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domingo, 6 de abril de 2025

TEOLOGANDO — DINHEIRO: MALDITO OU ABENÇOADO? DEPENDE DO BOLSO DE QUEM ELE ESTÁ

"Mas é grande ganho a piedade com contentamento. Porque nada trouxemos para este mundo, e manifesto é que nada podemos levar dele. Tendo, porém, sustento, e com que nos cobrirmos, estejamos com isso contentes. 
Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína. 
Porque o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores" (1 Timóteo 6:6-10 — grifo meu).
A letra de uma clássica canção da MPB, de autoria do cantor e compositor Paulinho da Viola diz:
'Dinheiro na mão é vendaval
É vendaval
Na vida de um sonhador
De um sonhador
Quanta gente aí se engana
E cai da cama
Com toda a ilusão que sonhou
E a grandeza se desfaz
Quando a solidão é mais
Alguém já falou...

(...)

...E aí dinheiro na mão é vendaval
Dinheiro na mão é solução
E solidão'

["Pecado Capital", Paulinho da Viola]
Não é preciso ser fã do cantor/compositor e nem gostar da canção para chegar à conclusão que a letra dela é de uma inquestionável veracidade real e atemporal. 

O tema dinheiro e posses é tratado por Jesus em dezesseis das dezoito parábolas que estão apresentadas nos evangelhos. Em toda a Bíblia temos mais de 2.350 versículos abordando estes temas. 

E é sobre este tema paradoxal, controverso e polêmico, que iremos tratar neste segundo capítulo da série especial de artigos Teologando.

Como Surgiu o dinheiro


De acordo com Pierre Briant, no livro "From Cyrus to Alexander: A History of the Persian Empire (De Ciro a Alexandre: Uma História do Império Persa, em livre tradução)", o dinheiro surgiu aproximadamente no século VII a. C., na região do atual Irã, para facilitar a troca de bens e serviços da população.

Com essa invenção, as pessoas não precisavam mais possuir um bem exato que despertava interesse ou satisfazia a necessidade do outro, era necessário apenas entregar a moeda.

Com a nova invenção, as pessoas passaram a conseguir mais bens e serviços, gastando menos tempo para realizar trocas comerciais. A moeda se torna um depositório de valor, nela está depositado um valor de troca comum a toda uma sociedade. Esse é o começo do capital econômico.

Com o passar do tempo, alguns problemas foram surgindo: moedas foram sendo falsificadas; reinos perdiam sua estabilidade política e suas moeda perdiam valor e
outros povos não aceitavam as moedas de outros.

Para resolver essa questão, as sociedades antigas chegaram a uma conclusão: lastrear o valor das moedas em minérios especiais, aponta o livro "Casa da Moeda do Brasil: 290 anos de História, 1694/1984".

Um dos principais motivos da escolha é que praticamente todos os reinos da região da Pérsia desejavam esses metais para diversos fins e esses metais tinham uma certa escassez (o que ajudava na proteção das moedas contra falsificações).

Outros motivos eram a durabilidade dos metais que faziam as moedas durarem mais tempo. Quando os reinos da região de Satrapia chegaram a um acordo sobre essa questão, esses metais se transformaram no lastro do dinheiro, as substâncias que garantiriam o valor da moeda.

Surgimento do dinheiro papel-moeda


O dinheiro em papel surgiu a partir dos bilhetes que comprovavam o depósito de moedas em uma instituição. Esse costume teve início na China do século VII, aponta Alexandre Versignassi no livro "Crash: uma breve história da economia: da Grécia Antiga ao século XXI".

Ao invés de levar suas moedas feitas de pedras preciosas, as pessoas entregavam o comprovante de que possuíam moedas e elas estavam protegidas em um banco.

Esse costume se multiplicou a tal ponto que o dinheiro papel-moeda passou a ser o mais usual, dando início às notas de dinheiro.

Atualmente, as transferências bancárias digitais como o pix são a nova inovação do dinheiro, mostrando a evolução orgânica dessa realidade financeira.

Entendido isso, vejamos o que nos diz a Bíblia sobre as questões financeiras.

