Todos nós convivemos com dois conceitos de família: o ideal, isto é, aquilo que idealizamos, que gostaríamos de ter, que está como um desejo na nossa mente, e o real, cujas características não precisamos procurar pois estão aí mesmo.
A dinâmica entre o ideal e o real aparece em quase todas as situações: quando comparamos a nossa família com a do outro; quando pensamos nas vitórias e fracassos; quando avaliamos os padrões, valores e comportamentos e descobrimos que "poderia ser melhor".
Além disso, ocupando um lugar de muita importância, está a espiritualidade, elemento sempre oscilante nas condições de peso e medida de qualquer um. Muitos nunca estarão plenamente satisfeitos com a espiritualidade de suas famílias; outros, nunca saberão dizer exatamente o que é, mas notarão que "falta alguma coisa"; e os que têm consciência de um nível satisfatório de espiritualidade sentem-se inibidos, cuidadosos, temerosos de que a sua satisfação possa representar, para os outros, um tipo de acomodação ou mesmo de presunção.
Neste artigo, nós vamos definir a fé e sua vivência; levantaremos alguns pontos sobre práticas religiosas que são sempre motivo de tremor e temor e buscaremos o equilíbrio entre o ideal e o real.
O que é a fé
O teólogo Paul Tillich [Quem é: Paul Tillich (✯1886-✞1965 é geralmente considerado um dos mais excelentes pensadores e influentes do século XX. Após ensinar teologia e filosofia em várias universidades alemãs, ele foi para os Estados Unidos em 1933 devido às ameaças de Hitler, uma vez que este já se encontrava no poder. Após muitos anos sendo professor de Teologia Filosófica na Union Theological Seminary na cidade de Nova Iorque, Tillich passa a ser professor da Harvard University. Os livros que ele publicou foram: Teologia Sistemática; A coragem de ser; Dinâmica da Fé; Amor, Poder e Justiça; Moralidade e Além; e Teologia de Cultura.] apontou três tipos de fé:
a) "Sacramental"
É a experiência que faz com que o sagrado, a divindade, Deus, esteja presente num objeto, numa pessoa, num acontecimento. Quem conhece alguma lista de sacramentos como batismo, comunhão, confissão, sacrifício, sabe o peso dessa palavra. Nesse sentido, a religiosidade ou, como alguns preferem, a espiritualidade, necessita de um suporte material para ser intensa: este cálice, este pão, um templo, a roupa de um santo, um objeto de uso pessoal, um monte. A doutrina da transubstanciação, aquela que faz com que Jesus Cristo esteja presente na celebração da ceia e, no ato, o crente come o corpo de Cristo no pão e bebe o sangue de Cristo no vinho, revestiu a ceia de um ar sagrado que, para muitos, ficar sem tomar a ceia é perder a semana, o mês, a graça daquele período. É o tipo sacramental.
b) "Mistica"
Aquilo que mobiliza a pessoa ir além dos sacramentos, a ultrapassar os seus significados, a não medir esforços para atender as "exigências" da religiosidade é a mística. A mística não é irracional; é intensidade e carência. Alguns dos maiores nomes da história humana eram místicos e, mesmo assim, muito racionais. Que leva uma pessoa a jejuar 40 dias? A subir a escadaria de uma igreja de joelhos? A fazer uma promessa exigente? Que leva o monge a viver solitário, retirado, longe do mundo e das coisas? Que levou João Batista a comer gafanhotos e mel silvestre? A mística.
A Bíblia está cheia de relatos sacramentais: a terra santa que Moisés estava pisando (Êxodo 3:5); o Santo Templo do Senhor (Salmo 11:4; Habacuque 2:20), os pães da proposição (2 Samuel 9:7-13; Lucas 22:30) e outros; e de momentos místicos também: a visão de Isaías, a santidade de Deus e o que causou no profeta (Isaías 6:1-8); a visão de Jacó (Gênesis 28:10-17).
c) "Humanística"
Este último tipo não ocupa muito espaço nos círculos cristãos, mas não deixa de trazer seus reflexos em alguns casos. É aquele tipo estimulado pelo exemplo de uma pessoa, um mentor, um guru, um líder influente. De alguma maneira, a pessoa vai tentar imitar "aquele exemplo"; internamente ela faz uma transferência colocando a fé mais sobre a imitação do exemplo do que sobre a divindade. Não vamos confundir esse processo com "crer no homem". Na Bíblia, há relatos em que as pessoas viveram esta experiência: pessoas foram trazidas para que "ao menos a sombra de Pedro passasse sobre elas" (Atos 5:15). o capítulo 21 de Atos fala da grande presença de Paulo em Éfeso e como a sua figura pesou sobre os seus ouvintes.
