"Oh! quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união... porque ali o Senhor ordena a bênção e a vida para sempre" (Salmos 133:1,3).
"Eis que vem a hora e já chegou, em que sereis dispersos, cada um para a sua casa, e me deixareis só; contudo, não estou só, porque o Pai está comigo" (João 16:32).
"O envelhecimento social é o resultado de uma série de ocorrências por vezes alheias à vontade dos que nelas estão envolvidos, acarretando frequentes e desfavoráveis mudanças…
Ele se instala insidiosamente, de maneira invisível, certamente em momentos de luto e tristeza… O envelhecimento social é o caminho percorrido em direção à morte social e esta é o total isolamento, a completa ausência de relacionamentos interpessoais…",
escreve a assistente social Edith Motta, em outubro de 1989, na edição 2 da Revista Terceira Idade (hoje mais60) do Sesc São Paulo.
Uma dessas vontades alheias descrita por Motta é a epidemia do Coronavírus que impõe a todos o isolamento social, especialmente aos idosos. O vírus está presente em 14 estados e mais no Distrito Federal (DF). Em São Paulo e Rio de Janeiro a transmissão já é comunitária, ou seja, impossível identificar a origem.
Por isso o cuidado com os mais velhos e mais frágeis — ou seja, os portadores de doenças crônicas, pacientes em tratamento oncológico e imunodepressores (como os diabéticos, doentes renais e os portadores do vírus HIV, por exemplo) — torna-se um grande desafio já que estes são mais vulneráveis à ação do vírus por causa da baixa imunidade, o que interfere diretamente no cotidiano das próprias pessoas idosas e nas políticas públicas.
- A mortalidade é de 3,6% na faixa etária de 60 a 69 anos, 8% nos idosos de 70 a 79 anos e acima de 14% nos octogenários, de acordo com a OMS.
Quem imaginaria que uma pandemia pudesse colocar em pauta o isolamento como prevenção quando o tempo todo o combatemos? O princípio da comunhão e da unidade, é um dos pilares de sustentação da fé cristã, mas, o que podemos fazer para fazer com que essa situação seja usada em nosso favor?
Qual a importância do isolamento, nesse momento de caos na saúde pública
O Coronavírus chega para "interferir nas possibilidades de envelhecimento social", fato que "escapa a uma interferência pessoal ou familiar"(MOTTA, 1989). São as 7.074 mortes pela doença em todo o mundo, das quais 3.217 ocorreram na China, lugar de origem do coronavírus — de acordo com monitoramento da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos —, que levam os países, como o Brasil, a impor o isolamento como prevenção.
A maior parte das mortes ocorre em pessoas com idade avançada e outras doenças, como hipertensão e diabetes. Daí a expressão "A doença que mata velhos".
Para o epidemiologista britânico Roy Anderson,
"O que ocorreu na China mostra que a quarentena, o distanciamento social e o auto isolamento das populações infectadas podem conter a epidemia".
Especialistas são categóricos:
- é preciso tomar decisões drásticas, e a primeira delas é o isolamento.
Mas como solicitar o isolamento dos mais velhos quando até então toda a recomendação é justamente o contrário?
O epidemiologista Miguel A. Hernán, da Universidade Harvard (EUA), e seu colega Santiago Moreno, chefe de Doenças Infecciosas do Hospital Ramón y Cajal, de Madri, afirmam ao jornal El País que
"Cada beijo na bochecha da nossa amiga pode se tornar, indiretamente, o 'beijo da morte' para sua mãe idosa".
Isso porque as pessoas com mais de 65 anos e com doenças preexistentes desenvolvem um quadro mais sério da doença do que os demais, e o isolamento como prevenção tem sido apontado como uma das melhores medidas de prevenção. De cuidado com o outro e consigo mesmo. O impacto disso é maior, sem dúvida, para quem mora só e não tem uma rede social muito grande, aí a solidão poderá se tornar um grande fardo (como é visto e combatido), aumentando o sentimento de isolamento dessas pessoas.
