Não é segredo para ninguém que a década de 1980 foi bombástica para a música brasileira, especialmente para o pop, o pop-rock e o rock. Foi nesta década que surgiu no cenário musical brasileira nome que ainda hoje são referência. Não vou citar nomes para não cometer injustiças, mas a safra foi boa.
Especificamente o ano de 1986 foi mágico pro rock brasileiro. A saber: nesse ano foram editados "O Concreto Já Rachou" (Plebe Rude), o primeiro do Capital Inicial, o primeiro EP do Violeta de Outono, "Vivendo E Não Aprendendo" (Ira!), "Dois" (Legião Urbana), "Selvagem?" (Os Paralamas do Sucesso), só para citar os mais famosos. E entre eles, há um destaque: o terceiro LP do octeto paulistano, Titãs, "Cabeça Dinossauro".
Abandonando o lado mais pop dos dois primeiros discos ("Titãs" e "Televisão"), a banda aposta em uma sonoridade mais rock, mais punk, além de produzir algumas das consideradas melhores canções da década. Eram os Titãs mostrando que vinham para ficar. Eu, que era fã confesso dos pops internacionais (Madonna, Michael Jackson, Cindy Lauper e cia. ltda....), comecei a ceder mais para a música brasileira por causa dos Titãs.
Um pouquinho da história
Mas antes de estourarem com "Cabeça Dinossauro", os Titãs tiveram um começo difícil. Em 1981, alunos do Colégio Equipe se reuniram para participarem de eventos culturais: Sérgio Britto, Arnaldo Antunes, Paulo Miklos, Marcelo Fromer (☆1961/✟2001), Nando Reis, Ciro Pessoa e Tony Bellotto formaram, no mesmo ano, os Titãs do Iê-Iê-Iê. Já acrescidos de Branco Mello, debutam no dia 15 de outubro de 1982, no Sesc Pompéia, tendo André Jung, na bateria.
Com nove integrantes - uma novidade "exagerada" na época -, sendo seis vocalistas, os Titãs chamavam a atenção pela criativa mistura de pop, rock, MPB e brega, além das roupas espalhafatosas, penteados gozados e coreografias estranhas.
A luta era árdua e ficaram tocando em qualquer lugar pelos próximos dois anos. Nesse período a banda perde Ciro Pessoa e chama a atenção da Warner. Antes de assinarem o contrato, resolvem abandonar a coisa do Iê-Iê-Iê, e passam a ser apenas Titãs.
Assim, em 1984, lançam o primeiro disco, somente com o nome do grupo, com produção de Pena Schmidt e um hit estourado nas rádios brasileiras, 'Sonífera Ilha'
('Não posso mais ficar assim ao seu ladinho / Por isso colo meu ouvido num radinho... de pilha / Pra te sintonizar, sozinha numa ilha / Sonífera ilha, descansa meus olhos, sossega minha boca, me enche de luz...").
Essa é a letra totalmente sem noção da música que grudou feito chiclete.
Com um apelo visual muito forte e muito bom humor, tornam-se figuras carimbadas de programas televisivos como Chacrinha (☆1917/✟1988), Bolinha (☆1936/✟1988), Raul Gil e Perdidos na Noite (programa antológico apresentado por Fausto Silva, exibido pela Band entre 1984 e 1988, nas noites de sábado, antes do apresentador virar "essa coisa" medonha em que se tornou o Faustão da Globo).
Em 1985, acabam fazendo um troca-troca de bateristas com o Ira!. Dessa maneira, Charle Gavin deixa o Ira! e recebe, em troca, André Jung. Fecha-se a formação clássica do grupo.
A banda volta ao estúdio, dessa vez com produção de Lulu Santos. Televisão é lançado em 1985, e traz dois hits radiofônicos: 'Insensível' e 'Televisão'. Apesar disso, o LP vende pouco, assim como o de estréia.
Polícia!...
No final do ano - 13 de novembro -, a banda passa por uma situação delicadíssima quando Tony Bellotto e Arnaldo Antunes são presos com heroína. Arnaldo ficou 26 dias preso e foi condenado por tráfico, enquanto Tony, por porte. Os dois foram condenados, mas cumpriram a pena em liberdade, pois eram réus primários.
