"Mas é grande ganho a piedade com contentamento. Porque nada trouxemos para este mundo, e manifesto é que nada podemos levar dele. Tendo, porém, sustento, e com que nos cobrirmos, estejamos com isso contentes.
Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína.
Porque o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores" (1 Timóteo 6:6-10 — grifo meu).
A letra de uma clássica canção da MPB, de autoria do cantor e compositor Paulinho da Viola diz:
'Dinheiro na mão é vendavalÉ vendavalNa vida de um sonhadorDe um sonhadorQuanta gente aí se enganaE cai da camaCom toda a ilusão que sonhouE a grandeza se desfazQuando a solidão é maisAlguém já falou...(...)...E aí dinheiro na mão é vendavalDinheiro na mão é soluçãoE solidão'["Pecado Capital", Paulinho da Viola]
Não é preciso ser fã do cantor/compositor e nem gostar da canção para chegar à conclusão que a letra dela é de uma inquestionável veracidade real e atemporal.
O tema dinheiro e posses é tratado por Jesus em dezesseis das dezoito parábolas que estão apresentadas nos evangelhos. Em toda a Bíblia temos mais de 2.350 versículos abordando estes temas.
E é sobre este tema paradoxal, controverso e polêmico, que iremos tratar neste segundo capítulo da série especial de artigos Teologando.
Como Surgiu o dinheiro
De acordo com Pierre Briant, no livro "From Cyrus to Alexander: A History of the Persian Empire (De Ciro a Alexandre: Uma História do Império Persa, em livre tradução)", o dinheiro surgiu aproximadamente no século VII a. C., na região do atual Irã, para facilitar a troca de bens e serviços da população.
Com essa invenção, as pessoas não precisavam mais possuir um bem exato que despertava interesse ou satisfazia a necessidade do outro, era necessário apenas entregar a moeda.
Com a nova invenção, as pessoas passaram a conseguir mais bens e serviços, gastando menos tempo para realizar trocas comerciais. A moeda se torna um depositório de valor, nela está depositado um valor de troca comum a toda uma sociedade. Esse é o começo do capital econômico.
Com o passar do tempo, alguns problemas foram surgindo: moedas foram sendo falsificadas; reinos perdiam sua estabilidade política e suas moeda perdiam valor e
outros povos não aceitavam as moedas de outros.
Para resolver essa questão, as sociedades antigas chegaram a uma conclusão: lastrear o valor das moedas em minérios especiais, aponta o livro "Casa da Moeda do Brasil: 290 anos de História, 1694/1984".
Um dos principais motivos da escolha é que praticamente todos os reinos da região da Pérsia desejavam esses metais para diversos fins e esses metais tinham uma certa escassez (o que ajudava na proteção das moedas contra falsificações).
Outros motivos eram a durabilidade dos metais que faziam as moedas durarem mais tempo. Quando os reinos da região de Satrapia chegaram a um acordo sobre essa questão, esses metais se transformaram no lastro do dinheiro, as substâncias que garantiriam o valor da moeda.
Surgimento do dinheiro papel-moeda
O dinheiro em papel surgiu a partir dos bilhetes que comprovavam o depósito de moedas em uma instituição. Esse costume teve início na China do século VII, aponta Alexandre Versignassi no livro "Crash: uma breve história da economia: da Grécia Antiga ao século XXI".
Ao invés de levar suas moedas feitas de pedras preciosas, as pessoas entregavam o comprovante de que possuíam moedas e elas estavam protegidas em um banco.
Esse costume se multiplicou a tal ponto que o dinheiro papel-moeda passou a ser o mais usual, dando início às notas de dinheiro.
Atualmente, as transferências bancárias digitais como o pix são a nova inovação do dinheiro, mostrando a evolução orgânica dessa realidade financeira.
Entendido isso, vejamos o que nos diz a Bíblia sobre as questões financeiras.
O dinheiro à luz da Bíblia
Uma das parábolas contadas por Jesus mais conhecidas é a dos talentos (Mateus 25:14-30). É a história de três servos que receberam respectivamente cinco, dois e um talentos (um talento equivalia entre trinta e trinta e cinco quilos de prata, por volta de R$120.000,00 nos dias de hoje).