A teologia da solidão
"E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito" (Romanos 8:28).Sob a ótica da teologia bíblica reformada as explicações da Filosofia, da Sociologia, da Psicanálise e mesmo da Psicologia Social não são suficientes para explicar o fenômeno da solidão e mesmo do isolamento social. Tomando as contribuições da filosofia, da sociologia, da psicanálise e da psicologia social como incompletas e apenas como um ponto de partida para a compreensão da solidão, buscaremos na teologia bíblica reformada a abordagem adequada para a compreensão desta condição humana.
Inicialmente não se pode afirmar que a solidão seja apenas um fenômeno puramente psicológico. É forçoso declarar que a solidão tem implicações espirituais profundas. Quanto ao isolamento social a questão da espiritualidade também está presente como pode ser depreendido pela experiência dos pais da igreja.
A solidão como uma consequência do pecado
A solidão como condição humana era desconhecida do homem primordial, Adão, antes de Gênesis 3, isto é, antes da queda que resultou na depravação total da natureza humana como afirma João Calvino nas Institutas da Religião Cristã, com fundamento em farta literatura da patrística e na literatura paulina.
Adão experienciava a mais completa comunhão com o Criador, com a natureza, com ele mesmo e com o próximo, no caso Eva. A depravação total da natureza humana pode ser compreendida pela verificação dos seguintes textos dentre outros: Romanos do capítulo 1 ao capítulo 7, Salmos 32 e 51, apenas para fazer referência a alguns textos bíblicos abalizado sobre o tema.
A partir da leitura deste paço das Sagradas Escrituras podemos afirmar que a queda do primeiro homem não abalou apenas o seu espírito como querem acreditar alguns, estremeceu também as fundações da sua mente produzindo aquilo que podemos chamar de Estados Alterados da Consciência.
A queda produziu não apenas a morte espiritual de Adão, produziu também uma profunda modificação em sua consciência de Deus, da natureza, de si mesmo e do próximo. Gênesis 3:5-7 afirma claramente que a digestão e posse do fruto do conhecimento do bem e do mal produziram uma alteração na consciência de Adão em relação à posse e domínio do conhecimento.
Não que Adão antes da queda não fosse dotado da habilidade da inteligência, da memória e da cognição. Em Gênesis 2:19 Adão foi designado por Deus para denominar todos os seres viventes da natureza. Dar nome a um ser é algo que envolve todas as funções mentais e perceptivas. E segundo o relato bíblico Adão saiu-se muito bem em sua tarefa. Contudo após a queda não só o espírito de Adão morreu espiritualmente pela sua desobediência a Deus como a sua mente ficou abalada a ponto dele experimentar pela primeira vez a vergonha e o medo (3:8-10).
A queda alterou a forma como Adão passou a apreender a experiência do conhecimento, do auto conhecimento e do hétero conhecimento, modificou ainda a qualidade deste conhecimento, daí que a revelação natural prefigurada no Salmo 19 não ter em si mesma a suficiência para que o homem conheça a natureza de Deus e da sua salvação, tornando necessário à produção pela providência divina da revelação especial, que é um registro seletivo dos atos de Deus na história. Registro este que se encontra apenas nas Escrituras do Velho e do Novo Testamento, na Bíblia Sagrada, a Palavra de Deus, nossa única regra de fé e prática.
As consequências do pecado na inteligência emocional
A queda abalou também a inteligência emocional de Adão, isto é suas habilidades para o desenvolvimento de relações intrapessoais e interpessoais. Conforme o relato de Gênesis 2 Adão não demonstrava nenhuma dificuldade de relacionamento com Deus, consigo mesmo e com o próximo antes da queda.
Contudo já o relato em 3:9-15, após a queda, demonstra que Adão já havia comprometido estas habilidades, este comprometimento da inteligência emocional e espiritual de Adão se refletirá não apenas em seus relacionamentos pessoais que estarão todos comprometidos pelo pecado, se refletirá especialmente nas relações da sua descendência, como demonstra as atitudes de Caim para com ele próprio e para com seu irmão Abel, que resultou no fratricídio, nos arquétipos dos crimes hediondos.
