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quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

PAPO RETO — A IGREJA EVANGÉLICA ESTÁ APTA A RECEBER OS MARGINALIZADOS?

Ontem (13/01) eu estava meditando sobre a Parábola do Bom Samaritano e sua aplicação no atual cenário da igreja evangélica brasileira. Minha reflexão não irá enfatisar as minúcias da interpretação teológica da conhecida passagem bíblica, mas sim fazer uma confrontação de sua mensagem com o que vemos nos círculos religiosos da vertente evangélica.

A importância da parábola do bom samaritano para o cristianismo é algo que não dá para calcular. Jesus utilizou um exemplo fantástico para ensinar sobre o segundo mandamento. Ele nos apresenta a essência do que significa amar ao próximo. Quem é o nosso próximo e como devemos tratá-lo.

Por isso, eu lhe estimulo a ler este artigo até o final, pois a compreensão desse tema nos nossos dias possui uma importância sem precedentes na história. Nunca fomos tão exigidos no amor ao próximo. As mazelas sociais, doenças da alma, e o sumiço do afeto natural promovem essa necessidade.

Portanto, leia até o final e aproveite a "viagem"!

Ensinando em parábolas


Há, na Bíblia Sagrada, vários estilos literários. Um dos mais comuns é a parábola. As parábolas são narrativas (factuais ou fictícias) usadas para ensinar verdades concretas, reais, e espirituais. O termo vem de duas palavras gregas (para = ao lado de; ballein = lançar), e, etimologicamente, significam algo que é lançado ao lado de outro para comparação.

Muitas pessoas pensam que as parábolas são recursos literários peculiares à Bíblia. Entretanto, sabe-se que elas já eram utilizadas pelos grandes sábios orientais, e consistia num método popular de instrução e de ensinamento, cujo propósito era o de fazer com que as mensagens transmitidas fossem mais facilmente entendidas pelos seus ouvintes.

Uma das mais conhecidas parábolas da bíblia é, certamente, a famosa parábola do bom samaritano, registrada no evangelho de Lucas, 10:30–37. Entendida como uma perícope, isto é, como um texto completo em si mesmo, essa passagem é foco de uma variedade de interpretações. Vamos ao básico.

O Contexto 


Esta parábola nasceu de um teste. Um perito na lei, quis pôr Jesus a prova quanto a questão do amor ao próximo (Lc 10:25). O Senhor sabendo quem ele era, Lhe pergunta: "O que está escrito na lei?" (vv. 26). A resposta do perito foi a repetição do primeiro e grande mandamento, o de amar a Deus com todo o seu ser (vv. 10:27).

O Mestre Jesus concordou com a resposta dele, mas como se tratava de um teste, o perito na lei questionou sobre quem seria o "próximo". Após essa pergunta Jesus começa a ministrar a parábola do bom Samaritano.

O Caminho 


Em resposta, disse Jesus: 
"Um homem descia de Jerusalém para Jericó, quando caiu nas mãos de assaltantes. Estes lhe tiraram as roupas, espancaram-no e se foram, deixando-o quase morto" (10:30).
Não foi sem razão que o Senhor deu início a parábola utilizando o caminho de Jerusalém para Jericó, como cenário da ilustração.

Jericó era a morada de inverno de Herodes "O Grande". Ele ornamentou a cidade e a deixou extremamente bonita e atraente, uma espécie de ponto turístico. Por essa razão muitos viajantes trilhavam esse caminho.

Como uma coisa chama a outra, inúmeros assaltantes se colocavam na estrada a fim de atacar os viajantes que muito provavelmente traziam consigo, dinheiro e bens.

O Sacerdote e o Levita


Muitos sacerdotes e levitas trilhavam esse caminho. Isso se dava porque um bom número deles morava em Jericó e serviam no Templo em Jerusalém.

É bem verdade que eles preferiam o caminho via Belém, embora mais longo, oferecia maior segurança. Apenas quando estavam mais apressados é que eles pegavam o caminho direto, "Jericó – Jerusalém".

Na parábola do bom samaritano, os representantes de Deus ao ver o homem moribundo e ferido ao chão, passaram "pelo outro lado", não se importaram (Lc 10:31,32). É possível que ao ver a vítima eles imaginassem que se parassem para ajudar os salteadores poderiam atacá-los da mesma forma.