A experiência da prisão deixou sequelas em Arnaldo Antunes, que começa a escrever canções mais "pesadas" e contra o sistema. Resolvem mudar radicalmente para o terceiro LP, que contaria com a produção de Liminha, o ex-baixista dos Mutantes e renomado produtor da cena rock/pop brasileira dos anos 80. Liminha tinha a fama de mexer nos arranjos, melodias, letras e ser centralizador, o que assustou a banda.
E, de fato, a banda ficou assustada ao ver que realmente Liminha agia mais como um membro fixo de um grupo do que apenas um produtor. No entanto, ele foi vital para poder traduzir as idéias do grupo, especialmente de Arnaldo, que começava a ser o principal letrista. O melhor exemplo está na canção 'O Que', que nasceu como uma música convencional, até que Liminha sugeriu que Arnaldo mudasse a letra e a melodia. O resultado foi uma mistura de rock com música experimental, de vanguarda.
Cabeção
"Cabeça Dinossauro" levou o grupo ao auge da carreira. Com um espetáculo muito bem pensado, dirigido e executado, vendeu rapidamente 300 mil cópias e chamou a atenção pela violência das composições e pela penca de hits.
Nada menos que seis canções ocuparam as paradas daquele ano: 'AA UU', (a polêmica) 'Igreja', (a confrontadora) 'Polícia', (a "politicamente correta") 'Família', (a filosófica) 'Homem Primata' e 'O Que'. 'Bichos Escrotos' acabaria sendo vetada para a audição em rádios por causa da expressão "Vão se f...!" (reminiscências da censura do Regime Militar).
Cabeça Dinossauro foi o primeiro da banda a alcançar disco de ouro, em apenas 6 meses. Após dois discos que não conseguiram "capturar" muito bem a essência da banda, os músicos tentaram inovar com algo mais pesado dessa vez, e deu certo, com uma mistura de punk rock, reggae e algo pop, Cabeça Dinossauro é um marco na história do rock n' roll nacional e um clássico absoluto dos Titãs, com músicas para todos os gostos.
A capa foi baseada em um esboço do pintor italiano Leonardo Da Vinci, intitulado A expressão de um homem urrando. Em 1997 a antológica revista Bizz - extinta publicação especializada em música que fez muito sucesso - elegeu Cabeça Dinossauro como sendo o melhor álbum de pop rock nacional com 11, de suas 13 faixas sendo executadas em rádios.
Cabeça Dinossauro inauguraria a áurea fase do grupo, que recebe vários prêmios de crítica e público, dando à banda papel de destaque na cena brasileira. Alguns críticos mais detratores reclamam que o grupo fazia um "punk de plástico" e ironizam "a revolta dos jovens dos Jardins" (tradicional bairro de classe média e alta de São Paulo), dizendo que o Titãs era copia de outras bandas do cenário punk.
Faixa a faixa
1. 'Cabeça Dinossauro' (Paulo Miklos, Arnaldo Antunes, Branco Mello) – A Faixa de abertura e título do álbum mostra quão a banda era inovadora para a época, com pouco mais de 2 minutos de música, possuí apenas 3 versos, algo inusitado no Brasil, tem um instrumental bacana e cativante, com guitarras pesadas e uma batida de bateria inspirada em tambores indígenas da tribo Xingu, mostrando também o lado cultural que a música brasileira pode ter. Com participação especial de Liminha na percussão.
2. 'AA UU' (Marcelo Fromer, Sérgio Britto) – Com o calcanhar no punk rock, só que com uma batida um pouco mais leve, AA UU é a primeira música de trabalho do disco, versos cantados rápidos e um refrão simples fazem da música um clássico da banda, sempre presente em seus shows até os dias de hoje, porque ganha peso ao vivo e é ideal para pular.
3. 'Igreja' (Nando Reis) – Mostrando um pouco mais de técnica e uma letra um tanto quanto questionadora, a partir daqui a banda mostrava todo seu potencial para criticar certos costumes da sociedade de uma forma não-convencional e que chega sem enrolações aos seus ouvintes, um dos principais fatores que levavam a banda a ter letras censuradas diversas vezes. É uma letra blasfema. Na época, como eu não era cristão, eu até achava engraçado cantá-la, mas hoje vejo o que Nando Reis exagerou na dose.