A parábola relata que os dois servos com mais talentos aplicaram o dinheiro, dobrando os recursos a eles confiados. Já o outro servo, temendo perder o dinheiro de seu senhor, enterrou o talento conforme a lei rabínica à época.
Esta parábola nos mostra uma abordagem diligente sobre o uso dos recursos financeiros que nos são confiados. Aborda a astúcia de dois servos que, numa visão empreendedora de geração de riqueza, multiplicaram o dinheiro de seu senhor, contrastando com o medo paralisante do outro servo que enterrou os talentos a ele confiado, devolvendo exatamente o mesmo valor ao seu senhor.
O fato, ou a moral da história, é que os servos diligentes foram recompensados com muito. Já o servo negligente foi punido e tudo lhe foi tirado.
Mamom, o deus das riquezas
Mammon (aramaico: מָמוֹנָא, māmōnā) no Novo Testamento, citado em Mateus 6:34 e Lucas 16:13, é comumente pensado para significar dinheiro, riqueza material, ou qualquer entidade que prometa riqueza, e é associado com a busca gananciosa de ganho.
O dinheiro, convertido em ídolo absoluto, é para Jesus o grande inimigo do projeto humanizador de Deus. Daí seu grito provocativo:
"Não podeis servir a Deus e ao dinheiro".
A lógica de Jesus é contundente. Deus não pode ser Pai de todos sem reclamar justiça para aqueles que são excluídos de uma vida digna. Por isso não podem servi-lo aqueles que, dominados pelo Dinheiro, afundam injustamente seus filhos e filhas na miséria e na fome.
Jesus está falando dos círculos herodianos e dos poderosos proprietários de terras de Séforis e Tiberíades, e das grandes famílias sacerdotais do bairro residencial de Jerusalém. Ele vê no Dinheiro um ídolo monstruoso que ele chama de Mamona.
Parece que se chamava mamona — dinheiro que dá segurança — ao tesouro de moedas de ouro e prata acumuladas pelos ricos para proporcionar-lhes segurança, poder e honra.
Parece que se chamava mamona — dinheiro que dá segurança — ao tesouro de moedas de ouro e prata acumuladas pelos ricos para proporcionar-lhes segurança, poder e honra.
Era impossível entesourar mamona nas aldeias da Galileia, onde só alguns podiam fazer-se com moedas de bronze e cobre, de escasso valor, e onde a maioria subsitia intercambiando seus produtos do campo.
O que Jesus nos revela aqui é que o dinheiro é um poder. Este termo deve ser compreendido não no sentido vago de força, mas no sentido muito específico, corrente no Novo Testamento. toda a obra de Mamom é rigorosamente inversa à obra de Deus.
Dada essa oposição de símbolo, compreende-se porque Jesus estabelece a escolha entre Mamom e Deus. Ele não propõe qualquer outra potência, qualquer outra divindade: mas aquela que se opõe diametralmente à ação de Deus, aquela que faz com que a “não-graça” reine sobre o mundo.
Conforme vimos no de abertura deste texto, o apóstolo Paulo afirma que o amor ao dinheiro — não o dinheiro em si — é raiz de todos os males. Por que será que nenhuma sociedade escapa dos grandes males criados pelo sucesso?
A resposta estaria no fato que o narcisismo acaba minando todos os valores. O servo dessa preocupação com nosso bem-estar é o dinheiro, que tem a força para nos captar em sua rede, do mesmo modo que um animal é capaz de tirar sua própria perna para se libertar de uma armadilha.
Não ignoramos que o dinheiro é um valor que pode abençoar quem recebe ou dá. Paulo escreveu em sua Segunda Carta aos Coríntios sobre a importância do dinheiro para socorrer os necessitados (caps. 8 e 9).
Queremos entender melhor o que a Bíblia tem para nos dizer a respeito dessa tão útil e perigosa ferramenta, que pode tanto fazer o bem como o mal.
A bênção do dinheiro
Quando Deus criou o homem, abençoou-o e deu a ele o privilégio de dominar, mas sempre como mordomo do Senhor (Gênesis 1:28). Após a queda, o desejo pelo domínio cresceu e rapidamente a humanidade se esqueceu da responsabilidade de usar as coisas materiais para a glória de Deus e para o bem de todos.