Especialmente no relato de Gênesis 4:1-7 quando Caim demonstra não estar apto para lidar com seus próprios desejos e emoções e menos ainda com os desejos e emoções do seu irmão Abel.
Entendendo a solidão sob o prisma bíblico e o porque da importância da comunhão
Voltando à Solidão, o texto de Gênesis 3:22-24 demonstra claramente que a queda rompeu a comunhão existente entre Deus e o Homem e o lançou num profundo estado de solidão. Além da consideração espaço temporal da expulsão da primeira família do paraíso, deve se considerar também o conteúdo simbólico deste ato divino. Adão agora estava no mundo sem Deus e sem ninguém, literalmente sem pai, nem mãe, sem alguém com quem pudesse contar.
Neste sentido a teologia bíblica reformada afirma que a solidão é o estado alterado da consciência produzido pela queda, este estado teve profundas consequências sobre as habilidades relacionais do ser humano, que passou em alguns casos, inclusive a fugir da comunhão com o outro segundo o relato de Gênesis 3:9,10. Aqui Adão não apenas foge da presença de Deus como passa a temer profundamente esta presença. O outro, torna-se o estranho outro, aquele que se deve temer, que se deve evitar, de quem se deve fugir. O homem havia perdido as habilidades para desenvolver a relação pessoal com Deus, com a natureza, consigo mesmo e com o próximo.
As características do solitário
O solitário sente-se em alguns casos um abandonado de Deus. Como se Deus houvesse esquecido dele, por outro lado, o solitário desenvolve muitas vezes um temível sentimento de estranhamento diante de si mesmo, muitas vezes diante da sua própria imagem, da imagem do outro e da natureza, não sabe se quer, quem ele é. E este sentimento de estranhamento o leva a fugir do contato com Deus e com o próximo. O produto deste comportamento é o sentimento de solidão e este independe inclusive da presença do outro. Solidão mesmo é sentir só, mesmo estando com alguém.
A solidão acomete homens e mulheres, jovens e crianças, independente de sexo, cor, raça, nível sócio econômico e mesmo da religião. O solitário sente-se em estado de profundo desamparo mesmo ao lado de um cônjuge atencioso, de um amigo fiel, de um irmão amoroso, ou mesmo diante de uma comunidade evangélica dinâmica.
Aquele que vivencia a experiência da solidão sente dificuldade inclusive de sentir-se participante da igreja, corpo vivo de cristo. O relacionamento com o outro é percebido como distante. Os fatos acontecem em sua volta no entanto jamais chegam ao seu coração. A solidão entristece e fragiliza e desumaniza o ser humano.
Vencendo a solidão com a fé
Como romper com os grilhões da solidão? Esta é uma pergunta que não pode calar. Do ponto de vista da teologia bíblica reformada somente o novo nascimento proposto em João 1:12,13 produz o estado de adoção de filhos legítimos de Deus, mediante a obra vicária de Jesus Cristo, cumprindo a promessa de Romanos 8:15-17.
Este novo nascimento restaura a comunhão com Deus, a comunhão com Deus restabelece a comunhão do homem com o seu próprio coração e o resultado destes fatores pode ser a comunhão com o próximo. A obra do espírito Santo no coração do cristão restaura as suas habilidades relacionais com Deus, como proposto em 2 Coríntios 5:18-21, com ele próprio, conforme Romanos 8:26-30, 2 Co 3:18, rompendo com o sentimento de estranhamento de Rm 7:24, até culminar com o restabelecimento de suas relações com a natureza e com o próximo,
"Deus faz com que o solitário habite em família" (Sl 68:6).
Entendendo o isolamento social
Já o isolamento social é diferente da solidão. Ocorre o isolamento social quando surge uma solução de continuidade no percurso da existência humana, quando alguém perde o amor da sua vida, quando permanece um longo tempo num leito de enfermidade, quando viaja, quando perde um ser querido, quando escolhe permanecer solteiro, ou mesmo quando tem de passar algum tempo em prisão ou quando precisa realizar uma grande obra.
