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quinta-feira, 30 de junho de 2016

FILMES QUE EU VI - 13: "CURTINDO A VIDA ADOIDADO"

Despretensioso, um filme típico para ser exibido em alguma sessão de filmes com o nome de "Sessão Aventura", "Sessão da Tarde", "Cine Aventura"... E, sim, ele já foi exibido inúmeras vezes nas sessões de filmes com esses títulos. Eu, infelizmente, não fui vê-lo no cinema. Assisti pela primeira vez na Sessão da Tarde. Amei! Mas, como sabemos, a Rede Globo tem por hábito picotar os filmes para que eles caibam em sua grade de programação. Então eu corri até uma vídeo locadora e loquei a fita de VHS, para assistir, sem cortes, no vídeo cassete.

Sabe aqueles dias que você abre as cortinas do quarto, vê um dia perfeito mas sabe que nem vai poder aproveitar? É num desses que Ferris decide que, qual o que, vai aproveitá-lo sim, senhor. Assim sendo, ele se faz de doente e consegue a permissão dos pais pra faltar na escola. Assim que os dois tontos saem de cena, Ferris começa a falar com o público (é, você!) e em 3 minutos dá uma lição simples de como matar aula. No caminho pro banho o cara faz um monólogo genial sobre escola, carros, política e Beatles. 

Um dia eu tentei anotar algumas das coisas mais legais que ele falava, mas quando vi que já tava quase no meio do filme e eu não parava de escrever, resolvi deixar pra lá pelo bem do meu pulso. Mas não é só isso. "Curtindo a Vida Adoidado" - pasme! - é um filme filosófico. Não, eu não estou procurando vida em Marte. À primeira vista, o filme pode parecer uma aventura cheia de sequências pra lá de engraçadas e eletrizantes. Entretanto, tem muito mais. Por favor, tenha paciência para ler o texto deste artigo até o final e depois - mesmo se você já tiver assistido - corra e dê um jeito de assistir a este filmaço outra vez. 

"Carpe diem" (aproveite o dia) 


Em 1990, a então primeira-dama dos Estados Unidos, Barbara Bush, dirigia-se a uma plateia de estudantes da Universidade Wellesley, em Massachusetts, quando resolveu expor aos presentes uma interessante visão filosófica sobre o mundo: 
"Encontrem a alegria na vida, porque como disse Ferris Bueller em seu dia de curtir a vida adoidado (on his day off – no original), 'A vida se move muito rápido; se você não parar e olhar em volta de vez em quando, você pode perdê-la!'" 
A esposa do presidente George Bush [pai] se referia à visão de mundo de Ferris Bueller (Mattew Broderick, brilhante), protagonista daquele que é considerado um dos maiores filmes adolescentes já produzidos: Curtindo a vida adoidado. Com uma estrutura narrativa simples, a obra nos leva ao dia em que Ferris, sua namorada Sloane (Mia Sara) e o neurótico amigo Cameron (Alan Ruck), decidem matar aula e sair para farrear nas ruas de Chicago. 

O diretor John Hugues (✰1950-✟2009 - "Esqueceram de Mim" [1990], "Ninguém Segura Este Bebê" [1994]) vinha de uma série de obras-primas sobre a vida nos colégios americanos, já tendo rodado "Mulher Nota Mil" (1985), "O Clube dos Cinco" (1985) e Gatinhas e gatões (1984), além de ter escrito "A Garota de Rosa Shocking" (1986). Em todos os seus projetos, o cineasta buscou retratar a escola como um espaço no qual afloram os aspectos mais negativos do contrato social. 

Em "A Garota de Rosa Shocking", por exemplo, o colégio é um microcosmo exacerbado de tensões sociais, em que um singelo namoro entre uma garota pobre e um rapaz rico é alvo de maledicências e complôs. Em "O Clube dos Cinco", cinco personagens, cada qual representativo de um estereótipo do colegial (o nerd, o encrenqueiro, a patricinha, o esportista e a maluca) são colocados numa sala de detenção ao longo de uma manhã. Lá descobrem uma profunda amizade e decidem lutar contra o preconceito de uma "sociedade" que quer separá-los em grupos e tribos isoladas. 

Te pego lá fora! 


"Curtindo a Vida Adoidado" talvez seja a mais iconoclasta das obras do diretor. Quase nada acontece no colégio e também este não parece representar qualquer obstáculo ou problema para o personagem. Ferris difere de todos os demais protagonistas masculinos escritos por Hughes, na medida em que sequer tenciona alterar ou questionar as regras sociais. Mas esse comportamento, longe de revelar certo conservadorismo da parte de Ferris, parece atentar para uma percepção libertária da realidade. 

As regras sociais não precisam ser alteradas para o nosso anti-herói porque bastaria quebrá-las. Ferris não passa por dilemas de consciência em nenhum momento da história. Ele não liga para a escola, para os pais ou qualquer sombra de responsabilidade, contrapondo-se ao amigo Cameron, constantemente preocupado com o que os outros (sociedade, professores, pais) irão pensar de suas atitudes. 

Ferris constituiria, portanto, a epítome do ser amoral. Em verdade, no decorrer de suas aventuras, o personagem interpretado por Broderick não prejudica ninguém objetivamente. Mas a essência de seu caráter reside na não-aquiescência das regras mínimas de conduta moral: ele finge estar gravemente doente, causando consternação em seus pais; desrespeita as regras mais fundamentais do colégio; causa, incidentalmente, a marginalização de sua irmã (preterida pelo fato de Ferris ser o centro das atenções), levando-a a um desespero atroz; e ironiza a validade intrínseca do próprio processo educativo. 

Essa última afirmação se sustenta no monólogo inicial do personagem, quando o mesmo esclarece aos expectadores que haverá um teste, no mesmo dia em que ele pretende matar aula. O tema da prova será 'Socialismo Europeu', o que leva Bueller a questionar: 
"Por que eu preciso estudar isso? Eu não sou europeu, eu não pretendo ir para a Europa. E daí que eles são socialistas? Eles poderiam ser fascistas-anarquistas que isso ainda não mudaria o fato de que eu não tenho um carro." 

O carro 


Sem carro e doido pra… curtir a vida adoidado, Ferris liga pro melhor amigo, que também tá matando aula e faz chantagem emocional pro cara ir lá busca-lo. Só que Cameron é um hipocondríaco incurável e realmente acredita que está a beira da morte, ao que Ferris responde 
"você não está morrendo, só não consegue pensar em nada melhor pra fazer". 
Então os dois se juntam pra tirar a namorada de Ferris da escola também e pra isso matam a pobre da avó moça. Afinal, quem nunca matou a vó pra justificar alguma coisa? O problema é que Cameron se enrola um pouco enquanto se fazia passar por pai de Sloane, a namorada do Ferris, daí os meninos são praticamente obrigados a pegar emprestada a Ferrari do pai do Cameron: o Carro! 

Ok, eles não são obrigados, mas o que interessa é que esse é O carro e se torna um dos personagens principais da trama. Eles buscam a moça na escola e partem pro centro de Chicago. O que eles fazem? Difícil é dizer o que eles NÃO fazem. Eles sobem no prédio mais alto do planeta, batem um papo mímico com corretores da bolsa, vão num jogo de baseball, almoçam num restaurante francês trés chic, passeiam num museu e participam de uma parada alemã. Tudo isso com o diretor do colégio e a irmã de Ferris putos procurando o rapaz, doidos pra acabar com a alegria do moço.
 

"As leis inúteis debilitam as necessárias." (Barão de Montesquiel)

 
Ferris, no entanto, não apenas menospreza as regras de conduta oficiais, aquelas emanadas pelo mundo dos adultos, como também negligencia as próprias "leis" do colégio. No decorrer do filme, entendemos que ele é amado por todas as tribos, sem integrar nenhuma delas. Mais do que isso, seu desprezo acaba por englobar o esforço coletivo dos alunos. O que Hugues tenta fazer é retratar a juventude norte-americana dos anos 80, como enunciado já nas primeiras cenas. Ao descobrirmos que ele forjou sua doença, logo somos induzidos a ver a imagem de um aparelho de TV, convenientemente sintonizado no canal hip da época: a MTV. 