O que Jesus deixa evidente aqui é o egoísmo do sacerdote e do levita. Ao contrário do Bom Pastor, eles ignoraram a necessidade do próximo porque provavelmente colocaria a segurança deles em perigo. 

Nos nossos dias esse descaso é apresentado, por exemplo, por muitos países, ao negar, terminantemente ajuda a refugiados de guerra.

Samaritanos e Judeus


Jesus não fez de um samaritano o personagem principal dessa parábola, à toa (Lc 10:33). Desde que Samaria, capital do reino do norte foi conquistada pelos assírios em 722 a.C. que a adoração ao Deus de Israel ficou comprometida.

Isso aconteceu como consequência da mistura das raças. A princípio com assírios, depois os gregos, enfim, eles foram entrando e interferindo no sistema de adoração.

Os samaritanos ergueram um Templo em Gerizim para adorar, mas sua liturgia incluía apenas a lei de Moisés, eles não criam na mensagem transmitida pelos profetas.

A mistura das raças e a diferença de culto, fez com que os judeus desenvolvessem uma verdadeira aversão aos samaritanos. Passaram a não ser considerados filhos de Israel ou descendentes de Abraão, visto que não eram "puros", ou seja, eram marginalizados, excluídos.

Sabendo disso o Senhor Jesus usa alguém de Samaria na parábola, para a ilustração do amor ao próximo, visto que Ele era desprezado e considerado um herege, pelos judeus.

Deus e os marginalizados


Existe uma tradição que remete aos tempos de Jesus e da igreja no primeiro século e foi inspirada nos escritos do Antigo Testamento: Deus se preocupa com as pessoas que estão às margens da sociedade, aquelas que hoje são chamadas de minorias, vulneráveis, na base da pirâmide.

Quando em seu começo a igreja começa a se desgarrar do judaísmo uma das primeiras instruções foi que os cristãos deveriam se lembrar dos pobres. Essa instrução foi passada por pessoas que haviam andado com Jesus – seus discípulos. Eles viram e experimentaram o quanto o Mestre foi atencioso e solidário com os que sofriam e agora que a igreja vai se espalhar é imperativo seguir nos moldes dEle.

Paulo em Gálatas 2:10 faz menção a este fato que lhe foi pedido que se recordasse dos pobres e, acrescenta 
"...o que também procurei fazer com diligência..."
Ou seja, não era apenas recordar ou trazer à memória. Era também necessário ser zeloso e estar ansioso em fazer isso. Note que na leitura de Atos 15 esta instrução não está registrada, todavia, Paulo faz questão de a tornar pública. Era imprescindível que no mundo dominado pelos opressores de Roma os cristãos se tornassem semelhantes de Cristo.

A palavra "pobre" desse texto é a mesma usada por Jesus no Sermão do Monte e outros lugares no Novo Testamento para expressar os pobres, os destituídos. O termo não pode ser entendido como pobres de espírito como muitos tendem a fazer. O próprio Paulo se encarregou de cumprir com o que foi pedido (Gl 2:1–10, 1 Coríntios 16:1–4, 2 Co 89 e Romanos 15:14–33). Tiago, que estava na reunião do concílio de Atos 15 também expressa essa preocupação no capítulo dois de sua carta (Tg 2). O sujeito da sua instrução é o pobre.

Os primeiros cristãos pertenciam a grupos socialmente diferenciado, mas de maneira alguma brutalmente polarizado. O que eles precisavam era de imagens de solidariedade que enfatizassem a união de grupos distintos e potencialmente opostos: quanto maior a distância imaginada entre ricos e pobres, mais triunfante foi a superação dessa distância em uma comunidade cristã unida.

Nas cartas de Paulo, a riqueza não era para ser renunciada. Era para ser usada de duas maneiras: apoiar o trabalho religioso e dar sustentação aos pobres entre os santos que era o que o Paulo sempre pretendeu fazer. Temos então na igreja embrionária uma demonstração clara que sem a compaixão e a solidariedade aquela comunidade não teria sobrevivido.

Qual o lugar dos menos favorecidos na igreja evangélica atual?


Quando trazemos isto para os nossos dias, eu não gosto de pensar que hoje é melhor ou pior do que aqueles tempos. Cada contexto traz seus desafios e oportunidades. Cada geração lega a futura geração um conjunto de práticas e valores que em tese perpetuam a continuidade do cristianismo.