Nesta caso o isolado socialmente pode não ser acometido pelo sentimento de solidão. A solidão é espiritual e psicológica, já o isolamento social é físico.
Não é incomum alguns santos optarem pelo isolamento social, isto ocorreu de forma explicita durante o período do monasticismo.
No caso do protestantismo reformado a questão é mais complexa posto que o calvinismo desconhece o monasticismo e o santo é desafiado a cada dia a viver e testemunhar a sua fé no mundo, no espírito de João 17. Esta reflexão terminaria afirmando que o monastério do protestante calvinista é ele mesmo, posto que o mesmo "é o templo do Espírito Santo".
O isolamento social também pode ser produtivo. Especialmente se este puder ser planejado. O certo é que pouco se produz em meio a multidão, aquele que tem um milhão de amigos, pode não dispor do tempo necessário para dedicar-se carinhosamente a todos eles. E se tentar atender a todos pode não dispor daquele tempo necessário para dedicar-se a Deus e ao cuidado de si mesmo.
Conclusão
Mais vale isolar do que tratar!
No caso específico dessa atual pandemia do novo Coronavírus — Covid-19, o distanciamento social recomendado implica nas seguintes medidas:
- Isolamento familiar temporário para todos.
- Restrição de contato social para pessoas com 60 anos ou mais e que apresentam comorbidades.
- Não cuidar de netos, pois nas crianças o coronavírus tem se apresentado de forma leve e a letalidade é muito baixa; enquanto no idoso com mais de 80 anos e comorbidades, a letalidade é em torno de 15%.
- Familiares ou acompanhantes com diagnóstico positivo de Covid-19 não devem ter contato com pessoas idosas.
- Evitar ir a exame marcado, a não ser que seja essencial para o cuidado de alguma doença.
- Evitar ir a centro de compras (shoppings) supermercado ou mercearia da esquina de casa.
- Evitar fazer visitas a familiares e amigos. Nem receber.
- Evitar ambientes que exigem muita aglomeração.
Cuidando do outro que está só: corrente solidária
Está correndo nas redes sociais uma corrente que reproduzimos parte dela a seguir, por considerarmos que ela seja um cuidado e dirigida especialmente aos idosos que vivem sós, a fim de que eles não tenham que passar por esse sentimento de solidão sozinhos.
A ideia é simples: ter uma pessoa no WhatsApp que vai funcionar como um anjo da guarda, um verdadeiro ponto de apoio para idosos que moram sozinhos. A ideia pode ser aplicada em qualquer lugar do mundo. Mas é importante fazer como o vírus e começar com as pessoas com quem você tem contato. Por isso, esqueça seu país, esqueça sua cidade. Pense pequeno: comece pelos seus contatos do WhatsApp.
Encontrou o contato de WhatsApp de um idoso que mora sozinho? Então seja o anjo da guarda dele:
- Mande mensagens para ele de manhã, de tarde e de noite.
- Pergunte como ele está, se dormiu bem, se comeu, se teve febre, se teve tosse.
- Esteja disponível para conversar.
- Esteja pronto para orientá-lo sobre como buscar orientação médica.
- Você também pode manter o idoso informado com notícias de fontes confiáveis, como do Ministério da Saúde.
Atenção: o papel do voluntário não é fazer diagnóstico nem dar recomendações médicas. A função é ser um ponto de apoio e auxiliar o idoso com informações sobre como buscar ajuda médica ou uma unidade de saúde.
- Escrevi mais sobre este, porém em um tempo interior à pandemia do coronavírus, portanto, sob outro prisma ➫ aqui.
[Fonte: Portal do Envelhecimento e Longeviver; Antonio Maspoli, Teólogo e Psicólogo]
A Deus toda glória.
Fique sempre atualizado! Acompanhe todas as postagens do nosso blog https://conexaogeral2015.blogspot.com.br/. Temos atualização diária dos mais variados assuntos sempre com um comprometimento cristão, porém sem religiosidade.
E nem 1% religioso.
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