O dinheiro à luz da Bíblia


Uma das parábolas contadas por Jesus mais conhecidas é a dos talentos (Mateus 25:14-30). É a história de três servos que receberam respectivamente cinco, dois e um talentos (um talento equivalia entre trinta e trinta e cinco quilos de prata, por volta de R$120.000,00 nos dias de hoje). 

A parábola relata que os dois servos com mais talentos aplicaram o dinheiro, dobrando os recursos a eles confiados. Já o outro servo, temendo perder o dinheiro de seu senhor, enterrou o talento conforme a lei rabínica à época.

Esta parábola nos mostra uma abordagem diligente sobre o uso dos recursos financeiros que nos são confiados. Aborda a astúcia de dois servos que, numa visão empreendedora de geração de riqueza, multiplicaram o dinheiro de seu senhor, contrastando com o medo paralisante do outro servo que enterrou os talentos a ele confiado, devolvendo exatamente o mesmo valor ao seu senhor. 

O fato, ou a moral da história, é que os servos diligentes foram recompensados com muito. Já o servo negligente foi punido e tudo lhe foi tirado.

Mamom, o deus das riquezas


Mammon (aramaico: מָמוֹנָא, māmōnā) no Novo Testamento, citado em Mateus 6:34 e Lucas 16:13, é comumente pensado para significar dinheiro, riqueza material, ou qualquer entidade que prometa riqueza, e é associado com a busca gananciosa de ganho. 

O dinheiro, convertido em ídolo absoluto, é para Jesus o grande inimigo do projeto humanizador de Deus. Daí seu grito provocativo: 
"Não podeis servir a Deus e ao dinheiro". 
A lógica de Jesus é contundente. Deus não pode ser Pai de todos sem reclamar justiça para aqueles que são excluídos de uma vida digna. Por isso não podem servi-lo aqueles que, dominados pelo Dinheiro, afundam injustamente seus filhos e filhas na miséria e na fome. 

Jesus está falando dos círculos herodianos e dos poderosos proprietários de terras de Séforis e Tiberíades, e das grandes famílias sacerdotais do bairro residencial de Jerusalém. Ele vê no Dinheiro um ídolo monstruoso que ele chama de Mamona.

Parece que se chamava mamona — dinheiro que dá segurança — ao tesouro de moedas de ouro e prata acumuladas pelos ricos para proporcionar-lhes segurança, poder e honra. 

Era impossível entesourar mamona nas aldeias da Galileia, onde só alguns podiam fazer-se com moedas de bronze e cobre, de escasso valor, e onde a maioria subsitia intercambiando seus produtos do campo. 

O que Jesus nos revela aqui é que o dinheiro é um poder. Este termo deve ser compreendido não no sentido vago de força, mas no sentido muito específico, corrente no Novo Testamento. toda a obra de Mamom é rigorosamente inversa à obra de Deus. 

Dada essa oposição de símbolo, compreende-se porque Jesus estabelece a escolha entre Mamom e Deus. Ele não propõe qualquer outra potência, qualquer outra divindade: mas aquela que se opõe diametralmente à ação de Deus, aquela que faz com que a “não-graça” reine sobre o mundo.

Conforme vimos no de abertura deste texto, o apóstolo Paulo afirma que o amor ao dinheiro  — não o dinheiro em si  — é raiz de todos os males. Por que será que nenhuma sociedade escapa dos grandes males criados pelo sucesso? 

A resposta estaria no fato que o narcisismo acaba minando todos os valores. O servo dessa preocupação com nosso bem-estar é o dinheiro, que tem a força para nos captar em sua rede, do mesmo modo que um animal é capaz de tirar sua própria perna para se libertar de uma armadilha.

Não ignoramos que o dinheiro é um valor que pode abençoar quem recebe ou dá. Paulo escreveu em sua Segunda Carta aos Coríntios sobre a importância do dinheiro para socorrer os necessitados (caps. 8 e 9).

Queremos entender melhor o que a Bíblia tem para nos dizer a respeito dessa tão útil e perigosa ferramenta, que pode tanto fazer o bem como o mal.

A bênção do dinheiro


Quando Deus criou o homem, abençoou-o e deu a ele o privilégio de dominar, mas sempre como mordomo do Senhor (Gênesis 1:28). Após a queda, o desejo pelo domínio cresceu e rapidamente a humanidade se esqueceu da responsabilidade de usar as coisas materiais para a glória de Deus e para o bem de todos.

