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segunda-feira, 10 de outubro de 2016

O CETICISMO E O "DILEMA DA PEDRA"

Para quem não conhece, a imagem à esquerda é a famosa escultura "O Pensador", de Auguste Rodin (✰1840/✞1917) e à direita uma ótima releitura da obra, que podemos chamar de "O Pensador Moderno"
Certa feita, em um fórum de debates do qual eu participava na internet, fui confrontado com a seguinte indagação: "Deus pode fazer uma pedra tão pesada que Ele mesmo não possa movê-la?". Essa pergunta tem sido feita por céticos que se acham muito espertos e que tentam, com ela, embaraçar e constranger os cristãos. A ideia é colocar em xeque o atributo da onipotência de Deus e, posteriormente, questionar a sua existência.

Antes de entrar na questão com a resposta que dei e calei ao ilustre que me fez a pergunta, vejamos quem são...

Os céticos



Cético é um adjetivo que serve para caracterizar um indivíduo que é apoiante do ceticismo. O cético é uma pessoa que não acredita, que duvida ou se apresenta como incrédulo ou descrente.


Ceticismo, portanto, é a doutrina do constante questionamento. O termo Ceticismo é de origem grega e significa exame, seu fundador foi Pirro, no século IV a.C.. Pintor nascido no Peloponeso, não deixou nenhum escrito filosófico sobre o assunto, mas desenvolveu um grande interesse por filosofia que o levou a fundar uma escola filosófica que garantiu sua reputação entre os contemporâneos. 

Pirro deixou como discípulo Tímon, que, por sua vez, produziu uma vasta obra escrita da qual só nos restaram alguns fragmentos. A escola cética criada por Pirro passa por um período de escuridão com a morte de seu fundador e renasce com Enesidemo, cujo período de vida não é muito bem determinado, porém sua obra é muito conhecida. A partir daí aparecem com destaque os nomes de Agripa, Sexto Empírico e Antíoco de Laodicéia. Até que chega ao fim o período do chamado Ceticismo Antigo.


Como corrente doutrinária, o ceticismo argumenta que não é possível afirmar sobre a verdade absoluta de nada, é preciso estar em constante questionamento, sobretudo, em relação aos fenômenos metafísicos, religiosos e dogmáticos. Com o passar do tempo, o Ceticismo se dividiu em duas linhas, o filosófico e o científico.


  • O Ceticismo Filosófico - é exatamente esse que começa com a escola de Pirro e que se expandiu pela chamada "Nova Academia" que ampliou as perspectivas teóricas, refutando verdades absolutas e mentiras. Seus seguidores alegavam a impossibilidade de alcançar o total conhecimento e adotaram métodos empíricos para afirmar seus conhecimentos. 
  • Assim, o Ceticismo Filosófico se dedicou a examinar criticamente o conhecimento e a percepção sobre a verdade.


Assim, entendo que o cético é a pessoa que na realidade aprofunda-se nas bases, no argumento, no pilar de sustentação de uma determinada verdade e expõe suas dúvidas, suas supostas (e até possíveis falhas, por que não?) e seus contras.

O ateu não é cético, é a pessoa que não acredita em um ser divino (um deus ou deuses), na realidade não acredita em seres sobrenaturais. O ateu não é cético, exceto quanto a existência de um deus, na qual questiona e argumenta quanto a sua inexistência e expõem as falhas históricas e a lógica por trás da religião.

Nem todo cético é ateu, é possível ter pessoas céticas a determinadas situações nas quais a pessoa se aprofundou no tema e se tornou cética. Nem todo ateu é cético, embora todo ateu questione ceticamente as bases que sustentam a existência de um deus, mas em outras posições ele não tem opinião formada ou simplesmente não se atrela a elas. 