O quarto do protagonista é repleto de pôsteres de bandas de rock da década, e somos inclusive apresentados a uma tomada de Ferris tomando banho, quando decide fazer um topete moicano com o shampoo, emulando os punks de então. Diferente da denúncia do consumismo, tão corrente nas críticas feitas à juventude dos anos Reagan, Hugues encontra na falta de perspectiva, limites e preocupação social, aquilo que seria a fonte de seus problemas e a poesia máxima de uma geração. Se, por um lado, os garotos e garotas dos anos 80, diferente de seus pais, não querem mudar o mundo, eles pelo menos querem aproveitá-lo ao máximo. Tratava-se a geração pós-baby boomer

Ferris, Nietzche e o super-homem 


Nascidos após a Segunda Guerra Mundial, os baby boomers foram os jovens do ciclo de manifestações de 1968, os que protestaram contra a Guerra do Vietnã, as ditaduras militares sul-americanas, e a linha dura soviética, em Praga. A eles coube o mérito de popularizarem, quando não de inventarem, o rock’n roll, de capitanear a revolução sexual e de inaugurar novas bandeiras políticas, como o direito das minorias, o desarmamento nuclear e a defesa do meio ambiente. 

Para Hugues, os filhos daqueles jovens cabeludos, que gritavam palavras de ordem em direção à Casa Branca, seriam exponencialmente mais subversivos. E nesse contexto, Ferris carregaria em si a quintessência da despreocupação juvenil, beirando a figura do super-homem de [Friedrich Wilhelm] Nietzsche [ateu, filólogo, filósofo, crítico cultural, poeta e compositor alemão do século XIX, autor da frase: "Deus está morto!"]. 

Apresentado em seu trabalho "Assim falou Zaratustra" (publicado pela primeira vez em 1888), o super-homem seria o estágio mais avançado do indivíduo humano. Aquele que rejeita todos os princípios morais, que despreza a religião, os valores e a ciência. Para Nietzsche, o super-homem representaria o apogeu da liberdade, e a negação daquilo que seus contemporâneos viam como o progresso da espécie humana. 

Não se trata aqui de sugerir que Hugues decidiu adaptar "Assim falou Zaratustra" para as telas de cinema, transformando a obra de filosofia em um filme para adolescentes, mas de identificar certos paralelos que ecoam na personalidade de Ferris. Vejamos seu amigo Cameron. Desde o início da película o jovem se configura na antítese do protagonista, sendo refém de uma hipocondria crônica e do medo de que seu pai descubra que ele afanou seu carro. Ao término do filme, ele e Ferris, por acidente, acabam jogando a Ferrari de um precipício. 

A curva do personagem de Cameron está então completa. Seguindo todas as lições que lhe foram passadas por Ferris no decorrer do dia, o personagem não decide buscar a "salvação" por meio da consciência (atentando para o fato de que seus problemas são, em realidade, ínfimos, se comparados com o de milhões de outros jovens no mundo); ou mesmo buscar o respeito de seu pai por meio de um diálogo aberto e sincero. 
Ao final, Cameron vence o remorso, não sentindo qualquer culpa pelo que fez ao carro de seu pai. Chega a ser sugerido que ele e o pai "terão uma boa conversa mais tarde", porém, o mais importante já foi atingido: tal qual Ferris, Cameron está também livre das amarras morais que o prendiam. 

O próprio antagonista do filme, o diretor da escola Ed Rooney (Jeffrey Jones), carregaria em si a defesa intransigente da ordem, odiando o personagem de Ferris não por ele representar um risco à escola, mas por se recusar a seguir as regras sociais impostas sobre os alunos. O fato de Rooney continuamente perder Ferris de vista, enquanto o procura pelas ruas da metrópole, atesta para o absoluto abismo geracional dos anos 80: Rooney, um baby boomer, deduz que Ferris estará no fliperama com outros garotos. Chegando lá, cutuca o ombro de alguém de cabelo curto e jaqueta e dizendo “Agora eu te peguei!”. Para sua surpresa não só não é Ferris Bueller (que estava em um estádio de baseball) como a pessoa que ele cutucou era uma garota. 

A obsessão do diretor para com Ferris se centra no fato daquele não comportar-se à ordem ideal, em que os alunos têm de ir para a escola, sem importar se eles estão gostando ou não de estar ali. Rooney segue as regras sociais, e é por isso que nunca conseguirá, de acordo com o filme, pôr as mãos em Bueller. Tamanha é a admiração que lhe é posta pelos colegas de classe, não só por isso, mas também por acharem que ele se encontra gravemente doente, que no decorrer da trama vemos o colégio, e depois a cidade, ser tomada por uma campanha publicitária instantânea (aquilo que nos anos 2000 chamaríamos de marketing viral) centrada na frase Save Ferris (Salvem Ferris). 

Nosso super-homem, entretanto, despreza mobilizações de qualquer tipo, como explicitado na frase que abre esta crítica, não dando nenhuma atenção ao carinho e admiração que lhe são conferidos pela massa. Na sequência final, acompanhamos Rooney, derrotado e maltrapilho, mancando até o ônibus escolar, seu único meio de transporte para a escola, onde o diretor lê na capa do caderno de uma criança a frase Save Ferris [salve Ferris]. 

Conclusão 


Quem se dispõe a assistir ao filme até o fim dos créditos tem outra surpresa: Bueller aparece, quebrando mais uma vez aquilo que na linguagem cinematográfica se denomina "a quarta parede". Ele olha diretamente para a câmera, ri da plateia e diz: 
"Vocês ainda estão aqui? Acabou! Vão pra casa!". 
Cabe aqui concluir com a reação subsequente à declaração de Barbara Bush na Universidade Wellesley. Após citar a filosofia de Bueller, o auditório irrompeu em aplausos, ao que a primeira-dama respondeu jocosamente 
"Eu não vou dizer ao George que vocês bateram palmas mais pelo Ferris do que por ele." 
E Bueller, tal qual Zaratustra, no último capítulo da obra de Nietzsche, anuncia: 
"Esta é a minha alvorada; começa o meu dia: sobe, pois, sobre, Grande Meio-dia!" 
Acho praticamente impossível que alguém aqui não tenha visto esse filme, já que se trata de um dos queridinhos da Sessão da Tarde. Ou tratava, pelo menos, já que a Globo tem o poder de caçar e executar cada uma das coisas que prestam na programação, então tem até um tempinho (Um tempão, vai!) já que não escuto falar dele na TV. Se bem que tem séculos que eu não assisto a Globo a tarde. Mas enfim, acho que ouviria o nome "Curtindo a Vida Adoidado" a quilômetros de distância. 
Aí vocês me perguntam: o que tem de clássico nesse filme? Não é uma super produção, não tem sexo, drogas ou rock'n'roll (Quer dizer, tem a clássica sequência em que Bueller dubla a canção "Twyst And Shout", dos Beatles...) violência. Conta uma história pra lá de simples. Então por que eu o glorifico tanto?
 
Exatamente por ele não ser necessariamente tão simples. Dizem que o filme tem atenção especial da geração 80, mas a verdade é que ele é condizente com a realidade de qualquer década. Ferris é um anti-héroi, um rapaz que burla o sistema com um intuito não exatamente nobre, pelo menos a princípio. Mas a verdade é que ele faz o que todo mundo sonha: roubar uma Ferrari tirar um dia de folga só pra se divertir.
"Porque a vida passa bem depressa. Se você não parar e dar uma olhada de vez em quando, você pode perde-la." 
  • "Ferris Bueller's Day Off" (103 minutos – Comédia)
  • Lançamento: EUA, 1986
  • Direção: John Hughes
  • Roteiro: John Hughes
  • Elenco: Matthew Broderick, Alan Ruck, Mia Sara, Jeffrey Jones, Jennifer Grey, Charlie Sheen, Ben Stein
A clássica e icônica cena do filme "Curtindo a Vida Adoidado", de Ferris Bullier (Mattew Broderick) "interpretando" o hit "Twyst And Shout", dos Beatles: inesquecível!