Tradição de família
Quando encontramos as famílias em busca de crescimento espiritual, normalmente revelam a influência de uma tradição que contém algum dos traços acima. Aí surgem as grandes perguntas: "como vou saber se o meu filho é salvo"?, "Eu não vejo interesse no meu marido (na esposa) pela igreja"; "Quando será que Deus vai confirmar a decisão dele[a]?"
Todos os elementos de uma religiosidade autêntica devem ser claros, conhecidos, identificados e trabalhados por toda a família. Quando existe desinformação e confusão o prejuízo pode ser grande.
- Ensino
Lugar do ensino é permanente; os pais serão ensinados por alguém e ensinarão a seus filhos os conteúdos da fé, da vida cristã. O maior discipulado acontece dentro de casa; esta é a fórmula do judaísmo que funciona até o dia de hoje.
- Conversão
Os pais devem ter convicção de sua conversão, o tempo em que ela aconteceu, como foi, quem evangelizou, elementos de peso nesse processo, pessoas importantes, fatos marcantes, para que possam contar isso aos filhos, se eles realmente são crentes, se já perceberam que a conversão é individual, que o simples fato de terem nascido num lar cristão não é garantia de salvação para o indivíduo.
- Oração
Quando estamos ensinando as crianças a orar tudo é muito fácil e comovente; porém, quando elas crescem e começam a receber o impacto da cultura, dos colegas da escola, de professores que não creem em Deus, algumas mudanças acontecem. O ritmo diminui, as prioridades são alteradas e o interesse muda de acordo com a idade.
Novamente, os pais carregam sempre o peso do exemplo. Qual é o pai que poderá exigir do filho dedicação e oração se ele mesmo não for dedicado e não orar? Que tipo de comportamento será exigido apenas com o pretexto de autoridade, isto é, "faça porque eu, pai ou mãe, estou mandando"? Não funcionava antes e não funciona hoje.
- Comunhão
Isto diz respeito à vida na igreja, participação nos círculos de trabalho cristão, grupos de crescimentos, missões, evangelismo, atividades que priorizam a participação de muita gente. Somos seres da sociedade, portanto, a nossa vida se desenvolve em grupos.
Devo forçar meu filho a ir à igreja?
Não. Devemos ensinar o valor, papel e lugar da igreja na nossa experiência de fé. O importante nesse problema é o seu fundamento: se alguém não quer ir à igreja é porque não sabe o ser valor; logo, ainda não experimentou a conversão.
Mesmo que seja doloroso para os pais é preciso saber que a conversão é pessoal e, em muitos casos, filhos podem não tomar a decisão por Cristo. Estarão perdidos, mas dentro do critério de liberdade de escolha que o próprio Deus colocou no ser humano. Como alguém perdido, sem fé, desejará estar na igreja?
Assim, podemos compreender que a pergunta sempre foi feita da maneira errada. A questão não é: "devo forçar meu filho a ir à igreja?" Quando ele for adulto não poderá ser forçado, mas decidirá mesmo contra a posição dos pais, adulto não poderá ser forçado, mas decidirá mesmo contra a posição dos pais. Cada casal deve formular a pergunta da seguinte forma: "Nosso[a] filho[a] é crente em Cristo e, por isso, gosta e ir à igreja porque sabe o que ela é?"
O culto doméstico
Enquanto os filhos são pequenos tudo é mais simples: os horários são organizados, as rotinas são conhecidas, todos sabem dos passos de todos. Quando as idades mudam, os costumes também mudam.
A experiência do culto doméstico sempre foi excelente em qualquer situação, mesmo naquelas em que um dos cônjuges não era crente, não participava, mas o outro insistia na sua convicção e mantinha a sua prática junto aos demais interessados; mesmo não participando o ausente sabia (e sabe) dos valores morais, éticos e espirituais que aquele momento de culto traduz na realidade das pessoas e das famílias.