Quando Jesus ensinou que é mais abençoado dar do que receber (Atos 20:35), não é dito que é necessário receber primeiro para poder dar. A fonte de tudo que recebemos é Deus.
Sua generosidade se manifesta todo dia em que ele providencia as condições para produzir suprimentos de toda espécie para manter a vida, além de tudo que seja útil para manter a proteção e conforto. Toda atividade econômica depende do Criador que supre as condições necessárias para realizá-la.
Deus nos criou para gozar de vida corpórea e espiritual. Posses devem sustentar a vida do corpo ― casa, alimento, transporte e fornecer mil outros produtos. Os livros que comunicam a verdade eterna às nossas mentes são apenas um exemplo.
Paulo refere-se à bondade de Deus ao declarar para o povo de Listra,
"não se deixou ficar sem testemunho de si mesmo, fazendo o bem, dando-vos do céu chuvas e estações frutíferas, enchendo o vosso coração de fartura e de alegria" (At 14:17).
A bênção de Deus sobre o mundo material, em benefício do homem, é um sinal do amor de Deus por todos. Dinheiro fornece um meio eficiente para distribuir os benefícios doados por Deus e repassar a fartura para os necessitados.
Jesus confrontou o jovem rico com a surpreendente declaração de que somente vendendo tudo que tinha e dando o resultado aos pobres teria o privilégio de ser discípulo e ganhar a vida eterna (Marcos 10:21).
A bênção seria rejeitar o amor ao dinheiro e, em seu lugar, alcançar um amor real pelo próximo. O sacrifício material no tempo presente garantiria a bênção maior no futuro — "terás tesouro no céu". O galardão que aguarda todos que ajuntam tesouros no céu é glorioso e seguro (aí não há ladrões, nem qualquer tipo de destruição de perda, Mt 6:20).
"Onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração” (v. 21).
Fica claro que a única maneira de mandar riqueza para o céu é usando dinheiro para beneficiar os necessitados; pode ser materialmente ou espiritualmente.
Dar generosamente aos necessitados é o melhor de todos os investimentos. Seu retorno será grande e sua felicidade eterna.
A maldição do dinheiro
O apego aos valores materiais assedia a maioria dos homens. Possuir dinheiro e tudo que ele pode comprar dá satisfação e segurança. O desejo de adquirir mais do que necessitamos alimenta o egoísmo natural que faz parte do mundo que a Palavra de Deus nos proíbe amar (1 João 2:15).
O avarento não tem herança no reino de Deus (1 Co 6:10). De fato o amor ao dinheiro é raiz de todos os males (1 Tm 6:10). Basta notar a frequência de notícias de corrupção nos altos escalões do governo para perceber que dinheiro é uma forte fonte de tentação.
A maldição das posses é muito sutil. Poucas pessoas reconhecem o seu perigo. A maioria pensa que ganhar mais dinheiro demonstra a bênção de Deus sobre a vida.
Em alguns casos, é verdade. Mas, na realidade, a falta de dinheiro pode ser o caminho da bênção, porque humilha, rebaixando os homens ao nível de mendigos.
Tornam-se dependentes da graça de Deus, e alvos do amor dos irmãos na fé. A maldição invade nossas igrejas se não há generosidade. A prática da igreja de Jerusalém não nos incentiva a cuidar dos órfãos e viúvas, mesmo diante da declaração que "religião pura e sem mácula" é cuidar dos órfãos e viúvas (Tiago 1:27).
Um dos casos bíblicos mais impressionantes relata a consequência maldita da mentira de Ananias e Safira (At 5:1-11). Esse casal crente, da igreja de Jerusalém, vendeu uma propriedade.
A avareza os levou a concordar em reter uma parte do preço e oferecer a Deus o resto. Mentiram, afirmando que a quantia depositada “aos pés dos apóstolos” era o valor total. O resultado foi a morte sumária dos dois.
Por quê? Não foi porque não ofereceram tudo para o Senhor, mas porque mentiram, desejando apresentar-se mais desprendidos do que na realidade foram.
Outra surpresa na Palavra é descobrir que é possível distribuir todos os bens entre os pobres sem amor (1 Co 13:3). Se assim for, não há proveito nenhum para o doador. Com isso, Deus quer nos ensinar que podemos dar com motivos errados.
