"QUEM MATOU" ANANIAS E SAFIRA?

No quinto capítulo do livro de Atos dos Apóstolos há uma história tão chocante que parece inacreditável que tenha sido incluída na Bíblia. A Igreja crescia e prosperava espiritualmente, apesar da perseguição. Entre os fiéis havia necessitados e os cristãos se mobilizavam para ajudar uns aos outros. Eram dias maravilhosos e terríveis. Deus se movia poderosamente entre aqueles homens e mulheres. Milagres eram a ordem do dia. Os corações do povo pulsavam por amor a Deus e ao próximo. Alguns chegaram a vender os seus bens para poder auxiliar os irmãos. 

Essa dinâmica de ajuda aos mais materialmente carentes costumava ser intermediada pelos apóstolos, visto que naturalmente os líderes da Igreja tinham mais conhecimento das reais necessidades dos demais. O texto sugere que as doações eram feitas publicamente e não em segredo. Aparentemente, a abertura entre os irmãos era total. É assim quando uma comunidade realmente vive em comunhão: não há pretensão, não há segredos. Há uma transparência que só é possível quando existe um mover do Espírito em cada coração. Mesmo assim, em meio a essência da koinonia, com um fluir em profusão do Espírito Santo, que acontece algo inesperado e, um tanto quanto, assustador: o caso de Ananias e Safira.

Não me lembro de já ter ouvido uma pregação sobre o episódio de Ananias e Safira. Posso ter ouvido, mas não me lembro. É um texto pouco concorrido dentre os textos referentes à Igreja Primitiva. Isso porque é atordoante para nossa mente conceber essa trágica ocorrência em meio às páginas do Novo Testamento. Parece mais algum daqueles estranhos eventos típicos do Antigo Testamento, onde ocasionalmente alguém caía morto e estatelado no chão, por conta de algum juízo fulminante dos céus, como aconteceu com Uzá ao amparar a Arca (2 Samuel 6:1-7; 1 Crônicas 13:9-12); ou quando não, com grupos inteiros que amanheciam cadavéricos, como os primogênitos egípcios (Êxodo 11:1-7; 12:29, 30) e alguns exércitos inimigos de Israel (citando apenas um evento - 2 Reis 19 - dentre os muitos registrados no AT). 

Os fatos

Ananias e Safira venderam um campo e trouxeram o dinheiro da venda para os apóstolos. Fizeram isso num contexto público: Pedro recebeu a doação e havia testemunhas. Só que eles não trouxeram tudo, guardaram parte do dinheiro. Ao ser questionado sobre se o valor representava a venda toda, Ananias afirmou que sim, que tinha entregue tudo o que recebera. Mas Pedro denunciou a mentira, que não era apenas contra os irmãos, mas contra o Espírito Santo. O homem caiu morto. Três horas depois, Safira chegou e confirmou a mentira, o que também a fez morrer na presença do Senhor.

Pedro ponderou com Ananias que ele não tinha obrigação de vender o terreno. Continuou dizendo que não teria obrigação de trazer o valor inteiro da venda para a igreja. O que ele fez de errado foi afirmar que havia trazido tudo sem que fosse verdade. O que isso tem de mais?

O apóstolo Paulo diria, anos depois, que somos membros uns dos outros. Que a Igreja não é apenas uma assembleia de pessoas com algo em comum. Somos o Corpo de Cristo. Estamos ligados. E essa ligação é de uma seriedade que poucos compreendem. No caso de Paulo, ele denunciou atitudes contra a comunhão dos santos. Em 1 Coríntios 11, disse que, ao chegarem à mesa da Ceia, muitos tinham trazido sobre si juízo por desprezar a comunhão verdadeira, a doação de si. 