Se em gerações no passado mais recente o cuidado com os pobres foi relegado, o contexto atual oferece a oportunidade para esta geração de cristãos recuperar a sua tradição e alinhar-se com a história dos primeiros cristãos na solidariedade e no compromisso ativo da compaixão.

Chorar com os que choram é marca mais distinta do cristianismo. É ação que atinge mais profundamente a alma e coração do outro. Não existe absolutamente nada neste mundo que ultrapasse o gesto de caminhar quantas milhas forem necessárias para que o outro viva tal qual eu vivo.

Um dos impedimentos para esta ausência de solidariedade é o precário entendimento entre o Céu e a Terra, o aqui e o porvir, ser deste mundo e ser do outro mundo. A ideia de ter uma mansão celestial como recompensa por todos os sofrimentos sofridos: "você sofre aqui na Terra, mas Deus tem reservado para você uma mansão celestial", foi e continua sendo prejudicial para a prática da compaixão.

Um hino representativo desta ideia é O Exilado. A letra original e melodia são de autoria de Stephen Collins Foster (1826-1864) que foi composta com dialetos africanos e para ser cantada em shows onde brancos se pintavam de negros para fazer comédia. Uma letra cristã foi adaptada por um missionário americano trabalhando no Brasil usando a melodia da canção:
"Da linda pátria estou bem longe; cansado estou; eu tenho de Jesus saudade, oh, quando é que eu vou? 
Passarinhos, belas flores, querem m’encantar; são vãos terrestres esplendores, mas contemplo o meu lar. 
Sua vinda aguardo eu cantando; meu lar no céu; seus passos hei de ouvir soando além do escuro véu."
O céu é o lugar desejado e enquanto ele não chega esse cristão tem saudades de Jesus, deseja ir prontamente, precisa vigiar para não se enredar com o mundo e espera cantando. Assim, não existe missão enquanto se espera.

Talvez nos dias de hoje os cristãos nem pensem mais dessa forma. Acho que na verdade são bem poucos os que esperam por este momento. Hoje, é bem provável que a aliança com os "vãos terrestres" seja uma realidade tão forte que se torna um impedimento para exercer a compaixão cristã. Ou seja, no passado era o escapismo do porvir, agora é o fascínio com os bens deste mundo.

Nos ensinos de Jesus Ele une os tesouros do Céu e os tesouros da Terra, duas polaridades que eram irreconciliáveis, por meios de corajosos atos de renúncia e de generosidade. Assim, também na Terra, dentro da comunidade cristã, os polos igualmente distantes entre ricos e pobres são juntados por meio do compartilhar. Como os primeiros cristãos diminuíram essa distância, também nós devemos fazer o mesmo.

Além da eloquência fria dos discursos efêmeros


Tenho percebido nas mensagens e especialmente nos discursos nas mídias sociais uma reflexão sobre o abismo entre os que tem e os que não tem dentro das igrejas. Esse discurso infelizmente não resolve muita coisa. Quem não tem continua não tendo e quem tem não ouve e se ouve fecha o filtro para tal mensagem.

O melhor seria não enfatizar a polaridade, mas sim como construir pontes entre os que tem e os que não tem e promover por meio do compromisso como reino de Deus que as pessoas de ambos dos lados caminhem por essa ponte. Foi exatamente o que Paulo fez.

Ele apelou aos crentes de Corinto que ajudassem os pobres de Jerusalém. Foi o que Cristo ilustrou na parábola do bom samaritano; foi o que Tiago fez ao apelar aos seus leitores que ficassem atentos aos que estavam desnudos e famintos.

Nós precisamos ser mais ativos neste tipo de agenciamento. Na minha experiência ministerial tenho encontrado muita gente disposta a andar por essa ponte da solidariedade.

A igreja primitiva combateu o abismo social com compaixão. A igreja dos nossos dias é miserável em compartilhar. Ela faz de si mesma o seu alvo último e assim todos os recursos que arrecada de seus membros retornam para eles mesmos. 

Cada dia surge uma "necessidade" interna. Sobra pouco recurso para o exercício da solidariedade e fazer com que a igreja seja instrumento para encurtar o distanciamento entre os que têm e os que não têm. Quando a igreja não desempenha seu papel de formar pessoas com os ideais bíblicos ela sonega um bem precioso – ser partícipe do projeto de Deus.

