeiros e vendedores de doces, frutas e outros quitutes. Apesar desses escravos não estarem nas fazendas ou nas minas e desempenharem outras atividades, eles não estavam isentos do estigma de serem escravos e dificilmente conseguiam ascender socialmente e atingir status sociais dos homens e mulheres brancos. 

O negro e o mestiço dificilmente conseguiam igualar-se ao homem branco. O "mundo da senzala" sempre esteve muito distante do "mundo da casa grande". Para alcançar pequenas regalias, fosse como escravo ou como homem livre, os descendentes de negros precisavam ocultar ou disfarçar seus traços de africanidade, já que o homem branco era apresentado como padrão de beleza e de moral. 

Em outras palavras, para que os negros se sentissem aceitos, faziam o possível para ocultar seus traços afrodescendentes, para que conseguissem algum benefício de seu senhor.

O racismo sob os conceitos religioso e "científico"


Entre as justificativas para a dominação dos negros africanos, e consequente submissão à condição de escravos, eram utilizados duas linhas de pensamento, a saber, religiosa e "cientifica". A primeira perpassou pela explicação bíblica que apontava a maldição de Caim, a qual recaiu sobre os negros africanos. Tal explicação discorria da seguinte forma:

Os filhos de Noé, que saíram da arca, foram estes: Sem, Cam e Jafé; e Cam é o antepassado de Canaã. Estes três foram os filhos de Noé, e a partir deles foi povoada a terra inteira. Noé, que era lavrador, plantou a primeira vinha. Bebeu o vinho, embriagou-se e ficou nu dentro da tenda. Cam, o antepassado de Canaã, viu seu pai nu e saiu para contar a seus dois irmãos. 

Sem e Jafe, porém, tomaram o manto, puseram-se sobre seus próprios ombros e, andando de costas, cobriram a nudez do pai; como estavam de costas, não viram a nudez do pai. Quando Noé acordou da embriaguez, ficou sabendo o que seu filho mais jovem tinha feito. E disse: "Maldito seja Canaã. Que ele seja o últimos dos escravos para seus irmãos". E continuou: "Seja bendito Javé, o Deus de Sem, e que Canaã seja escravo de Sem. Que Deus faça Jafé prosperar, que ele more nas tendas de Sem, e que Canaã seja seu escravo" (Gênesis 9:20-27).

Desta forma, baseados em argumento bíblico, os homens se apropriaram dessas ideias e passaram a justificar a escravidão dos diversos povos da África. Sendo assim a igreja católica e o estado sempre defenderam a posição superior dos brancos, valendo-se de leis e convenções que lhes garantiam os melhores cargos, títulos e privilégios.

Já a segunda explicação baseou-se nas teorias do naturalista Charles Darwin (1809-1882), principalmente entre as nações europeias do final do século XIX e início do século XX, que recorreram às teorias evolucionistas para justificar a nova expropriação no continente africano, através do Imperialismo. Os indivíduos envolvidos nesse neocolonialismo carregaram o pensamento de Darwin com valores morais e passaram a associar as características físicas e intelectuais dos negros numa escala evolutiva, na qual estavam na base e os brancos no topo do processo evolutivo.

Vinculados e legitimados pela biologia, a grande ciência desse século, os modelos darwinistas sociais constituíram-se em instrumentos eficazes para julgar povos e culturas, a partir de critérios deterministas, e, mais uma vez, o Brasil surgia representado como um grande exemplo; dessa feita, um "laboratório racial".

O efeito das teorias raciais no Brasil possibilitou que o negro fosse associado a todas as características nocivas do caráter humano e essas teorias ajudaram, portanto, aos interesses dos senhores de escravos e das elites em ascensão no Brasil republicano. Foi, assim, baseado em preceitos bíblicos e nas teorias evolucionistas, que a imagem do negro brasileiro foi sendo construída na sociedade brasileira. 

Lei Áurea: uma utopia social


Sabe-se que houve algumas medidas para acabar com a escravidão, por exemplo, como a Lei do Ventre Livre (1871) e a Lei dos Sexagenários (1885). Contudo, o fim da escravidão ocorreu somente em 13 de maio de 1888, com a assinatura da Lei Áurea. Nesse momento os negros passaram a ficar em situação de igualdade com o homem branco, ou seja, saíram da condição de "mercadoria" ou de subjugação e passaram a conviver livremente com o restante da população. 