Por exemplo, eu poderia dizer que a única forma que [René] Descartes [1596/✞1650, filósofo, físico e matemático francês, que durante a Idade Moderna, também era conhecido por seu nome latino Renatus Cartesius] encontrou para duvidar da razão, da cogitátil foi recorrendo ao divino. Isso é um costume bastante comum e diria até natural das pessoas que não conseguem encontrar argumentos existenciais no natural, recorrendo assim ao sobrenatural.


Voltando ao tema



De fato, a pergunta feita na abertura do artigo soa como um dilema, visto que, se a resposta para o questionamento é que Deus pode criar a pedra, Ele não poderá movê-la, caso Ele não possa criá-la, da mesma forma haverá algo que Ele não pode fazer. E a base para o questionamento cético é no episódio da ressurreição de Lázaro, que está registrado no evangelho de João, capítulo 11, especificamente no versículo 39a, em que Jesus diz: "Tirai a pedra [que fechava a sepultura onde Lázara jazia morto]". Vejamos porque este é um falso dilema que falha tanto teologicamente quanto logicamente.

Deus onipotente


Primeiramente, o referido questionamento falha em termos teológicos. O falso "dilema da pedra" se baseia em um conceito errado do que seria a onipotência divina. De fato, para o senso comum (e para a esmagadora maioria dos cristãos), dizer que Deus é onipotente equivale a dizer que Ele pode fazer tudo. 

Todavia, isto não passa de um equívoco teológico, visto que, claramente existem coisas que Deus não pode fazer. Don Fortner [pastor batista estadunidense] enumera uma lista de sete coisas que Deus não pode fazer, vejamos: 
  1. Deus não pode mudar ou ser mudado (Malaquias 3:6; Tiago 1:17); 
  2. Deus não pode mentir (Tito 1:2); 
  3. Deus não pode salvar um pecador sem um sacrifício agradável (Hebreus 9:22); 
  4. Deus não pode levar para o céu alguém que não seja perfeitamente justo à Sua vista (Mateus 5:20; Hb 12:14); 
  5. Deus não pode mandar para o inferno alguém por quem Cristo sofreu e morreu no Calvário (Isaías 53:11; Romanos 8:33,34); 
  6. Deus não pode salvar um pastor aparte da pregação do evangelho (1 Coríntios 1:21-24; Tg 1:18; 2 Pedro 1:23-25); 
  7. Deus não pode falhar em salvar qualquer pecador que confie no Senhor Jesus Cristo, seu Filho amado (João3:16,36).

[Robert Charles] Sproul [teólogo calvinista estadunidense] define qual seria o conceito teológico correto para onipotência: 
"Como termo teológico [...] onipotência não significa que Deus pode fazer qualquer coisa [...] O que onipotência realmente significa é que Deus mantém poder absoluto sobre sua criação" (grifo meu).
Teologicamente falando a resposta para o falso dilema da pedra seria: Não. Deus não pode fazer a pedra, pois ele estaria criando algo sobre o qual não teria domínio e, desta forma, anulando a sua onipotência.

Um segundo erro seria de ordem lógica. Ainda que abandonássemos a definição teológica de onipotência e adotássemos a ideia (incorreta) de que afirmar que Deus é onipotente é afirmar que Ele pode fazer tudo, o "dilema da pedra" falharia em termos lógicos.


Nas palavras de Phillip R. Johnson [editor e detentor de um grande volume de material batista reformado; teologicamente, "é um comprometido calvinista, com uma inclinação decididamente batistas"], a lei mais fundamental da lógica, chamada lei da contradição (ou não contradição), pode ser definida da seguinte maneira:

"A lei da contradição significa que duas proposições antitéticas não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo e no mesmo sentido. X não pode ser não-X. Uma coisa não pode ser e não ser simultaneamente. E nada que é verdade pode ser auto-contraditório ou inconsistente com qualquer outra verdade."
O falso dilema da pedra tenta propor justamente isto, que Deus possa e não possa ao mesmo tempo e no mesmo contexto. Sproul propõe um dilema análogo ao da pedra que nos ajuda a perceber a falácia:
"O que acontece quando uma força irresistível se choca contra um objeto irremovível? Podemos conceber uma força irresistível. Podemos, igualmente, conceber um objeto irremovível. O que não podemos conceber é a coexistência dos dois. Se uma força irresistível encontra um objeto irremovível, e o objeto se mover, o mesmo não poderia mais ser chamado com propriedade de irremovível. Se o objeto não se mover, então nossa força 'irresistível' não poderia mais ser chamada, com propriedade, irresistível. Portanto, vemos que a realidade não pode conter uma força irresistível e um objeto irremovível."