A Deus toda glória!
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quarta-feira, 29 de junho de 2016

ENTENDENDO COMO SER UM JOVEM CRISTÃO COM A ANÁLISE DO PERFIL DE TIMÓTEO


"Jovens, eu vos escrevo pois vencestes o Maligno. Crianças, eu vos escrevi porque conheceis o vosso Pai. E vós, pais, eu vos escrevi porque conheceis Aquele que é desde o princípio. Jovens, eu vos escrevi porquanto sois fortes, e a Palavra de Deus permanece em vós, e já vencestes o Maligno." - 1 João 2:13b,14, grifos meus [Versão King James Atualizada]

"É muito difícil ser jovem e cristão!" Acho que não sou o único que já ouviu essa frase dos mocinhos e mocinhas da igreja. E todos eles são unânimes em citarem os desafios da carne e o assédio do sistema mundano como principais obstáculos ao desenvolvimento de uma vida cristã. Fazendo uma análise sobre a vida do jovem pastor Timóteo, vamos tentar entender quais são os reais desafios e qual deve ser o posicionamento do jovem cristão. 

Como Timóteo vivia? 


A Bíblia relata que a cidade de Listra era habitada por um povo idolatra, que ao verem o apóstolo Paulo e Barnabé curarem um paralítico de nascença queriam adorá-los como se fossem divindades pagãs chamando-os de Júpiter e Mercúrio (Atos 14:8-12). 

Timóteo recebeu uma boa educação por parte de sua família como relata o apóstolo Paulo (2 Tm 3:14,15), mas vivia em meio a uma sociedade pagã com valores fortemente arraigados na cultura grega conhecida pelo seu forte hedonismo, ou seja, busca da realização de prazeres humanos. Os gregos cultuavam deuses antropormórficos cheios de vícios e cultos profanos como exemplo, o culto a Dionísio (deus do vinho), onde seus participantes se embriagavam e praticavam orgias sexuais, os chamados bacanais, que foram fielmente descritos no polêmico filme Calígula, épico de 1979 (Em tempo: Me falaram tanto desse filme e fizeram descrições tão exageradas, que pensei tratar-se de uma versão muito antiga de algum filme da produtora Brasileirinhas. Pelo que ouvia, realmente parecia ser um filme pornô: tudo explícito, sexo hétero, homo, bi, tri... tudo incontextualizado, algumas sujeiras e outras nojeiras indescritíveis. Depois de vê-lo, constatei que - embora haja realmente algumas cenas que possam ser consideradas muito fortes - a linha que separa Calígula de uma produção pornô não é tênue e qualquer pessoa que tenha noção do que seja um filme pornô [E eu tenho!] não ousaria tomar Calígula por esse gênero. Quem sabe um dia eu o enfoque na série Filmes Que Eu Vi?).

Voltando ao cerne do artigo, já vimos que Timóteo a exemplo dos jovens de nossos dias precisou conviver em meio a cultura pagã que propagava valores anti-bíblicos. Além disso, sofreu também o preconceito de judeus ortodoxos por não ter crescido em meio a uma família judaica tradicional, por isso precisou circuncidar-se (At 16:3). Ficou enfermo e teve que conviver com a doença, por isso o apóstolo prescreveu para que tomasse um pouco de vinho (1 Tm 5:23).Enfim, um jovem que passou por muitas situações difíceis. 

Durante os cerca de 11 anos em que Timóteo acompanhou o apóstolo Paulo, não podia estar em melhor companhia, um servo de Deus dedicado e zeloso como Paulo indubitavelmente contribuiu para o crescimento de Timóteo. Paulo viu em Timóteo não apenas um jovem, mas um companheiro de ministério para o qual (e com o qual) orou, ajudou e ensinou. Paulo foi uma fundamental referência cristã a Timóteo (2 Tm 3:14). Timóteo se tornou uma referência para juventude cristã de nossos dias. Timóteo chegou a pastorear a igreja de Éfeso neste período o apóstolo Paulo lhe escreveu as duas cartas pastorais (1 e 2 Timóteo) ensinando-o como um pai ensina a um filho (1 Tm 1:3; 2 Tm 4:1,2). 

Panorama geral 


Perfil do Timóteo 


Timóteo era um jovem que foi designado pelo apóstolo Paulo para pastorear a igreja na região de Éfeso. Embora ainda jovem (provavelmente tinha entre 18 e 20 anos), Timóteo era um cooperador de Paulo, a quem o apóstolo depositava a maior confiança. Mas, mesmo sendo jovem, Timóteo não fugiu do seu chamado e assumiu, com determinação e coragem, seu ministério. 

O ministério de Timóteo 


Paulo deu a Timóteo a difícil tarefa de pastorear uma igreja, visto que, em uma igreja o jovem pastor lidaria com vários tipos de pessoas de diversas idades. Na igreja em Éfeso havia algumas pessoas, possivelmente mais velhas que Timóteo, que estavam ensinando coisas diferentes do que Paulo ensinava. Preocupado com isso, o apóstolo orientou a seu cooperador que permanecesse em Éfeso e colocasse as coisas em seu devido lugar (1 Tm 1:3,4). Pelo tom das duas cartas que lhe foram enviadas, Timóteo deve ter se assustado com o que deveria fazer e desanimou um pouco. Nas duas cartas Paulo encorajava seu cooperador a prosseguir, a não desanimar, a reavivar o dom que tinha, a não ter medo dos ouros, a ter convicção da sua fé e dos ensinamentos que ele havia passado. 

Realidades sobre Timóteo 


  • Era um jovem normal - o fato de ele ser amigo e cooperador de Paulo, não o transformava em um "superboy". Não o fazia imbatível, perfeito e especial. Assim como qualquer outro jovem, Timóteo tinha fraquezas e temores. 
  • Era sexualmente ativo - Timóteo tinha tesão! Se ele era um jovem normal, com certeza tinha todos os desejos que qualquer outro jovem tem, sofria de todas as tentações que todos os jovens sofrem. Foi a ele que Paulo mandou "fugir das paixões da mocidade" (2 Tm 2:22). 
  • Era cônscio de suas limitações - quando teve medo da situação confusa que o cercou, Timóteo não teve dúvida: pediu orientação a seu líder espiritual. Ele não se deixou levar pela má influência daqueles que são instrumentos de satanás para tentar nos inflamar com desânimo e nos convencer que somos derrotados. Através do estímulo e da influência espiritual do guerreiro Paulo, o jovem Timóteo viveu uma tremenda experiência com Deus e solidificou seu ministério. 
  • Era corajoso - uma das características do jovem é a coragem, a disposição para experimentar o novo, a atração por aventura. Timóteo tinha tudo isso e colocou à disposição do Senhor. 
  • Era obediente - Timóteo era obediente. Como líder, ele deveria ser o modelo, o exemplo. Por isso Paulo, em suas cartas, deu a ele orientações pessoais e diretas, tais como em: 1 Tm 4:7-16; 5:21; 6:11-14, 20,21; 2 Tm 1:6-14; 2:3-10-15; 4:1-5. Tudo indica que ele cumpriu à risca as orientações dadas por seu mestre, pois já no final de sua vida Paulo ainda dá instruções a esse jovem pastor, a quem especialmente chamava de "filho amado" (1 Coríntios 4:17; 1 Tm 1:2, 18; 2 Tm 1:2). A maior prova de que Timóteo obedeceu a risca às orientações de Paulo está em Hebreus 13:23, quando é citado pelo autor dessa carta (há uma vertente teológica que acredita ser de Paulo a autoria da carta aos hebreus). 
  • Algumas lições do jovem Timóteo - escolher servir o Senhor Jesus desde sua mocidade (Eclesiastes 12:1), estar sempre preparado para levar o evangelho onde necessário, buscar a companhia de homens de Deus como o apóstolo Paulo que tinha a maior de todas referências o Senhor Jesus (Fp 3:17; Ef 5:1). Ele passou por dificuldades como os jovens enfrentam em nossos dias, mas seguiu firme rumo ao alvo de agradar a Deus rejeitando as influências seculares, e constituindo um exemplo de jovem cristão para nossos dias. 

