"TÔ NEM AÍ, TÔ NEM AÍ!..."

Há alguns verões, uma composição chamada "Tô nem aí" - um dos tantos "hit chicletes", cuja cantora e autora, Luka, provou seu verão da fama e hoje está oculta em algum lugar no limbo do esquecimento. O refrão do "clássico" dizia: "Tô nem aí, tô nem aí / Pode ficar com com seu mundinho, eu não tô nem aí / Tô nem aí, tô nem aí / Não vem falar dos seus problemas que eu não vou ouvir..." A mensagem da música é que ninguém está preocupado com os outros, nem mesmo com a vida. Apesar da tal música ser infame de tão ruim, seu refrão não deixar de ter sua profundidade filosófica. "Já nem me lembro seu nome, seu telefone fiz questão de apagar", diz outro trecho. A sugestão é clara: você precisa se reinventar, virar a página e estar "noutra".

O sociólogo Max Weber, muito lido e discutido no meios acadêmicos, ensina que a religião pode se manifestar de dois modos - acético = bobo, fé exacerbada, fácil de ser enganado, ingenuidade, analisado em um contexto semântico, acético será antítese do cético - e místico = aquilo que a inteligência humana tem dificuldade em explicar. No modo acético, o fiel se vê como instrumento de Deus, adotando uma postura ativa na qual aprende a se dominar, controlar seus impulsos e quer controlar o mundo (Ascese no mundo = A as­ce­se é a prática da renúncia ao prazer ou mesmo a não satisfação de algumas necessidades primárias é um processo de santificação pessoal, mortificação. Ascese cristã é o esforço que fazemos para dominarmos os nossos sentidos, corrigirmos as nossas más tendências e vivermos um processo de libertação interior. A Igreja propõe aos fiéis co­mo algumas das práticas ascéticas, o jejum e a abs­ti­nên­cia, penitências, Louvor e adoração ao Senhor.) para servir a Deus. É um comportamento que tende para a transcendência e personalização do divino, muitas vezes como repressor; é fruto de esforço; tem enfoque ético, exigindo dentro de um mundo uma transformação dos fiéis em termos condutas morais.

Já no modo místico, a busca é pelo desenvolvimento de uma postura contemplativa em que o fiel se vê como receptáculo do divino. Aqui, o desenvolvimento é de uma ascese para fora do mundo, tendendo para a imanência e despersonalização do divino, constituindo experiência para os iniciados. Neste caso, a vida não tem qualquer abordagem ética - o que importa é a contemplação e a vida mística. Portanto, a religião mística não afeta a conduta da maioria dos fiéis no cotidiano.

Olhando a análise desses dois tipos de religiosidade, creio que precisamos das duas abordagens em equilíbrio. É preciso buscar a santificação, mas também é preciso continuar a viver no mundo. É necessário aspirar à vida ética; mas também à contemplativa.

O paradoxo do ser com o estar

Um dos dilemas é que muita gente está tão envolvida e preocupada com sua espiritualidade interior que se esquece de seus compromissos éticos e sociais, de modo a nem se importar como anda sua conduta. Há crentes adulterando, flertando com a promiscuidade, com as drogas, e, como diz a música da Luka, não tão nem aí. São portadores da "síndrome do não-tem-nada-a-ver". Pouco se importam com a santidade - essa, aliás, apesar de ser absoluta sob o contexto bíblico, foi relativizada pelos ativistas da liberalidade -, com as disciplinas espirituais, com a transformação do caráter. O que vale mesmo é a curtição mística para implementar a alma e adornar o "espírito". O resto é meramente resto. E, os outros são os outros e só.

Não é possível encarnar Cristo em nossa vida, ser sal da terra e luz do mundo - como nos recomenda a Palavra -, somente com a contemplação e sem a santidade ética. Uma coisa não bate com a outra. Você iria a uma consulta para emagrecimento com um médico que pesa 120 quilos? É a mesma coisa que cantar: "Tô nem aí com a vida, com a ética / O que importa mesmo é o que estou sentindo, o que meu coração tá falando". E, ao contrário da música que hoje já não é mais tocada, isso virou moda e que, infelizmente, no mundo cristão, ainda é forte tendência.