Quando Jesus ensinou que é mais abençoado dar do que receber (Atos 20:35), não é dito que é necessário receber primeiro para poder dar. A fonte de tudo que recebemos é Deus. 

Sua generosidade se manifesta todo dia em que ele providencia as condições para produzir suprimentos de toda espécie para manter a vida, além de tudo que seja útil para manter a proteção e conforto. Toda atividade econômica depende do Criador que supre as condições necessárias para realizá-la.

Deus nos criou para gozar de vida corpórea e espiritual. Posses devem sustentar a vida do corpo ― casa, alimento, transporte e fornecer mil outros produtos. Os livros que comunicam a verdade eterna às nossas mentes são apenas um exemplo. 

Paulo refere-se à bondade de Deus ao declarar para o povo de Listra, 
"não se deixou ficar sem testemunho de si mesmo, fazendo o bem, dando-vos do céu chuvas e estações frutíferas, enchendo o vosso coração de fartura e de alegria" (At 14:17). 
A bênção de Deus sobre o mundo material, em benefício do homem, é um sinal do amor de Deus por todos. Dinheiro fornece um meio eficiente para distribuir os benefícios doados por Deus e repassar a fartura para os necessitados.

Jesus confrontou o jovem rico com a surpreendente declaração de que somente vendendo tudo que tinha e dando o resultado aos pobres teria o privilégio de ser discípulo e ganhar a vida eterna (Marcos 10:21). 

A bênção seria rejeitar o amor ao dinheiro e, em seu lugar, alcançar um amor real pelo próximo. O sacrifício material no tempo presente garantiria a bênção maior no futuro — "terás tesouro no céu". O galardão que aguarda todos que ajuntam tesouros no céu é glorioso e seguro (aí não há ladrões, nem qualquer tipo de destruição de perda, Mt 6:20). 
"Onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração” (v. 21).
Fica claro que a única maneira de mandar riqueza para o céu é usando dinheiro para beneficiar os necessitados; pode ser materialmente ou espiritualmente. 

Dar generosamente aos necessitados é o melhor de todos os investimentos. Seu retorno será grande e sua felicidade eterna.

A maldição do dinheiro


O apego aos valores materiais assedia a maioria dos homens. Possuir dinheiro e tudo que ele pode comprar dá satisfação e segurança. O desejo de adquirir mais do que necessitamos alimenta o egoísmo natural que faz parte do mundo que a Palavra de Deus nos proíbe amar (1 João 2:15). 

O avarento não tem herança no reino de Deus (1 Co 6:10). De fato o amor ao dinheiro é raiz de todos os males (1 Tm 6:10). Basta notar a frequência de notícias de corrupção nos altos escalões do governo para perceber que dinheiro é uma forte fonte de tentação.

A maldição das posses é muito sutil. Poucas pessoas reconhecem o seu perigo. A maioria pensa que ganhar mais dinheiro demonstra a bênção de Deus sobre a vida. 

Em alguns casos, é verdade. Mas, na realidade, a falta de dinheiro pode ser o caminho da bênção, porque humilha, rebaixando os homens ao nível de mendigos. 

Tornam-se dependentes da graça de Deus, e alvos do amor dos irmãos na fé. A maldição invade nossas igrejas se não há generosidade. A prática da igreja de Jerusalém não nos incentiva a cuidar dos órfãos e viúvas, mesmo diante da declaração que "religião pura e sem mácula" é cuidar dos órfãos e viúvas (Tiago 1:27).

Um dos casos bíblicos mais impressionantes relata a consequência maldita da mentira de Ananias e Safira (At 5:1-11). Esse casal crente, da igreja de Jerusalém, vendeu uma propriedade. 

A avareza os levou a concordar em reter uma parte do preço e oferecer a Deus o resto. Mentiram, afirmando que a quantia depositada “aos pés dos apóstolos” era o valor total. O resultado foi a morte sumária dos dois. 

Por quê? Não foi porque não ofereceram tudo para o Senhor, mas porque mentiram, desejando apresentar-se mais desprendidos do que na realidade foram.