Conclusão


A sensação que tenho ao ler as cartas de Paulo a Timóteo é que estou sentado aos pés do apóstolo. A carta é viva e atual. O conselho de Paulo perpassou gerações. Ele é capaz de tocar nesta geração que deixou de mergulhar nos seus ensinamentos. 

Inserido numa cultura depravada, opressora, sedutora, egoísta e que banalizava a fé cristã, Timóteo se deparou com a seguinte questão: vale a pena viver o evangelho? Será que as paixões que sinto não estão contrapondo a fé na qual fui ensinado desde a tenra idade? 

Neste conjunto de fatos e realidades, eu sinto alguma ansiedade em relação ao futuro da liderança da igreja evangélica. Esta preocupação surge a partir dos valores que regem a vida dos jovens. Qual o grande desafio, então, para a juventude do terceiro milênio? 

Estamos "ativistas" ao invés de sermos dinâmicos. Estamos na onda, ao invés de estarmos sobre ela. Fomos envolvidos pela sociedade, ao invés de envolvê-la com o evangelho. A perda da identidade cristã em busca do ser e do ter tem feito inúmeras vítimas espirituais. 

Esta leitura possibilita um diagnóstico da igreja evangélica brasileira, a partir da nossa juventude comprometida com outros valores e princípios que não são eternos, mas passageiros e decepcionantes. 

Surge uma pergunta inevitável: onde estão os "Timóteos" da nascente geração e do novo milênio? Isto é, onde estão os jovens que resistirão às pressões da cultura dominante? Quem permanecerá firme em seu comprometimento com a autoridade da Escritura? Quem usará sua vida deliberadamente servindo ao evangelho? Onde estão essas pessoas? Os grupos de jovens que existem nas igrejas estão desenvolvendo e nutrindo os valores do reino de Deus? 

Um olhar cuidadoso e meticuloso fará com que o jovem perceba que a sociedade está enferma. Uma pesquisa recente do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) em parceria com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República apontou que 33 mil jovens, entre 12 e 18 anos, deveriam ser assassinados no Brasil de 2006 até 2012. Não há outra pesquisa recente, mas alguém duvida que esse número já foi superado? Será que isto não mexe com você? Caro jovem cristão, você está inserido nesta perspectiva. Os seus braços ficarão cruzados enquanto você e tantos outros correm o risco da morte? Tudo isso porque esta sociedade está submersa na escuridão. 

Esta geração possui uma fonte de riqueza muito grande em relação à capacidade de atingir multidões. Vão pelas avenidas, fazem protestos, lutam por direitos dos estudantes, pelos direitos dos homossexuais e por tudo quanto mais tipo de direito. É marcha do orgulho disso e daquilo, é marcha pra Jesus, marcha pra maconha... 

Enfim, ser um jovem cristão não é fácil. Tudo é lançado pronto: a comida, o estilo de roupa, o corte de cabelo, os adereços das mulheres. Infelizmente a juventude prioriza o recurso do "não-esforço". Para que pensar se existe alguém que pode fazer isso? Para que mudar a realidade? 

Nós, cristãos, temos o hábito de lamentar a deterioração dos padrões do mundo com um farisaico ar de grande desalento. Criticamos a sua violência, desonestidade, imoralidade, desrespeito para com a vida humana e sua ganância materialista. "O mundo está se afundando cada vez mais", dizemos, com um encolher de ombros. Mas de quem é a culpa? Quem é responsável por isso? Se a sociedade se decompõe e seus padrões declinam a tal ponto, que ela acaba se tornando como uma noite escura ou um peixe malcheiroso, é um contra-senso culpá-la. 

Pois isto é exatamente o que acontece quando homens e mulheres "caídos" são deixados entregues à própria sorte e quando o egoísmo humano não é questionado. A pergunta a ser feita é: "Onde está a juventude cristã? Por que os jovens cristãos não estão transformando a sociedade?" Portanto, se a escuridão e a decomposição existem, a falha é nossa, e temos que assumir a culpa. 

Você pode ser muito jovem, tímido e fraco (como Timóteo era). Você pode viver em um ambiente hostil (como Timóteo vivia). Mas como Timóteo você possui todos os recursos que precisa. As Escrituras inspiradas por Deus, a unção disponível do Espírito Santo podem guiar, equipar e inspirar você. Então permaneça firme: "Fortifica-te na graça que está em Cristo Jesus" (2 Tm 2:1).

segunda-feira, 27 de junho de 2016

A JUSTIÇA DE DEUS SOB A PERSPECTIVA DO ANTIGO TESTAMENTO

Segundo o conceito dos dicionaristas, justiça é a particularidade do que é justo e correto, como o respeito à igualdade de todos os cidadãos, por exemplo. Etimologicamente, este é um termo que vem do latim justitia. É o principio básico que mantém a ordem social através da preservação dos direitos em sua forma legal. A Justiça pode ser reconhecida por mecanismos automáticos ou intuitivos nas relações sociais, ou por mediação através dos tribunais.

Segundo a Bíblia, todos os seres humanos, de todas as raças e classes sociais, de todos os credos e culturas, tanto judeus como gentios, imorais e moralistas, religiosos e ateus - todos, sem exceção, são pecadores, culpados, indesculpáveis e sem defesa diante de Deus! Eis o quadro terrível e desolador com que Paulo descreve a situação da raça humana em Romanos 1:18 - 3.20. Sem um raiozinho de luz, nenhuma fagulha de esperança, sem a mínima perspectiva de socorro.

"Mas agora" - Paulo interrompe de súbito - o próprio Deus interveio. "Agora" parece ser uma referência marcada por três dimensões: uma lógica (a elaboração do argumento), uma cronológica (o momento presente) e outra escatológica (chegou um novo tempo).  Depois da longa e escura noite, raiou o sol, amanhece um novo dia e o mundo é inundado de luz. "Mas agora se manifestou uma justiça que provém de Deus, independente da lei..." (Rm 3:21a). É uma revelação totalmente nova, centralizada em Cristo e Sua cruz, se bem que dela "testemunham a Lei e os Profetas" (21b) em previsões e prefigurações parciais. E assim Paulo contrasta a injustiça de uns e a auto-justificação de outros com a justiça de Deus. Em contraposição à ira de Deus sobre quem pratica o mal (Rm 1:18; 2:5; 3:5) ele anuncia a graça de Deus, que envolve os pecadores que creem. Diante do julgamento, apresenta-nos a justificação.

Paulo começa retratando a revelação da justiça de Deus na cruz de Cristo e lançando os alicerces para o evangelho da justificação (Rm 3.21-26). Em seguida defende o seu evangelho contra as críticas dos judeus (3.27-31). E finalmente, ilustra-o através da vida de Abraão, que foi, ele mesmo, justificado pela fé, tornando-se assim o pai espiritual de todos os que creem (4.1-25).

Assim, entendemos que a justiça de Deus se caracteriza assim: a) se revela na cruz de Cristo (Rm 3:21-26), b) sua fonte é a graça (Rm 3:24), c) sua base é Cristo e sua cruz e d) o meio de justificação é a fé.