Porém, a lei Áurea não resultou numa superação das mentalidades escravocratas das elites brasileiras. Observou-se que a liberdade não proporcionou a igualdade social e, desse modo, o preconceito começou a tomar outras proporções a partir desse instante, especialmente com a entrada gradativa dos imigrantes europeus no Brasil e a proclamação da República (1889), que passou a utilizar a mão de obra assalariada e especializada. Dessa forma, nessa nova conjuntura político-social admitia-se a adoção do trabalho assalariado, mas recusava-se a assalariar o negro. 

A estudiosa Ana Luisa Valente apontou que: "O 'problema negro' foi gerado com as formações capitalistas. Durante a escravidão, o negro era coisa, uma mercadoria, era considerado não-humano e não tinha com quem competir nessa situação. Somente depois de os negros tornarem-se livres e passarem a disputar posições com os imigrantes e com outros brancos é que o preconceito e a discriminação raciais passaram a ser utilizados como armas da competição." 

Denis de Oliveira, ao explicar o papel da elite capitalista na sociedade republicana no final do século XIX e início do século XX, fez a seguinte afirmação: "os regeneradores do rebanho brasileiro introjetaram práticas racistas em todo o tecido social do país [...]". O racismo, na opinião do autor, foi o mesmo que legitimou e justificou socialmente a escravidão e serviu para o autoritarismo das elites brasileiras. 

Livre, mas marginalizado


Entende-se que o individuo negro continua, então, a ser visto como problema e algo negativo. Denis de Oliveira aponta também que "o branqueamento se articulou não somente com a importação de mão de obra, mas também com o estabelecimento de políticas voltadas ao extermínio da população não branca". Desse modo, a política republicana reforçou os esquemas de dominação herdados do período colonial. Diante disso, os negros tiveram dificuldade de se organizar na nova situação. A falta de preparação para a sua libertação a fim de que a assumisse com dignidade, apenas, trouxe-lhes consequências inexequíveis tais como: sua marginalização, seu descrédito, sua despersonalização, levando-o a ter vergonha de si próprio. 

Percebe-se que esta ideologia do racismo manteve a sua estrutura fundamental, só alterando as formas da sua manifestação. No período da escravidão, os negros eram sem alma, eram não humanos, portanto passiveis de serem tratados de forma desumana; na transição da escravidão para o assalariato, os negros eram incompetentes para trabalhar no novo sistema de contratação, portanto passives de serem excluídos do mercado formal de trabalho; em seguida, os negros tinham como alternativa de inserção social a assimilação dos valores brancos inclusive pelo mascaramento de características visíveis da sua origem via miscigenação.

A partir desse pensamento, o negro brasileiro travou uma luta diária para conseguir sair das situações de desconforto em decorrência da sua cor. E, para ser aceito, procurou de todas as formas assimilar os valores do branco. 

O racismo velado na sociedade brasileira


Muitos afirmam, embasados no conceito da democracia racial, que o preconceito contra os negros e seus descendentes não existe no Brasil: o que se presencia são apenas brincadeiras, ou seja, não se caracterizam como racismo. Diante disso, percebe-se que as brincadeiras e chacotas direcionadas aos negros resultam em vários tipos de violência, entre elas, física e psicológica. 

Na verdade, elas traduzem que os negros na sociedade brasileira não são respeitados. São considerados ignorantes, raça inferior, sujos e perigosos. Diante disto, apreende-se que as brincadeiras, na verdade, estão carregadas de preconceito. 

Pode-se apontar, ainda, que o racismo é um dos fatores que gera agressões aos negros e seus descendentes. Essa violência pode ser uma abordagem truculenta da polícia ou mesmo o assassinato de um jovem inocente, principalmente pela sua origem social e cor. 

Corroborando com essa situação, recentemente um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apresentou dados críticos sobre a situação dos negros na sociedade brasileira. Segundo os números levantados, as chances de um negro ser assassinado no Brasil é muito maior do que as de uma pessoa que não é negra: 
"A maioria dos homicídios que ocorrem no Brasil atinge pessoas jovens: do total de vítimas em 2010, cerca de 50% tinham entre 15 e 29 anos. Desses, 75% são negros". 
Outro estudo, "Vidas Perdidas e Racismo no Brasil", apontou que, além da situação socioeconômica e do acesso desigual às políticas públicas, também o racismo da sociedade brasileira tem influência direta nos elevados índices de mortes violentas de negros. 