Esse momento de culto doméstico não pode ser maçante, estranho, forçado, mas de acordo com a receptividade de cada lar. Nem sempre será possível cultuar todos os dias com a família toda. Aquela ideia de que o pai é um sacerdote deve ser vista com seriedade, lembrando que a Bíblia diz que todos nós somos "povo santo e sacerdotes"; cada um tem acesso direto ao Pai sem necessitar de intermediários. O culto doméstico, vibrante, dinâmico, atraente, tem o propósito de reunir a família em torno da Palavra de Deus, de fomentar nos participantes a necessidade de uma experiência de salvação e edificar as pessoas sobre a doutrina da salvação.
Dedicação total
O último aspecto que vamos destacar sobre a fé no dia-a-dia é a dedicação, a resposta grata e fiel a Deus por tudo o que Deus é e faz. O parâmetro que colocamos é o dízimo, meio que a Bíblia ensina para sustento dos ministérios do templo, no Antigo Testamento, e da igreja, no Novo Testamento.
Há igreja em que a lista de contribuições da igreja, normalmente exposta em algum lugar para que os membros possam acompanhar suas ofertas. Quantos não entregam os dízimos, há anos, e nem pensam em fazer isso? E aqueles que "defendem" que isso tem que partir do coração das pessoas? Como explicar tal comportamento na igreja?
Simples. A igreja é o que as famílias são; logo, a pessoa se mostra na igreja como ela é na família; quem não é dedicado na família não será dedicado em lugar algum. Faça o teste analisando os que são dedicados na igreja e pergunte sobre eles aos membros de suas famílias. Dificilmente alguém será contestado se for dedicado a Deus.
E aqueles que têm renda baixa ou são muito pobres? Devem ler o Novo Testamento e aprender o que Jesus ensinou quando viu a viúva pobre colocar tudo o que tinha na arca do tesouro. Jesus sabia que dízimo - ou qualquer outro compromisso financeiro no âmbito eclesiástico - não tem relação com prosperidade, mas com fidelidade.
Dízimos e ofertas
Muitas denominações pregam o dízimo como sendo uma obrigação, entretanto, não é assim que a Bíblia ensina. O dízimo foi obrigatório no período da Lei. Hoje, o dízimo não deve ser encarado como uma obrigação e sim como um privilégio. O problema é que não são poucas as denominações que usam textos como o de Malaquias 3:10, para constrangerem, atemorizarem seus membros a dizimarem e ofertarem. Isso para mim é extorsão mediante a manipulação. Deus não precisa disso!
Hoje eu sou livre para dizimar ou não. Tudo vai depender da minha dedicação. Entendo e ensino o dízimo como sendo uma expressão de gratidão a Deus por tudo o que Ele me dá - Afinal "quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém." (Romanos 11:35,36). A oferta entendo como sendo uma expressão a Deus por tudo aquilo que Ele me dará; é um ato de adoração por fé. Ou seja, o dízimo é fruto da minha fé e fidelidade a Deus. A oferta é uma semente de fé que prova minha generosidade e amor a Deus. Simples assim!
Conclusão
O segredo, que é bem conhecido, está no lugar que Deus ocupa em nossa vida e dentro das nossas famílias. O carcereiro de Filipos, mesmo sendo obediente a Roma, descobriu que Deus não ocupava o primeiro lugar em sua vida e decidiu mudar. Quando isso aconteceu, usou de sua autoridade de líder da família (naquele conhecido contexto ele era o líder) e levou os dois cristãos, Paulo e Silas, à sua casa e deu a oportunidade da exposição do evangelho. Assim, a luz do evangelho chegou, iluminou aquela casa, estruturou pessoas, libertou cativos e a alegria foi geral. Todos foram batizados (ver Atos 16).
Há um milagre para cada família; Deus se revelou a Jeremias incentivando o profeta a clamar para descobrir "coisas grandes e firmes"; e ele descobriu. Quando as famílias estiverem disponíveis, barreiras destruídas, preconceitos vencidos, Deus mostrará o que cada família pode realizar.
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