Neste ¹artigo farei uma análise da justiça de Deus sob a perspectiva do Antigo Testamento.
"20 Então compartilhou com Abraão, o SENHOR: 'As acusações e os gritos contra Sodoma e Gomorra são tantos e tão expressivos; o seu pecado é por demais grave! 21 Descerei até lá e verei se, de fato, o que eles têm praticado corresponde ao clamor que é vindo até minha presença; e, se assim não é, verdadeiramente sabê-lo-ei!' 22 Então os homens partiram dali e dirigiram-se para Sodoma, mas o SENHOR permaneceu junto a Abraão. 23 Abraão chegou um pouco mais perto e indagou: 'Destruirás o justo com o pecador? 24 Talvez haja cinquenta justos na cidade. Destruirás e não perdoarás a cidade por amor aos cinquenta justos que estão em seu seio? 25 Longe de ti cometeres tal atrocidade: fazer morrer o justo com o pecador, de modo que o justo seja tratado como o pecador! Longe de ti! Não fará justiça o Juiz de toda a terra?' 26 Então lhe assegurou o SENHOR: 'Se Eu encontrar cinquenta justos em Sodoma, perdoarei toda a cidade por amor a eles!' 27 Argumentou Abraão: 'Eu me atrevo a falar ao meu Senhor, eu que sou poeira e cinza. 28 Contudo é possível que faltem cinco para completarem os cinquenta justos; por causa de cinco pessoas destruirás toda a cidade?' Ele replicou: 'Não, se Eu encontrar quarenta e cinco justos'. 29 Abraão retomou ainda a palavra e ponderou: 'Mas talvez só existam quarenta justos'. Ao que Ele lhe garantiu: 'Eu não o farei por causa dos quarenta!' 30 Propôs Abraão: 'Que meu Senhor não se irrite, e que eu possa falar: provavelmente ali se encontrem trinta'. 31 Ele asseverou: 'Eu não o farei se ali encontrar trinta'. Prosseguiu Abraão: 'Agora que já fui tão ousado falando ao Senhor, pergunto: E se apenas vinte justos forem encontrados na cidade?' Ele respondeu: 'Por amor aos vinte justos não a destruirei!' 32 Então Abraão insistiu: 'Não te ires, Senhor, mas permite-me falar só mais uma vez. E se apenas dez forem encontrados?' Ele afirmou: 'Por amor aos dez justos não a destruirei!' 33 Tendo acabado de falar com Abraão, o SENHOR partiu, e Abraão retornou para seu lugar." - Gênesis 18:20-32, ênfases minhas (Bíblia King James Atualizada)
Vemos nessa passagem a indignação do Senhor diante do pecado dessas duas cidades. Tal indignação foi o ápice da tolerância de Deus, que decidiu a sentença fatal sobre Sodoma e Gomorra: a destruição.

Abraão, sabendo que seu sobrinho Ló habitava as verdejantes campinas ao Oriente do Jordão, com considerável ousadia, interpelou ao Senhor tentando "pegá-lO" em um de seus atributos mais conflitantes: a justiça.

Ao interceder junto ao Senhor pela preservação dos justos, Abraão - como todo ser humano - fora limitado em sua perspectiva à justiça de Deus. Ele foi decrescendo de cinquenta até dez. Sem apelar para a numerologia, mas dentro desse contexto esses números têm um princípio profético, que aponta para Jesus Cristo. O número cinquenta é Pentecostes, o do advento do Espírito Santo. Daí que se diga em Atos (2,1): "Chegando o dia de Pentecostes…" É também o número da penitência dos pecadores: esse é o número do salmo penitencial por excelência. O dez é o número do Decálogo. Por isso o Salmista (Salmos 32:2) diz: "Entoar-Te-ei hinos na harpa de dez cordas". É também o número da perfeição das obras e da plenitude dos santos, o que é simbolizado por aquelas dez cortinas que, por ordem do Senhor, foram feitas no tabernáculo do testemunho. *O testemunho é o texto do Decálogo. 

A soma desses dois números é sessenta que é o número que representa misticamente todos os perfeitos. Por isso se diz no Cântico dos Cânticos 3:7: "É a liteira de Salomão – isto é, a Igreja de Cristo – escoltada por sessenta guerreiros, sessenta valentes de Israel". Também sessenta é o fruto dado pelas viúvas e continentes. Daí que se leia no Evangelho (Mateus 13:23): "E produzirão fruto: cem por um, sessenta por um, trinta por um".

Mas, por que teria Abraão parado sua contagem nos dez?

A justiça humana é míope


Deus, a cada interpelação de Abraão, responde com uma afirmativa que define a extensão imensurável de seu amor, sua misericórdia, sua justiça, sua compaixão. Em detrimento da justiça humana, que se diz cega, mas é no máximo míope, a divina não se esquiva da sinceridade, alimenta o arrependimento e não se subjuga à impunidade. Deus está sempre disposto a oferecer uma nova chance para o ser humano reencontrar a dignidade com a qual fora criado e que abrira mão.

A justiça humana é medida por conceitos questionáveis e passível de equívocos e erros. A justiça de Deus é inexorável (implacável, inflexível), inextinguível (inesgotável). 

Ou seja, quando Abraão - por mais sensível aos possíveis justos que fosse - parou a extensão de sua piedade na escala decimal, ele fez uma errônea comparação da sua misericórdia com a do Senhor.

Abraão parou no dez (o número 10, no entendimento dessa passagem, fala de testemunho humano, conforme já expliquei acima), mas para o Senhor, ainda que houvesse um único justo, Ele pouparia as duas ímpias cidades.

A justiça divina é inexplicável, pois à revelia da total degradação moral e do lastimável cenário de declínio espiritual, com a geral perda de valores e princípios, os retos de coração e mãos limpas - ainda que fossem a minoria - seriam a referência do Senhor, seriam o Seu ponto de atração, a prova de que Ele ainda manifestava Sua glória através de Sua maior criação.

A justiça divina é o parâmetro da esperança


Quando Deus deu as respostas positivas às interpelações do patriarca - que neste contexto prefigurava Cristo em sua obra de mediação pela humanidade (1 Timóteo 2;4) - Ele estava implicitamente dizendo: "Minha decisão não está tomada em função dos corruptos. As ações deles me enojam, me repelem e serão condenados por elas, seja aqui ou no Dia do grande e derradeiro julgamento. Mas aqueles que praticam atos de justiça (Apocalipse 19:6-8) em meio a corrupção estão sendo agentes do meu Reino. Para mim, este é um motivo mais que suficiente para poupar uma cidade inteira." 

Ou seja, a justiça de Deus, faz com que Ele sobrepuje as expectativas limitadas de esperança, geradas pela ineficiente justiça dos homens. Deus ultrapassou os limites de Abraão, que parou nos dez justos, muito provavelmente porque para o seu senso de justiça humano, que era limitado, esta seria uma quantidade razoável, a partir da qual Deus exerceria seu juízo sobre aqueles povos.

Conclusão


Devemos nos esforçar como Paulo afirmou pela unidade, pela manifestação da vontade de Deus através do Espírito. Somente quando há o operar de Deus através de nossos corpos mortais, quando individualmente morremos para nós mesmos, para que Deus se expresse e nos use como instrumento; seremos capazes de manifestar a unidade como é da vontade do Senhor Jesus manifesta em sua oração em João 17.

E quando falamos em morrer para nós mesmos, não é o orarmos para que os outros morram para si mesmos para que a nossa vontade se revele, para que o nosso querer se manifeste. Mas sim, nós primeiramente, mesmos que estejamos certos, mesmo que estejamos corretos em nossas opiniões e pensamentos; precisamos morrer para nós mesmos, para que a obra do Espírito se realize em nós, e através de nós e assim, possa operar na vida dos outros. 

Quando esta decisão é nossa, e parte, primeiramente, de nós, então Deus começa a operar e a falar para nós. Ao mudarmos a nossa forma de pensar, ao revermos, as nossas atitudes, por mais certas que estejam; mas se não estiverem levando a unidade, não está dentro do plano de Deus. Precisamos, para alcançar a unidade, morrer para nós mesmos e nossa vontade.

Quando cada um morre para si mesmo, há uma disposição de submeter ao Espírito Santo, para o realizar da vontade de Deus, para o cumprir da obra do Pai. Quando assim fazemos, então, como instrumentos, seremos usados para expressão do que é o nosso Deus.

É através da igreja, e somente através da igreja, que há a verdadeira e a total expressão de corpo e da vontade de nosso Deus. São os nossos relacionamentos, são as nossas atitudes, e o nosso mover em uma única direção, guiados pelo Espírito Santo que importam e que revelam nosso Senhor Jesus.