Outra surpresa na Palavra é descobrir que é possível distribuir todos os bens entre os pobres sem amor (1 Co 13:3). Se assim for, não há proveito nenhum para o doador. Com isso, Deus quer nos ensinar que podemos dar com motivos errados. 

Sacrifício material, sem amor, não agrada a Deus e não acarreta benefício algum para o doador. Seguramente muitos filantropos oferecem somas grandes para acolher aos necessitados, mas eles não recebem nenhum proveito diante do Juízo do universo. 

Joan Kroc  (✰1928/✞2003), herdeira da fortuna da cadeia mundial de lanchonetes McDonald’s, doou ao Exército de Salvação de San Diego, na Califórnia, 80 milhões de dólares. No juízo final, será revelado se a sra. Kroc terá algum benefício em troca dessa razoável oferta.

A importância do bom investimento


Ao contrário do ensinado por Jesus, hoje ainda é exaltada uma ética na qual o lucro financeiro é suspeito, e o empreendedorismo é visto com um viés de ganância e desagrado. 

Porém, a história apresenta um significado ético facilmente perceptível, e lições que ajudam a compreender qual é a responsabilidade do cristão na vida econômica, agindo como mordomo dos recursos a ele confiado pelo Senhor.

Percebemos que, em uma visão simples, investir e obter lucro não é imoral ou contrário aos ensinamentos bíblicos, pois os servos diligentes foram recompensados. 

Também vemos que o mestre inverte o entendimento da lei rabínica, pois considerou que o fato de enterrar o talento causou prejuízo ao seu senhor. E, por fim, Deus nos orienta a utilizar nossos talentos para fins produtivos. A parábola enfatiza a ação empreendedora e a criatividade, e condena a preguiça ou inércia.

Assim, quando o lucro consciente é um dos objetivos a serem alcançados pelo uso do talento empresarial, isso não configura ganância. É apenas o uso apropriado do talento e a capacidade de geração de riqueza que nos é dada por sermos imagem e semelhança de Deus (Gn 1:27).

Os recursos (financeiros ou não) que cada um de nós temos não são essencialmente injustos.

A parábola dos talentos sugere a superioridade moral da livre iniciativa, do investimento e do lucro, revelando que Jesus compreendia que o investimento direto nas atividades produtivas rende mais que a atividade financeira. 

Jesus também nos ensina que pessoas tem capacidades diferentes para as diversas atividades, porém a visão empreendedora e criativa merece ser recompensada e a inatividade condenada.

Nos revela também que Jesus entendia que os maus e os preguiçosos frequentemente culpam os outros pelas suas próprias falhas, como fez o servo negligente justificando sua atitude pela severidade de seu senhor. 

E ainda, Jesus não atribui necessariamente bondade ao pobre e maldade ao rico, mas sim valorizou a mordomia apresentada pelos servos diligentes. 
Fica aqui uma reflexão: 
  • Quando você busca informações para apoiar a sua decisão de investimentos, você pensa nessas questões?
  • Quais os impactos desse investimento na vida de outras pessoas?
  • Com esse investimento, estou priorizando o lucro a qualquer preço ou estou buscando um impacto mais profundo na criação (sociedade e meio ambiente)?
  • Este investimento é uma forma de expressar amor ao próximo?
  • Esse investimento agrega significado ao dinheiro?
  • Estou promovendo a geração de riqueza como cocriador ou é simples especulação financeira?

Conclusão


O privilégio de ser mordomos de Deus, pelo uso das riquezas deste mundo, deve nos segurar diante da tentação da avareza. A maldição do dinheiro somente se transforma em bênção quando o Espírito Santo produz o seu bendito fruto em nossas vidas. 

Esse fruto é amor e benignidade (generosidade) (Gálatas 5:22). Vence-se a maldição por meio do Espírito de Cristo que cria uma vida em benefícios dos outros, em lugar do narcisismo feroz. Sejamos mordomos! Que sejam abençoadores os recursos a nós confiados.

[Fonte: Teologia Brasileira, original por Russel Shedd (✰1929)✞2016) — Teólogo, escritor e Ph.D em Novo Testamento pela Universidade de Edimburgo (Escócia); Revista Ultimato, original por Gustavo Ipolito — palestrante, empresário, CEO e fundador da GoldStreet Venture Capital, primeiro fundo venture capital baseado nos preceitos cristãos na América Latina. Conselheiro na organização The Justice Movement, mentor de empresários e um dos idealizadores do movimento NwC+ Networking Cristão voltado à empresários, empreendedores e investidores cristãos; Brasil Paralelo]

Ao Deus Perfeito Criador, toda glória.