4. 'Polícia' (Tony Bellotto) – Se tornou hino por ser tão realista (infelizmente) mostrando toda a corrupção da polícia no Brasil, um punk rock cativante e agitado que soa ainda melhor ao vivo e acaba tomando conta de todos por perto. Até mesmo dos policiais. Um soco na boca do estômago da sociedade, e lançada também como um protesto sobre a ditadura militar no país, que reinou de 1964 a 1985. Melhor música do disco e uma das melhores da banda, sem dúvida.
5. 'Estado Violência' (Charles Gavin) – Única música composta pelo baterista Charles Gavin, inicia-se com uma introdução na bateria e uma linha de baixo interessante, é provavelmente a música com pegada mais pop do álbum, não chega a marcar, mas é uma boa música. A letra critica principalmente a ditadura militar, que tinha acabado de deixar o poder no país, citando a violência que ela praticava e o poder que ela exercia sobre os civis que não podiam ter uma opinião
6. 'A Face do Destruidor' (Arnaldo Antunes, Paulo Miklos) –Beirando o trash metal (Sim!), uma pancadaria ensurdecedora começa e termina com pouco mais de 30 segundos… felizmente. É uma faixa que poderia ter ficado de fora do álbum, pois logo que se dá seu início, o ouvinte fica aflito esperando a próxima música.
7. 'Porrada' (Arnaldo Antunes, Sérgio Britto) – Com um riff bem hard rock, a banda volta ao seu jeito não tão pesado, e com outra letra tratando de temas polêmicos, abertamente, a banda mostra que a música é uma forma muito válida e agradável de se fazer um protesto, isso é rock brasileiro, letras que inspiram e fazem algum sentido, sem ficar choramingando ou andando de calças coloridas por aí.
8. 'Tô Cansado' (Arnaldo Antunes, Branco Mello) – Eis uma letra que poderia cair muito bem no Brasil agora, em ano de eleição quando já esperamos "candidatos" que fazem zona no horário político, os políticos de verdade deveriam se mexer e fazer alguma coisa para que isso não se repetisse diversas vezes, só assim o Brasil deixaria de ser o que é, e começaria se tornar um país sério.
Agora voltando a música em si, não traz nada muito novo ao álbum, tem aquela pegada pop rock com uma pitada de punk e a letra apesar de todo o discurso político, é uma das mais simples do álbum, o refrão 'Tô Cansado' chega a se repetir exageradamente, enjoando o ouvinte.
9. 'Bichos Escrotos' (Arnaldo Antunes, Sérgio Britto, Nando Reis) – Outro hino da banda, já em seu riff de abertura 'Bichos Escrotos' traz energia total. A Banda já tocava a música desde 1982, mas não puderam gravá-la antes por causa da censura, e mesmo após a ditadura a música foi proibida de tocar nas rádios por conta de palavrões em sua letra.
Mesmo assim rádios se arriscaram, pagaram multas e tocaram a música, mostrando toda a força que o Titãs estava alcançando na época. O uso de sintetizadores durante a música nos faz lembrar bastante de outra música do Titãs, Sonífera Ilha, em seu fim tem um excelente solo de baixo que dá um "quê" a mais pra música, além é claro de sua polêmica letra.
Em seus versos a banda cita os bichos considerados sinais de doença (baratas, ratos, pulgas) fazendo uma alusão que assim é a vida do suburbano, cheia de lixo e para os bichinhos bonitinhos (oncinhas pintadas, zebrinhas listradas, coelhinhos peludos) irem se f..., porque não é essa que a imagem da vida da sociedade passa. O triste é saber que enquanto músicas boas como essa eram censuradas e hoje em dia "letras" muito piores como alguns funks tocam por aí sem o menor problema, e com crianças de 8, 9 anos falando putarias e outras coisas por aí, a triste realidade da hipocrisia brasileira.
10. 'Família' (Arnaldo Antunes, Tony Bellotto) – Aqui a banda deixa as críticas pesadas e o lado mais punk de lado, com uma pegada agradável e calma, quase adentrando em um reggae, a música mostra a agradável (ou não) convivência dentro de uma família, e no fundo, a família é tudo o que realmente sobra em alguns casos, contagiante e alegre, Família não tem aquele ponto forte de criticar algo da sociedade, mas é uma bela obra da banda.