Os atos de justiça são todas as ações praticadas pelos santos que visam unicamente fazer a justiça de Deus alcançar a todas as pessoas que necessitam, que clamam e que querem conhecer a Deus. A justiça de Deus se revela através dos seus santos, como igreja, que atua como reconciliadora, com embaixadora, como expressão da natureza de Deus aqui na terra. Seu papel e fazer conhecida as boas novas da libertação e salvação de todos os homens através de Jesus Cristo. É o levar ao conhecimento de todos o que Deus dá gratuitamente, pela sua graça e seu amor, a todos. Os atos de justiça incluem, as boas novas, o fazer discípulos, o repartir, o ajudar, o demonstrar misericórdia, graça, amor, bondade, longanimidade para com todos os homens.

O que temos feito traduz o que somos? Temos preparado a noiva de forma a adorná-la para a exaltação de nosso Senhor? Ou estamos preocupados no realizar de nossa vontade que esquecemos o que realmente é importante?

¹Nota: Esse artigo é uma adaptação do esboço de mensagem que o Senhor me deu no dia 26 de janeiro de 2005. Fiz a ministração dessa Palavra em culto realizado na Igreja Batista El-Hanã, localizada em Betim-MG.

domingo, 26 de junho de 2016

MALDIÇÃO OU HERANÇA FAMILIAR: MITOS E VERDADES

Código genético (DNA) em movimento
"Pois todos os que são das obras da Lei estão debaixo de maldição. Porquanto está escrito: 'Maldito todo aquele que não persiste em praticar todos os mandamentos escritos no Livro da Lei'. É, portanto, evidente que diante de Deus ninguém é capaz de ser justificado pela Lei, pois 'o justo viverá pela fé'. 
A Lei não é fundamentada na fé; ao contrário, 'quem praticar esses mandamentos, por eles viverá'. Foi Cristo quem nos redimiu da maldição da Lei quando, a si próprio se tornou maldição em nosso lugar, pois como está escrito: 'Maldito todo aquele que for pendurado num madeiro'. 
Isso aconteceu para que a bênção de Abraão chegasse também aos gentios em Jesus Cristo, a fim de que recebêssemos a promessa do Espírito Santo pela fé" (Gálatas 3: 10-14, ênfase minha [Em concordância contextual com o Salmo 127] — Bíblia King James Versão Atualizada).
Alguns conceitos ganham espaço no repertório religioso e se transformam em verdadeiro paradigmas, modelos, matrizes, para as pessoas independentemente de qualquer espécie de reflexão. Um exemplo disso é a velha questão, que virou livro em formatos e discussões diferentes, sobre bênção e maldição. 

Há teólogos de todas as vertentes cristãs (protestantes e católicos) que se debruçam em teorias na composição de diretrizes para seus conceitos. 

Tais ilustres não raramente se transformam em paladinos na defesa do afirmam ser "revelações espirituais" e protagonizam seminários, congressos e são tidos como referências no assunto. 

Exegese contextual


O Antigo Testamento afirma que Deus, movido pela desobediência humana, especialmente de seu povo Israel, visitaria a maldade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta gerações (Êxodo 20:5). 

A partir dessa declaração, intérpretes, teólogos conservadores, pregadores, passaram a explicar as crises das pessoas e das famílias tomando como ponto de partida uma herança boa, no caso de bênção, ou ruim, para justificar o que seria chamado de maldição. 

Todos nós conhecemos igrejas que põem nas portas de seus prédios ou templos placas com anúncio de cultos e campanhas místicas com poderes de amarrar satanás, quebrar maldição e oferecer libertação. Tem até as que promovem cursos nessa área. 

Não é preciso dizer que a procura é muito grande, mas não temos informação de respostas coerentes ou buscas bem sucedidas porque o expressivo número de obreiros que estão "atendendo" aos necessitados não tem preparo para resolver, dissipar dúvidas e oferecer solução real para a "maldição". Tudo, então, fica com ares de uma enorme patranha. 

Neste artigo irei enfocar este assunto relacionado à experiência de família, que é o ponto mais batido, sob duas perspectivas: a) não existe maldição, mas herança de família; b) a família normal pode prosperar ou não. Antes, é salutar que entendamos a distinção entre os conceitos 

maldição e herança. 

  • ¹Maldiçãos.f. Ato ou efeito de amaldiçoar.Palavras com que uma pessoa deseja que advenham males a outra; praga. Desgraça, fatalidade: "a maldição caiu sobre o infeliz"
  • ²Heranças.f. Bem, direito ou obrigação transmitidos por disposição testamentária ou por via de sucessão. Legado, patrimônio. Fig. Condição, sorte, situação que se recebe dos pais. Genét. Conjunto de caracteres hereditários transmitidos pelos genes; hereditariedade.
 

O que é herança familiar? 


Cada família procura preservar uma história à qual será fiel em todas as gerações. Existe uma transmissão obrigatória de informações que representa o código genético, o DNA, de cada família. 

Normalmente, os modelos serão repetidos quase que integralmente. Um vício, alcoolismo, por exemplo, pode ter acontecido ao bisavô, que foi repetido pelo avô, preservado pelo pai e, na atualidade, continuado pelo filho. 

Às vezes, para não trair a família, uma mulher de marido alcoólatra se separa, alegando que está em busca de alívio para o sofrimento pois "não quer ser igual à mãe", que segurou o vício do marido por tantos anos, e procura outro com os mesmos problemas. 

Quando isso acontece, surge o discurso da maldição. "Parece uma maldição, um destino, um carma, a sina dessa família". Nada disso; é a herança familiar que está sendo preservada. 

Vamos procurar, na Bíblia, um exemplo clássico de herança familiar com cara de "maldição". Não há outro mais completo que o exemplo da família de Abraão, o pai da fé, o símbolo da religiosidade dos judeus e cristãos. Analisemos: 
  • A família de Abraão tem origem numa realidade idólatra, Ur dos Caldeus (Gênesis 11:26-32); 
  • Abraão foi chamado por Deus (12:1,2) e fez um "acordo" com Sara, que era estéril: 
"Quando ele estava prestes a entrar no Egito, disse a Sarai, sua mulher: 'ora, bem sei que és formosa à vista; e acontecerá que, quando os egípcios te virem, dirão: "está é mulher dele". E me matarão a mim, mas a ti te guardarão em vida. Dize, peço-te, que és minha irmã, para que me vá bem por tua causa, e que viva a minha alma em atenção a ti'" (Gênesis 12:11-13). 
  • Sara foi usada, sem qualquer peso de consciência de Abraão, várias vezes (12:15; 20:2). 
  • Finalmente Abraão e Sara têm um filho, Isaque (21:1-8). 
  • Quando Isaque está para se casar, quem decidia isso era o pai, Abraão manda buscar uma esposa no meio de sua terra, de seus parentes (24:37-41). 
  • Isaque encontra-se com Rebeca; para onde ele vai com ela? Para a tenda de sua mãe, para ser consolado por ela por causa "da morte de sua mãe" (24:67). Ele não pode renunciar à sua família. 
  • Sara era estéril; Rebeca era estéril (25:21).
  • Dois filhos nasceram desse casamento, Esaú e Jacó; Isaque amava Esaú, que era caçador, mas Rebeca amava Jacó, que era enganador; ou seja, ela está agora reproduzindo o modelo da família de Abraão junto com Isaque. 
  • Isaque está negando que sua esposa, Rebeca, é sua esposa (26:7). 
  • Rebeca e Jacó estão unidos para enganar Isaque (27). 
  • No tempo do casamento de Jacó, este é enganado por Labão (29:21-28). 
O tema da família de Abraão é um enganar o outro; isso passou de geração a geração, trazendo problemas que não são "maldições", mas heranças de fidelidade às histórias da família original. Então, que é a maldição? 

Existiria maldição hoje? 


Uma resposta adequada a esta pergunta deve contemplar uma possível crença: destino, predestinação e o poder de satanás sobre o crente. 