Outra pesquisa, realizada em 2013, destacou:
"O negro é duplamente discriminado no Brasil, por sua situação socioeconômica e por sua cor de pele. 'Tais discriminações combinadas podem explicar a maior prevalência de homicídios de negros vis-à-vis o resto da população'". 
O relator da Organização das Nações Unidas (ONU), Doudou Diène, ao ser questionado sobre o racismo no Brasil, fez a seguinte afirmação:
"O racismo é uma construção que tem uma extensão intelectual muito intensa, que impregnou a mentalidade das pessoas. Portanto, tiro duas conclusões preliminares sobre a pergunta. Uma é que o racismo certamente existe no Brasil e a outra é que ele tem uma dimensão histórica considerável."

A hipocrisia mascarada



Depreende-se que a questão do preconceito de cor continua latente na sociedade brasileira. Verdadeiramente o Brasil sempre procurou sustentar a imagem de um país cordial, caracterizado pela presença de um povo pacífico, sem preconceito de raça e religião. Sempre interessou ao homem branco a preservação do mito de que o Brasil é um paraíso racial, como forma de absorver as tensões sociais e mascarar os mecanismos de exploração e de subordinação do outro, do diferente.

A ideologia da inferioridade dos negros, que foi forjada durante séculos pelos europeus e as elites brasileiras através das teorias de cunho teológico e/ou "científico", levou-o a viver sempre a mercê da sociedade, porém eles foram criando estratégias para exercer plenamente a sua cidadania. 

Esse processo forjou uma imagem negativa do negro, fazendo do mesmo um "marginalizado" diante da sociedade brasileira, muitas vezes não tendo chances de progredir economicamente e socialmente. 

Nas últimas décadas, observa-se que os negros estão buscando se inserir mais na sociedade brasileira exigindo os seus direitos e, especialmente, participar na transformação da sociedade, seja culturalmente, politicamente e socialmente. 

Conclusão


Desde a inserção do negro africano na América portuguesa, as práticas racistas tiveram como justificativas as teorias Teológicas e, posteriormente, "cientificas". Sabe-se que, nos últimos anos, a ciência busca desmistificar essas explicações, demonstrando que não há diferenças biológicas entre os seres humanos. 

Pode-se concluir que o preconceito contra negros e seus descendentes é oriundo de um contexto histórico de usurpação dos seus direitos e de uma construção paulatina de subjugação a partir da sua cor. O Brasil não vivenciou situações de discriminação latente como as da África do Sul (Apartheid) e, por isso, muitos brasileiros afirmam que o Brasil não é um país racista. 

No Brasil há um racismo camuflado, disfarçado de democracia racial. Tal mentalidade, se pensarmos bem, é tão perigosa quanto aquela que é assumida, declarada.

O racismo está intrínseco entre os brasileiros. A incidência do preconceito pode não ser tão evidente para alguns, mas ele não deixa de existir. Dessa forma, podem ter mudado os sistemas econômicos, as relações de trabalho e as formas de opressão, porem os negros continuam a ser ideologicamente definidos como inferiores.

Embora mais de um século já tenha se passado desde a abolição da escravatura, pouco mudou em relação à situação do negro na sociedade. O combate ao racismo ainda é um desafio para o estado e as entidades não governamentais. O Brasil ainda possui uma cultura muito forte de estereótipos e, o que vemos na atualidade, sendo noticiado pela imprensa no país, é o impacto negativo da escravidão e da colonização que resultou em diversas consequências para a população afro-brasileira. 

É importante dizer, também, que outras pesquisas devem ser realizadas a fim de que a reflexão sobre esse problema social favoreça a superação do preconceito nas relações humanas. No Brasil, pretende-se eliminar o preconceito e o racismo através de criação de leis, porém, é importante dizer também que é necessária, além da conscientização, a educação, que é o principal instrumento que poderá trazer esclarecimento a todos.

[Fontes de pesquisas: SciELO, Direito Net, InfoEscola]

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