Fique sempre atualizado! Acompanhe todas as postagens do nosso blogue https://conexaogeral2015.blogspot.com.br/. Temos atualização diária dos mais variados assuntos sempre com um comprometimento cristão, porém sem religiosidade.
  • O blogue CONEXÃO GERAL presa pelo respeito à lei de direitos autorais (L9610. Lei nº 9.610, de 19/02/1998), creditando ao final de cada texto postado, todas as fontes citadas e/ou os originais usados como referências, assim como seus respectivos autores.
E nem 1% religioso.

sexta-feira, 4 de abril de 2025

EU NÃO ME ESQUECI — O CASO DO BAR BODEGA

Que a violência seja um dos fatores mais preocupantes de nosso país, isso ninguém pode negar. Contudo, diante de números alarmantes, outros fatores nos levam à necessidade de refletirmos a respeito não apenas de nosso sistema carcerário, mas todo nosso ordenamento jurídico penal, sob diferentes óticas e diferentes maneiras de agir.

O caso que vamos relembrar em mais um capítulo da minha série jornalística Eu Não Me Esqueci, é mais um daqueles que nos levam a refletir sobre a seriedade e o peso da responsabilidade dos órgãos de imprensa, como meio não só de informação. mas também da formação de opinião das massas.

Principalmente com o advento da popularização da internet em suas mídias sociais, onde a comunicação e a informação se tornaram mais acessíveis, mais do que nunca a imprensa precisa urgentemente rever os critérios, os limites, os valores e, principalmente, a veracidade dos fatos com quais alimenta os diversos públicos alvos.
A liberdade de expressão é um direito constitucional e, portanto, deve ser respeitado. 

Ninguém que tenha um mínimo de bom senso e razoabilidade defende que haja qualquer tipo de censura. 

Mais que um enorme equívoco, isso seria um pavoroso retrocesso. 

Mas haver uma regulamentação para que haja mais critérios no uso das mídias sociais, é uma pauta que deve sim ser discutida.

Um crime ocorrido em meados dos anos de 1990 e que teve como cenário o Bar Bodega, um dos mais importantes points de integrantes da classe média paulistana, cujo enredo se tornou conhecido pela imprensa brasileira graças ao fato de o bar pertencer a atores da mais conhecida emissora de nosso país: Luiz Gustavo (✰1934/✞2021) e seus sobrinhos, os irmãos Tato e Cássio Gabus Mendes.

Relembrando os fatos


Reprodução da internet
Na madrugada do dia 10 de agosto de 1996, um bando de homens armados entrou no bar Bodega, no bairro de Moema, iniciando um assalto que teria como desfecho os dois tiros a queima-roupa contra o dentista José Renato Tahan (à direita), de 26 anos (que entrara desavisadamente na choperia), e a morte da estudante de odontologia Adriana Ciola (à esquerda), de 23 anos (que estava no Bodega desde o início do assalto e foi alvejada de maneira gratuita no momento em que os assassinos fugiam).

O fato de o crime ter ocorrido num bar frequentado pela elite paulistana, de propriedade de atores conhecidos, logo levou o caso para as primeiras páginas dos jornais.

As manchetes falavam em pânico coletivo e epidemia de violência; os editoriais contestavam os defensores dos direitos humanos, descrevendo seus argumentos como catequese ideológica.