11. 'Homem Primata' (Ciro Pessoa, Marcelo Fromer, Nando Reis, Sérgio Britto) – E aqui temos uma das maiores pérolas do Titãs e do rock nacional! Com sua pegada um pouco mais pop do que o restante do álbum, e um refrão chiclete, que assim como a maioria das músicas da banda ganha mais energia ainda ao ser tocada ao vivo, a música crítica principalmente o capitalismo praticado pelos humanos e faz várias referências ao longo da música como a passagem pela "selva de pedra", fazendo alusão às grandes metrópoles que com tantos prédios em sua volta acabou virando uma grande floresta, e as pessoas que habitam esse ambiente são nada mais do que "Homens Primatas", fazendo a mesma coisa que os macacos faziam, criando e destruindo.
No meio da música também existe uma passagem de crítica ao globalismo, com alguns versos em inglês da música de uma forma um pouco "irônica", e também além de tudo isso, voltando a criticar a religião na passagem absurda:
"Eu aprendi / A vida é um jogo / Cada um por si / E Deus contra todos / Você vai morrer e não vai pro céu / É bom aprender, a vida é cruel".
Sem Comentários.
12. 'Dívidas' (Arnaldo Antunes, Branco Mello) – Aqui a banda crítica o que quase todo brasileiro reclama no fim do mês, trabalha, trabalha, trabalha e no fim não sobra nada para gastar, a única coisa que se tem são Dívidas, seja em contas, recibos ou impostos, e que o governo não faz nada para ajudar o povo, e o salário se desvaloriza cada vez mais. Realidade. Musicalmente a música não traz nada de novo ao álbum, soa apenas como uma mistura de tudo tocado até aqui.
13. 'O Quê' (Arnaldo Antunes) – Pra encerrar esse magnífico álbum uma música não tão grandiosa, a faixa mais longa do álbum (5:40) inicia-se com uma introdução na bateria, tem uma pegada bem parecida com o restante das músicas dos álbuns anteriores, mas como se fosse uma junção de Tô cansado (em seu jeito de cantar, e a forma de como a letra foi composta) e Família (musicalmente falando), é muito repetitiva e chega a enjoar certa hora, porém não tira o brilho dessa pérola que é o álbum.
Conclusão
"Cabeça, ao vivo"
Imagem da banda na clássica formação |
As duas mil pessoas presentes no Circo Voador em 9 de junho de 2012 foram as privilegiadas para participarem e interagirem com os Titãs na gravação do show Cabeça Dinossauro Ao Vivo 2012, que celebrou os 30 anos de carreira da banda, que brindou os fãs tocando na íntegra o emblemático álbum de 1986. A gravação do concerto rendeu com o lançamento do CD, DVD e Blu-ray em 2012.
O projeto de levar ao palco as músicas do álbum já era antigo e foi concretizado a partir do início de 2012, quando os Titãs realizaram uma série de sete shows no Sesc Belenzinho, em São Paulo. Aliás, a banda só tocaria o álbum na íntegra na casa paulistana. Porém, a procura por ingressos foi tão grande, que se encerraram em apenas duas horas. Então, devido a grande repercussão sobre a "volta do Cabeça", os Titãs tiveram de estender a série de espetáculos para celebrar as três décadas de estrada e as "bodas de prata" do disco de 1986.
O Titãs provou em Cabeça Dinossauro que o Brasil tem qualidade pra se fazer música que presta (dadas as devidas proporções e dentro do que se propõe), e não se limitar aos lançamentos de hoje em dia de bandas sem criatividade e letras insignificantes, enfim, álbum muito mais do que recomendado para qualquer um que goste de música, independente de rótulos, é um álbum que marcou época na história musical do Brasil.
Em 1º de junho 2012 o álbum ganhou uma reedição remasterizada e a inclusão no repertório da música Vai pra Rua. Composta por Arnaldo Antunes com Paulo Miklos, a música chegou a ser gravada na voz de Arnaldo, mas acabou sendo substituída no repertório final por 'Porrada'.
A banda hoje já se fragmentou com a saída de integrantes para carreiras solos (Paulo Miklos também iniciou uma bem sucedida carreira como ator) e, na minha opinião, devia sair de cena enquanto ainda lhe resta dignidade.
A Deus, o Pai, toda glória.
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E nem 1% religioso.
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