Desde os seus primórdios no movimento cristão, como tratar com as riquezas e como cuidar dos pobres foram importantes aspectos para o discipulado cristão e foram ensinados para expressar "uma articulação essencial para a nossa fé em Deus e nosso amor para com nossos semelhantes".

Também não posso deixar de mencionar que o cristão como individuo é também convidado a exercer o ministério da compaixão. Sem sacrifícios não há como ajudar o outro.

Paulo, preso em Roma e certamente com recursos limitados, escreve a Filemom para receber Onésimo de volta e afirma que se Onésimo devia algum dinheiro, ele, Paulo, pagaria. Isto me impressiona. Ter esse modelo de cristão e cristã em nossas comunidades.
 

Conclusão

Mais "Bons Samaritanos" e menos religiosos, pelo amor de Deus!


O samaritano aproximou-se do homem ferido não apenas para observá-lo, mas para cuidar dele. Abrindo mão de sua segurança sem, contudo, desprezar seu próximo (Lc 10:34,35).

Dedicou tempo para aplicar vinho e óleo (símbolos bíblicos de alegria e unção), demonstrado preocupação, zelo e excelência por alguém que precisava de ajuda, embora não fosse conhecido.

Além disso, não satisfeito, o samaritano deslocou a vítima para uma hospedaria e arcou com todas as despesas atuais e deixou a conta aberta. Caso novos débitos fossem gerados ele pagaria na volta (exatamente como fez Jesus em relação à redenção da humanidade). Ele tem um caráter excepcional. É a essência do que deve ser o caráter cristão.

Em nossos dias é possível que no lugar do sacerdote e do levita, Jesus colocasse um padre ou um pastor ou mesmo um membro qualquer da igreja local. E para o lugar do samaritano, um representante dos grupos minoritários, marginalizados e excluídos: negro, homossexual, índio, latino, cigano, pobre, etc. 

Forte não é? Quem é "o Próximo"? 
  • Essa era e é a intenção de Jesus na parábola. Não importa quem é a pessoa ou o que ela faz. Se é ser humano, é nosso próximo.
Na parábola, Jesus coloca o samaritano em um nível superior ao sacerdote e ao levita, "os representantes 'legais' de Deus". Embora tenha sido algo inadmissível para o perito na lei, ele não teve como discordar do exemplo (Lc 10:29-37).

Jesus respondeu ao perito na lei de forma magistral sobre quem é o nosso próximo. Deixando claro não só para ele, mas para todas as gerações que o Evangelho é uma mensagem global, ou seja, para todos os povos, raças, línguas e nações.

A parábola do bom samaritano é um clássico ensinamento do Mestre Jesus. Milhares de sermões já foram ministrados, músicas foram compostas, peças foram encenadas, cartas foram escritas e revoluções desencadeadas com base nesse ensino.

Que eu e você possamos não apenas conhecê-la, mas sobretudo que Deus nos conceda sabedoria e graça, para que sejamos "os bons samaritanos" da nossa geração.

Assim, a parábola do bom samaritano apenas nos quer ensinar que o nosso próximo é toda aquela pessoa que precise de nossa ajuda, e que não podemos ser preconceituosos na hora de ajudar alguém, pois a verdadeira religião implica em praticar o bem a todos, indistintamente.

Esse é o tempo para a igreja voltar ao lugar do qual nunca deveria tem saído. Ao sair perdeu a credibilidade e o direito de existir. Mas, tem agora uma imensa oportunidade de chorar com os que choram e ao chorar com estes mais humildes do mundo alegrará o coração do Cristo e se alinhará com a sua missão de serviço.


A Deus toda glória.
Fique sempre atualizado! Acompanhe todas as postagens do nosso blog https://conexaogeral2015.blogspot.com.br/. Temos atualização diária dos mais variados assuntos sempre com um comprometimento cristão, porém sem religiosidade. 

E nem 1% religioso. 
O uso correto da máscara não precisava ser obrigatório, por se tratar de uma proteção individual extensiva ao coletivo. É tudo uma questão não de obrigação, mas de consciência.
Respeite a etiqueta e o distanciamento sociais e evite aglomerações. A pandemia não passou, a guerra não acabou.

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