Comoção nacional


Paralelamente, os familiares de Adriana Ciola lideraram a formação do movimento Reage São Paulo, com apoio da Fiesp, da Federação do Comércio e personalidades como Hebe Camargo (✰1929/✞2012), o rabino Henry Sobel (✰1944/✞2019) e o então presidente da Força Sindical, Luiz Antonio Medeiros, promovendo passeatas, manifestações no Ibirapuera e protestos em frente ao Palácio dos Bandeirantes.
Nesse clima, com a polícia pressionada pela opinião pública, começam as primeiras prisões de suspeitos, imediatamente identificados como culpados por boa parte da imprensa: enquanto um jornal da capital anuncia 
"Presos assassinos do Bar Bodega"
uma famosa colunista de outro grande diário escreve que os assaltantes são animais que matam por esporte, sentenciando: 
"São veneno sem antídoto, nenhum presídio recuperaria répteis dessa natureza. A vontade de qualquer pessoa normal é enfiar o cano do revólver na boca dessa sub-raça e mandar ver" (grifo acrescentado por mim).
Os noves rapazes, todos moradores de uma favela próxima do local onde ocorreram os crimes, presos eram inocentes — sete sequer tinham antecedentes — e ficaram detidos por três meses, sendo submetidos às mais variadas torturas, para confessarem um crime que não haviam cometido.

O desserviço da impressa


Cinco dos acusados na época  —  Reprodução da internet
O clímax do episódio ocorre quando, alguns meses depois da detenção dos suspeitos e de sua execração pública, a verdade começa a vir à tona: sete dos nove presos são libertados por insuficiência de provas, constatando-se que confissões haviam sido obtidas sob tortura e com a conivência de uma população sedenta de vingança. Esta verdade, porém, seria reconhecida de maneira discreta pela imprensa, que omitiu seu próprio papel na legitimação do disparate jurídico.
É aí que entra em cena um importante personagem, que seria crucial para o desfecho dessa triste história da vida real:

O "promotor herói"


Reprodução da internet
Mas, para dar cabo a isso, um promotor do MPE/SP, analisando criteriosamente o caso, descobriu se tratar de um erro jurídico de gigantescas proporções. 
Para comprovar sua tese, pede, inclusive, que o delegado refizesse diligências e, ao final, descobre que tudo não passou de articulação para dar uma resposta à sociedade paulistana.
Verificando isto, o então jovem promotor Eduardo Araújo da Silva, que à época tinha apenas 29 anos de idade, com base nas reconstituições e relatos das vítimas do assalto, pede que seja concedida a liberdade daqueles que foram acusados injustamente.

Rechaçado pela imprensa, em entrevista à Bandeirantes — atual Band —, o promotor reforçou seu trabalho. Mais tarde, depois de algum tempo, todos os verdadeiros culpados foram presos, recebendo sentenças entre 23 e 48 anos de prisão.

Da Prisão ilegal Mesmo passados anos desse acontecimento, o mais interessante é que o crime do Bodega foi devidamente julgado, tendo seus verdadeiros autores recebido a coerção estatal.

A prisão do menor chamado Cleverson, então com 14 anos, aquele que teria sido considerado o chefe da quadrilha, sob o aspecto legal, é uma clara afronta ao Estatuto da Criança e do Adolescente, haja vista que era adolescente, não devendo ter sido preso, mas conduzido à instituição afim.

Este seria um dos primeiros erros jurídicos a serem cometidos pelo Estado. Além da prisão de Cleverson, os demais que foram envolvidos no caso também tiveram reconhecida a prisão indevida. Mas, mesmo tendo reconhecida a prisão indevida pelo TJ/SP, o Estado de São Paulo entra com recurso extraordinário junto ao STF (RE 385943/SP).

Realese dos acontecimentos


Manchetes dos jornais da época  — Reprodução da Internet
  • 10 de agosto  —  Em um assalto por volta das 3h ao bar Bodega, em Moema (zona sul de SP), são mortos a estudante Adriana Ciola e o dentista José Renato Tahan.
  • 25 de agosto  —  São presos cinco suspeitos de participar do grupo acusado de assaltar o Bodega, o menor C.A.S, 16, Valmir Vieira Martins, 20, Luciano Francisco Jorge, 20 e Natal Francisco Bento dos Santos, 18.
  • 25 de setembro  —  É preso Marcelo Nunes Fernandes, 23. Durante as investigações, mais três suspeitos são envolvidos.
  • 24 de outubro  —  O promotor Eduardo Araújo da Silva se manifesta contra a manutenção da prisão, e sete suspeitos são soltos por ordem do juiz-corregedor Francisco Galvão Bruno. 
O promotor alega falta de provas e suspeita que os acusados confessaram sob tortura. O então delegado titular do 15º DP, João Lopes Filho, nega as acusações. Dois dos acusados permanecem presos, mas por outros crimes. 