Pela teoria que tenho defendido até agora seria um absurdo admitir qualquer uma das três; a minha base está na Bíblia: 
  • Deus colocou o homem no mundo e lhe deu a liberdade como critério de vida — não lhe deu um destino; 
  • Deus elegeu um povo, Israel, para realizar seu plano no mundo — não fez uma predestinação de bons para a salvação e maus para a perdição; 
  • Deus salva o homem perdido no pecado, escravo do poder de satanás, de uma vez e lhe dá uma nova vida — o livro de Jó nos mostra satanás querendo tentar o servo de Deus e Deus lhe diz até o que poderia dizer, ou seja, satanás não tem nenhum poder sobre a vida do crente. 
Como vamos explicar os problemas que acontecem à vida das pessoas, inclusive àqueles que têm características estranhas? Vamos considerar algumas opções: 

1. Num famoso livro, "Quando coisas acontecem às pessoas boas"³, Harold Kunsher, judeu, investiga uma série de possibilidades e discute vários pontos de vista sobre a problemática do mal e do sofrimento na vida de pessoas dignas. 

Ele mostra que alguns colocam Deus no processo da tragédia como uma espécie de organizador do mundo; o que parece ser uma tragédia é, de fato, uma bênção. Ele, claro, não defende esta linha de pensamento, apenas diz: 
"nem sempre há uma razão. Nós ainda nem sabemos tudo sobre nós mesmos..."
2. Pensamento negativo constante — algo como uma lei de Murphy: se você acredita que algo vai dar errado, dará. A conclusão para este tipo de pensamento é clara: talvez, o que esteja acontecendo à vida de muitas pessoas não seja "maldição", mas resultado de uma atitude mental negaria condicionante, que oprime e obriga pessoas a agirem de acordo com o que pensam; se pensam negativamente, vivem uma vida negativa. 

3. Quando Deus não ocupa a vida inteira de uma pessoa, satanás pode ocupar o espaço que ainda resta. Provavelmente esta opção será mais justa. Falamos muito de integridade, mas não interpretamos o que vem a ser integridade. 

Em linhas rápidas, é algo que não está corrompido, sua essência é perfeita, não carece de reparos ou consertos, diferente daquele queijo suíço que é cheio de buracos por dentro, mas a casca externa é completa. 

Uma pessoa com um espaço que Deus não ocupa certamente será alvo de algum "dardo inflamado do inimigo", conforme Efésios 6:16

4. Influências de modelos religiosos anteriores — principalmente para aqueles que saíram de religiões pagãs, que acreditam em reencarnação, justiça do destino, ou alguma outra teoria metafísica; muitos se convertem ao cristianismo mas não conseguem abandonar totalmente o que aprenderam anteriormente. 

É comum encontrarmos crentes discursando sobre doutrinas estranhas ao Novo Testamento, influenciados por uma experiência de vida marcada por uma religião opressora. A tese da maldição fica ali, inconsciente, sempre lançando seus sinais e deixando muitos em dúvida. 

Por uma família saudável 


As alternativas para a edificação de uma família saudável são muitas; a maior dificuldade é abrir mão de conceitos enraizados na cultura doméstica, nacional, local e eclesiástica. Um mito cristão é a perfeição da família. 

Quantos casais, normais, não sabem que são normais tão somente porque ouvem, dominicalmente, uma qualificação de um sistema tão perfeito que, para alguns milhões de pessoas no mundo, não passa de um "sonho impossível". 

Findou o tempo em que acreditávamos na estruturação espiritualizada da família, atribuindo as responsabilidades dos erros e acertos a Deus ou ao diabo. Na sociedade em que estamos inseridos não há mais lugar para tais atitudes; não queremos dizer, com isso, que a igreja e a família cristão vão renunciar a uma de suas principais doutrinas, a da vocação humana, mas que precisam fazer uma conexão com a mentalidade atual para viver de forma contextualizada e, ao mesmo tempo, mostrar o testemunho da fé. 

Quando consideramos a família como um sistema íntimo de relações, que envolve pessoas unidas em lações de confiança, sinceridade e intimidade, podemos levantar a possibilidade de compreensão de conflitos e dilemas realistas. 

Por que não procuramos conhecer mais sobre a história antiga de nossa família? Quais foram os nossos bisavós, como se conheceram, como se casaram, como educaram os filhos, que condições tinham? Qual será a relação que cada pessoa, de todos os tempos, tem com aquele sistema de família? Quem repete os modelos de quem? Quem realizou mais e como chegou lá? 

Os comportamentos que foram transmitidos são reveladores e rígidos. Intimidade deixou de ser característica de casal e passou a ser condições de estrutura dos relacionamentos. Scheneider (1996) afirma que: 
"Mais importante no sistema íntimo de relação é o objetivo de sustentar e enriquecer a vida de seus membros, que estão dispostos a desenvolver no grupo familiar uma mutualidade do querer, do sentir, do agir e do saber"4.
Cada família tem um estilo próprio de convivência, de detectar, interpretar e resolver problemas. Tudo isso vai moldando uma cultura familiar que se estende pelas gerações até o dia em que morre o último representante daquela família; mesmo assim, sendo o último, ele mostra ao mundo um resumo de tudo o que foi a história, cujo início talvez nem ele saiba, mas é capaz de ser um guardião de tudo o que lhe foi transmitido. 

Conclusão 


Conforme Gálatas 3:10-14, o texto com o qual abri este artigo:
  1. Cristo nos resgatou da maldição da lei prevista em Deuteronômio 27:26
  2. Ele se fez maldição por nós, indo até a cruz, o madeiro maldito. 
  3. A bênção prometida a Abraão chegou aos gentios, isto é, todos nós que não somos judeus e nem descendentes de israelitas - quem conseguiu isso foi Jesus; 
  4. Pela fé, recebemos a promessa do Espírito. 
Esta lista poderia ser bem grande, todavia, não há nenhuma necessidade de insistir com questões primárias da nossa fé. 

Esta geração aguarda, ansiosamente, a manifestação dos filhos de Deus. Tem sido experiência comum o fato de não convencermos muito os que estão de fora por causa da qualidade de vida dos que estão do lado de dentro da igreja. 

O que dizer daquele filho de pastor que "foi para o mundo" provocando um mal-estar profundo e doloroso na família e na igreja? Mais uma vez é o mito falando, pois a família do pastor é tao humana quanto a de qualquer outro. 

Será benéfico para o sistema familiar e para a sociedade a retirada do manto da hipocrisia para que surja um rosto natural do ser humano, livre de máscaras e de maquiagens, para que os sentimentos tenham lugar, sejam válidos e as pessoas possam definir com tranquilidade seus caminhos, sem aquela obrigação de ser "leal" a qualquer custo à sua família. 

[Fonte: ¹'²Dicionário On Line; ³Editora Nobel, 152 pgs, 1988 — 
Um jovem estudante de Teologia, Harold Kushner, ficou intrigado com a mensagem do livro de Jó. Rabino de uma pequena cidade, consolou as pessoas visitadas pela dor e pelo sofrimento. No instante, em que soube que seu filho Aaron, de três anos de idade, morreria de uma doença rara no início da adolescência, ele se deparou com a mais importante e mais terrível questão que alguém pode enfrentar — Por que coisas ruins acontecem com pessoas boas? Este livro não foi escrito para defender ou explicar Deus. Dirige-se àqueles que desejam acreditar na bondade e justiça divinas, mas não conseguem conciliar tal crença com a dor do ser humano.
4Schneider, C. Imagens de Família. São Leopoldo: Sinodal, 1996, P. 48] 

A Deus toda glória.
Fique sempre atualizado! Acompanhe todas as postagens do nosso blog https://conexaogeral2015.blogspot.com.br/. Temos atualização diária dos mais variados assuntos sempre com um comprometimento cristão, porém sem religiosidade.
E nem 1% religioso.

sábado, 25 de junho de 2016

#FALTA_DE_NOÇÃO

Manter-se conectado a todo momento já é parte integrante da experiência de estar em qualquer lugar e se tornou uma espécie de compulsão. Isso ajudaria a explicar, por exemplo, a polêmica levantada pelos autorretratos tirados durante funerais, acidentes, tragédias e outros cenários bizarros. Até estupros coletivos agora são gravados e postados em redes sociais. E o que dizer dos abomináveis nudes (a modinha de tirar foto nu e postar nas redes sociais). Os tais vídeos íntimos e as tais nudes, são uma prática comum às celebridades (e, obviamente, copiada pelos anônimos) e não raramente são motivo de polêmicas por vazarem e serem divulgadas sem autorização. É a chamada pela justiça de pornografia não-consensual. 