Sacrifício material, sem amor, não agrada a Deus e não acarreta benefício algum para o doador. Seguramente muitos filantropos oferecem somas grandes para acolher aos necessitados, mas eles não recebem nenhum proveito diante do Juízo do universo.
Joan Kroc (✰1928/✞2003), herdeira da fortuna da cadeia mundial de lanchonetes McDonald’s, doou ao Exército de Salvação de San Diego, na Califórnia, 80 milhões de dólares. No juízo final, será revelado se a sra. Kroc terá algum benefício em troca dessa razoável oferta.
A importância do bom investimento
Ao contrário do ensinado por Jesus, hoje ainda é exaltada uma ética na qual o lucro financeiro é suspeito, e o empreendedorismo é visto com um viés de ganância e desagrado.
Porém, a história apresenta um significado ético facilmente perceptível, e lições que ajudam a compreender qual é a responsabilidade do cristão na vida econômica, agindo como mordomo dos recursos a ele confiado pelo Senhor.
Percebemos que, em uma visão simples, investir e obter lucro não é imoral ou contrário aos ensinamentos bíblicos, pois os servos diligentes foram recompensados.
Também vemos que o mestre inverte o entendimento da lei rabínica, pois considerou que o fato de enterrar o talento causou prejuízo ao seu senhor. E, por fim, Deus nos orienta a utilizar nossos talentos para fins produtivos. A parábola enfatiza a ação empreendedora e a criatividade, e condena a preguiça ou inércia.
Assim, quando o lucro consciente é um dos objetivos a serem alcançados pelo uso do talento empresarial, isso não configura ganância. É apenas o uso apropriado do talento e a capacidade de geração de riqueza que nos é dada por sermos imagem e semelhança de Deus (Gn 1:27).
Os recursos (financeiros ou não) que cada um de nós temos não são essencialmente injustos.
A parábola dos talentos sugere a superioridade moral da livre iniciativa, do investimento e do lucro, revelando que Jesus compreendia que o investimento direto nas atividades produtivas rende mais que a atividade financeira.
Jesus também nos ensina que pessoas tem capacidades diferentes para as diversas atividades, porém a visão empreendedora e criativa merece ser recompensada e a inatividade condenada.
Nos revela também que Jesus entendia que os maus e os preguiçosos frequentemente culpam os outros pelas suas próprias falhas, como fez o servo negligente justificando sua atitude pela severidade de seu senhor.
E ainda, Jesus não atribui necessariamente bondade ao pobre e maldade ao rico, mas sim valorizou a mordomia apresentada pelos servos diligentes.
Fica aqui uma reflexão:
- Quando você busca informações para apoiar a sua decisão de investimentos, você pensa nessas questões?
- Quais os impactos desse investimento na vida de outras pessoas?
- Com esse investimento, estou priorizando o lucro a qualquer preço ou estou buscando um impacto mais profundo na criação (sociedade e meio ambiente)?
- Este investimento é uma forma de expressar amor ao próximo?
- Esse investimento agrega significado ao dinheiro?
- Estou promovendo a geração de riqueza como cocriador ou é simples especulação financeira?
Conclusão
O privilégio de ser mordomos de Deus, pelo uso das riquezas deste mundo, deve nos segurar diante da tentação da avareza. A maldição do dinheiro somente se transforma em bênção quando o Espírito Santo produz o seu bendito fruto em nossas vidas.
Esse fruto é amor e benignidade (generosidade) (Gálatas 5:22). Vence-se a maldição por meio do Espírito de Cristo que cria uma vida em benefícios dos outros, em lugar do narcisismo feroz. Sejamos mordomos! Que sejam abençoadores os recursos a nós confiados.
[Fonte: Teologia Brasileira, original por Russel Shedd (✰1929)✞2016) — Teólogo, escritor e Ph.D em Novo Testamento pela Universidade de Edimburgo (Escócia); Revista Ultimato, original por Gustavo Ipolito — palestrante, empresário, CEO e fundador da GoldStreet Venture Capital, primeiro fundo venture capital baseado nos preceitos cristãos na América Latina. Conselheiro na organização The Justice Movement, mentor de empresários e um dos idealizadores do movimento NwC+ Networking Cristão voltado à empresários, empreendedores e investidores cristãos; Brasil Paralelo]
Ao Deus Perfeito Criador, toda glória.
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E nem 1% religioso.