Marcelo Nunes Fernandes por ter fugido da cadeia onde cumpria pena por roubo e C.A.S. por estar sendo acusado de envolvimento em roubo de carro. O inquérito sobre o roubo é enviado ao DHPP para que as investigações sejam reabertas pela polícia.
  • 11 de novembro  —  A polícia prende dois acusados de ser os verdadeiros responsáveis pelo crime -Silvanildo Oliveira da Silva, 36, e Sandro Marcio Olímpio, 24, reconhecidos por testemunhas.

O livro


Como dito acima, mesmo sendo adolescente, Cléverson é conduzido ao 15º DP, onde é torturado a confessar o crime e entregar aqueles que seriam seus comparsas. 

Sob tal ato,confessa o crime e vai dando nomes aleatórios que vinham à sua mente, de conhecidos a amigos. 

Passado algum tempo, com massificada divulgação nos veículos de mídia (de todas as emissoras de alcance nacional), estava aberto o espetáculo.

É por meio da trajetória desse jovem delinquente, Cléverson, atormentado e em busca de reconciliação com a vida familiar, que Carlos Dorneles consegue dar dramaticidade ao seu livro, Bar Bodega  —  Um Crime de Imprensa sem prejuízo do rigor documental.

Conceituado repórter, tendo já trabalhado nas principais emissoras da TV, como Globo e Record, o jornalista gaúcho acompanhou nuances da biografia de Cléverson e mostra não apenas como a exclusão pode levar à criminalidade  —  mas como a condição de marginal pode levar à acusação por crimes não cometidos e à supressão dos direitos jurídicos mais elementares. 

Mostra, ainda, como o caso Bodega arrebatou as vidas de outros rapazes da periferia paulistana, jovens trabalhadores inocentes que, em meio a acusações e ao terror policial, tornam-se também delatores, alimentando a violência em espiral.

O autor


Carlos Dorneles nasceu em Cachoeira do Sul (RS) em 1954. Foi repórter da TV Globo de 1983 a 2008, após trabalhar na Folha da Manhã, no Zero Hora e na RBS-TV, em Porto Alegre.

Foi correspondente internacional em Londres (1988-1990) e Nova York (1991-1992). 

Logo após sair da Globo, ele começou a trabalhar na Record, onde ficou de 2008 até 2015.

Também é autor de "Deus é inocente – A imprensa, não", publicado pela Editora Globo e classificado em terceiro lugar na categoria Reportagem e Biografia do Prêmio Jabuti 2003.

Conclusão



Mini-documentário sobre o caso, exibido pela TV Cultura
Os inocentes comemorando suas solturas — Reprodução da Internet
Quando finalmente são identificados e processados os autores dos assassinatos, verifica-se que 
"nas matérias telegráficas que a imprensa publicou, nenhum comentário sobre o fato de que os acusados anteriores eram negros ou mulatos, e não brancos como os verdadeiros assaltantes" [trecho do livro  Bar Bodega  —  Um Crime de Imprensa].
Ou seja, se num primeiro momento a polícia respondera aos apelos das manchetes, a imprensa foi pautada pela polícia e pelo preconceito vigente na sociedade brasileira.

Como observa Dorneles, essa mácula na história do nosso jornalismo foi imediatamente identificada pelo juiz que proferiu a sentença (reproduzida no livro), mas suas referências à imprensa jamais foram publicadas ou sequer citadas pelos veículos de comunicação. 

Da mesma maneira, os jornais não acompanharam o destino dos acusados após o caso do bar Bodega — e por isso não souberam que alguns deles se sentem mais indefesos diante da imprensa do que da polícia, ou que, após atingir a maioridade, Cléverson voltara para a casa do pai e havia conseguido emprego, mas foi assassinado uma semana antes de completar 20 anos. 

Um crime que nunca foi investigado pela polícia e nunca foi manchete de jornal — mas que Carlos Dorneles nos apresenta como o desfecho de um episódio imprescindível para se analisar o papel da imprensa.

Tenho certeza absoluta que muitos dos que irão ler este artigo, já não se lembram mais deste triste episódio das páginas da nossa vida real (muitos são os que nunca nem ouviram falar desse caso), mas eu, eu não me esqueci! 

Ao Deus Perfeito Criador, toda glória.

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