"mairomem nI"


Vivemos um esvaziamento da memória à medida que as pessoas se tornam mais dependentes das buscas online e guardam extensos arquivos e fotos pessoais digitais que nunca serão visualizados. A memória sempre se faz no presente. Ainda não entendemos a magnitude da maneira como a tecnologia mudará nossa memória no futuro.

Tudo irá depender do ponto de vista de cada um. A noção do que é público se transformou com a tecnologia. E há agora o que eu chamo de compulsão pela conectividade. Então a pergunta a se fazer é por que as pessoas estão tirando selfies? Por que elas estão constantemente registrando tudo? É em parte a ideia do que é estar em um espaço público hoje, o que é entender uma certa experiência ou evento.

A tecnologia sempre esteve presente nesse sentido, mas para mim há um ponto em que chegamos longe demais. É quando registrar o evento se torna mais importante do que ver o que está sendo registrado. Acho que esse momento estamos vivendo agora.

Essa moral é geracional e está sempre mudando. São níveis diferentes de alfabetização midiática. O uso normal para uma pessoa não é o mesmo para outra.

Quando eu vou para um show, eu quero ver uma banda, eu vou para ver a performance. Eu não quero alguém diante de mim balançando o telefone, a câmera ou um iPad. Mas eu sou de outra geração, eu acho isso estranho. Eles claramente acham que não. Eles acham que isso é parte rotineira do que significa estar em um evento ao vivo. Essa midiatização dos eventos é algo que mudou muito nos últimos cinco anos.

Desequilíbrio ou modernidade?


Eu também vivo tirando fotos e gravando tudo o que acho interessante, não estou acima disso. Mas você precisa se perguntar: como seria essa experiência se você não a tivesse registrado? O que ela significaria para você uma semana ou dois meses depois sem aquele registro audiovisual? Quão importante é esse registro na formação da memória daquele evento? Outras pessoas construirão suas memórias sem isso e sempre foi suficiente.

A memória hoje é menos uma questão de lembrar e mais uma questão de saber para onde olhar. Muitos psicólogos dizem que há uma diminuição da memória humana por causa da nossa crescente confiança na tecnologia. Quando eu era criança, eu tinha que lembrar das coisas. Agora se eu não me lembro, posso digitar e aparece para mim.

A grande mudança é que a confiança nas tecnologias da comunicação e da informação para criar memórias, para se sociabilizar e para se informar está passando a ser um dependência. E esse é o ponto crítico. Diferentes países estão em diferentes estágios, mas estamos todos entre a confiança e a dependência das tecnologias.

Contar com essas tecnologias é bom, na minha opinião. Mas depender delas é outra coisa. A noção de compulsão pela conectividade sugere para mim que estamos dependentes. É essa coisa de não poder ficar sem checar mensagens no telefone, sem tirar fotos. De não poder ficar desconectado por algum tempo, porque nos sentimos sozinhos e alienados.

Há pessoas que estão tentando. Há algumas bandas que pedem aos fãs que não gravem, não fotografem e não usem seus telefones durante os shows e alguns aderem a isso. Mas eles são a exceção, não a regra. A sensação é de que isso é inevitável e de que a penetração dos smartphones faz parte da sociabilidade do dia a dia. É impossível escapar deles.

Mesmo antes dos celulares, estes eventos já eram sociais. Em funerais, já se debatia o hábito de conversar animadamente com outras pessoas. Nos anos 1960 já se dizia que fãs dos Beatles iam aos shows mais para gritar do que para assistir à banda. Será que tecnologia móvel mudou isso tanto assim ou estamos apenas nos adaptando a um novo formato? Seria apenas...

Uma questão cultural?


Parece que em países e regiões diferentes as coisas mudam em ritmos distintos. O que é um comportamento aceitável em cada lugar é cultural e regional. É difícil ter uma resposta única para esta pergunta. Mas é realmente uma questão de adaptação.

Especialmente se você pensar que muitas das pessoas tirando essas fotos são de uma geração mais nova. Há 40 anos, quando eu era criança, a pessoa que tirava todas as fotos das férias em família eram os pais. Eram os pais que determinavam o que seria, no futuro, a memória da família. Então tínhamos aquela perspectiva bastante patriarcal e masculina. Quem tira as fotos hoje? Os filhos. Então temos hoje uma perspectiva diferente sobre as famílias. Nesse sentido, a mudança é interessante.

A males que vem para bem...


No caso da política, é mais fácil hoje trazer de volta promessas de campanhas e escândalos envolvendo os candidatos para continuar cobrando respostas. A tecnologia estaria ajudando a nossa memória política, mas o jornalismo sempre fez isso, mas era muito difícil. 

Você tinha que analisar um arquivo imenso para encontrar o momento em que uma pessoa prometeu algo. Mas agora qualquer um pode fazê-lo, chama-se Google. Isso tem um efeito adverso na política. Porque os políticos, assim como qualquer um, não querem ter que responder por opiniões e promessas que inevitavelmente mudam - por boas e más razões. Então o discurso deles tende a ser mais vazio.

Por outro lado, há uma filosofia de que a memória perfeita e completa sobre todas as coisas é algo bom, mas isso ignora algo fundamental: nem todas as memórias são boas. Também queremos esquecer coisas. Esquecer não é disfuncional, é muito importante.

Caso Ana Paula Valadão


A mais recente "vítima" dessa compulsão tecnológica foi a cantora Ana Paula Valadão. Ela fez uma homenagem inusitada ao postar uma foto segurando a mão de sua avó em redes sociais na última quinta-feira, 23. Detalhe: A foto foi tirada no velório da própria avó, que havia morrido no dia anterior.

"Até aquele dia, vovó. Que bom que te demonstrei todo amor em vida", publicou. A postagem vem sendo bastante repercutida nas redes sociais, com a maioria dos comentários criticando a atitude de Ana Paula.

A tal foto já foi tirada da rede, mas eu também não iria cometer a imbecilidade de reproduzi-la aqui. Veja abaixo a reação das pessoas após a divulgação da tal foto:

Ana Paula Valadão não se cansando de dar close errado, vai no velório da avó e tira foto com a defunta. O que não se faz por likes, né?
sobre a foto da Ana Paula Valadão postando foto da avó no velório:

RIDÍCULO AND DESNECESSÁRIO
ana paula valadao carentíssima de likes tirando selfie ate com cadáver likeforlike#



Gente,essa Ana Paula Valadão é louca ou tá querendo ibope, né possível, depois do discurso moda, foto c/ defunto?affpic.twitter.com/xOaaYdkZDW

Conclusão


Após ser criticada pela foto, Ana Paula Valadão decidiu se retirar das redes sociais, pelo menos em um primeiro momento. Ela publicou foto com mensagem a seus seguidores (abaixo) pedindo que busquem em outro perfil atualizações do ministério evangélico que participa: "Meus posts pessoais eram um modo de compartilhar meu coração com vocês. Obrigada aos que sempre leram com carinho. Porém, a partir de agora para notícias de nosso ministério acompanhe os perfis do DToficial".

A estrela do circuito musical gospel apagou a imagem com a avó. Ela ficou em evidência há um mês por se posicionar contra campanha da C&A para o Dia dos Namorados, o que motivou que muitos internautas lhe dirigissem protestos e acusação de homofobia. A peça publicitária mostrava homens com roupas consideradas femininas, e mulheres com roupas consideradas masculinas, conceito reprovado por Ana Paula.

Uma pena que o ocorrido com a estrela gospel não servirá de exemplos para tanta gente sem noção que vive postando tanta coisa dispensável nas redes sociais.