Por que Jesus não moveu a pedra?


Imagem real do túmulo de Lázaro, em Jerusalém

O vocábulo pedra assim aparece na narrativa da ressurreição de Lázaro: Jo 11:38,39
"De novo Jesus comoveu-se e dirigiu-se ao sepulcro. Era uma gruta, com uma pedra sobre posta. Disse Jesus; Retirai a pedra. Marta, a irmã do morto, disse-lhe: Senhor, já cheira mal, é o quarto dia!" (Bíblia de Jerusalém)
Esta pedra que fecha a passagem de entrada do sepulcro tem o significado que a morte é definitiva. A pedra está separando dois mundos, o mundo que pertence aos mortos e o mundo que pertence aos vivos. O autor expressa o pensamento judaico sobre a morte, lançando a ressurreição dos mortos para o último dia, conforme também se expressa Maria na conversa com Jesus.

Podemos considerar a pedra uma lembrança das tábuas da lei. Consideradas um agente de morte, pois estavam gravadas na pedra e não no coração dos homens.

Análise do contexto


O Capítulo 11 de João é marcado pela dor, pela tristeza, pelo choro, pela saudade e pela expectativa da presença de Jesus para solução do problema, mas além de não vir imediatamente ao ser comunicado da doença do amigo, quando chega não opera o milagre, pelo contrário ordena que familiares e amigos tirem a pedra da gruta onde Lázaro foi sepultado.

Esta atitude de Jesus tem um ensinamento maravilhoso para aqueles que vivem na expectativa do seu agir poderoso em seu favor.

Há um simbolismo muito especial nesta pedra da gruta, pois ela representa obstáculo, impedimento, estorvo... morte, ou seja, tudo que se opõe a execução de coisa boa.

Jesus poderia na Sua condição divina, ordenar a pedra que saísse do sepulcro, pois Ele mesmo disse aos discípulos: "...se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá, e ele passará. Nada vos será impossível" Mt 17:20.

Uma pergunta que não quer calar: Por que Jesus não tirou a pedra e mandou que tirassem?

Jesus agiu assim, pois o Seu desejo é que os nossos milagres sejam um acontecimento extraordinário, que os nossos milagres sejam um evento maravilhoso e tenham a nossa participação e contribuição.

Quantas são as pedras que nós podemos fazer a retirada e ficamos aguardando só o agir de Deus – pedras do ressentimento, da amargura, do medo, da preguiça, do ciúme, da desobediência, do ódio... Pedras gigantescas que têm bloqueado o relacionamento familiar e, consequentemente, o relacionamento com o próprio Deus. Pedras gigantescas que tem impedido homens e mulheres de ver a glória de Deus.

Conclusão


Assim, concluímos que o o tal "dilema da pedra" falha tanto na sua perspectiva teológica, quanto na sua base lógica, se demonstrando apenas como mais uma falácia, sendo, portanto, um falso dilema. Aos caríssimos céticos eu só tenho a dizer que, lamento muito por eles, mas é tudo uma questão de FÉ!


[Fonte bibliográfica: FORTNER, Don. "Sete coisas que Deus não pode fazer"; SPROUL, R. C. "Verdades essenciais da fé cristã - 1º caderno,  3ª ed., São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2010, p. 38; JOHNSON, Phillip R. "A Lei da Contradição" -  Disponível em <http://www.monergismo.com/textos/apologetica/Lei_Contradicao_Phillip.pdf>]

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