Havia pessoas passando fome, enquanto outras se fartavam à mesa nas ocasiões de “comunhão”. Por isso, muitos estavam fracos e doentes. Alguns estavam até “dormindo” (uma expressão grave, que fala de morte – espiritual ou literal). Sua comunhão era um engodo. Sua irmandade não era real. Reuniam-se, mas sem o proveito espiritual que poderiam receber. Pelo contrário, por causa da aparência de comunhão, sem a devida doação de si, na hora da mesa do Senhor eles se tornavam “réus do corpo e do sangue”.

Foi Deus?

"As misericórdias do SENHOR são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim" –  Lamentações 3:22.

Bom, se a misericórdia do Senhor não tem fim, como pode Ele matar as pessoas? Será que para alguns, sua misericórdia chegou ao fim.

Se nos dez mandamentos existe a ordem: Não matarás. Deuteronômio 5:17, como poderia Deus matar? Ou seja, ele manda não fazer e faz?

Entretanto, muitos líderes religiosos continuam afirmando que Deus mata. Tentaremos então, desvendar esse “mistério”.

Uma coisa não podemos negar, a Bíblia relata diversos assassinatos atribuídos a Deus. Porem uma pergunta não podemos deixar de fazer. Será que de fato, foi Deus quem matou? Analisemos alguns acontecimentos.

"Judá, pois, tomou uma mulher para Er, o seu primogênito, e o seu nome era Tamar. 

Er, porém, o primogênito de Judá, era mau aos olhos do Senhor, por isso o Senhor o matou. 

Então disse Judá a Onã: Toma a mulher do teu irmão, e casa-te com ela, e suscita descendência a teu irmão. 

Onã, porém, soube que esta descendência não havia de ser para ele; e aconteceu que, quando possuía a mulher de seu irmão, derramava o sêmen na terra, para não dar descendência a seu irmão. 

E o que fazia era mau aos olhos do Senhor, pelo que também o matou" – Gênesis 38:6-10.

"O Senhor resolveu matar Er, pois ele era mau a Seus olhos. Então Judá da ordem a Onã, para casar-se com a mulher de seu irmão, com a finalidade de suscitar descendência para seu irmão.  

Porem Onã ao relacionar-se com Tamar, derramava o sêmen na terra, motivo pelo qual Deus o matou. Veja a atitude de Judá, pai de Er e Onã! 

E vendo-a Judá, teve-a por uma prostituta, porque ela tinha coberto o seu rosto. 

E dirigiu-se a ela no caminho, e disse: Vem, peço-te, deixa-me possuir-te. Porquanto não sabia que era sua nora. E ela disse: Que darás, para que possuas a mim? 

E ele disse: Eu te enviarei um cabrito do rebanho. E ela disse: Dar-me-ás penhor até que o envies? 

Então ele disse: Que penhor é que te darei? E ela disse: O teu selo, e o teu cordão, e o cajado que está em tua mão. O que ele lhe deu, e possuiu-a, e ela concebeu dele" – Gênesis 38:15-18.

Deus tinha matado os dois filhos de Judá, e ele achava que o motivo de Deus ter matado seus filhos estava vinculado a Tamar, por esse motivo ele não permitiu que seu caçula casasse com Tamar, pois temia que Deus também o matasse. Entretanto Judá cai na armadilha de Tamar, que ao ver que não iria casa-se com Selá, elabora um plano para engravidar de Judá. Tamar se disfarça de prostituta e Judá cai em sua armadilha. 

A pergunta que não quer calar. Se Deus matou Onã por simplesmente derramar o sêmen na terra, porque não matou também Judá, que se prostituiu com sua nora? Quem seria o pecador? Onã que derramou o sêmen na terra, ou Judá, que se prostituiu?

Agora Deus mata Nabal, e Davi agradece a Deus, por ter matado seu desafeto e liberado o caminho para casar-se com Abigail (mulher de Nabal)

"E aconteceu que, passados quase dez dias, feriu o Senhor a Nabal, e este morreu. 

E, ouvindo Davi que Nabal morrera, disse: Bendito seja o Senhor, que julgou a causa de minha afronta recebida da mão de Nabal, e deteve a seu servo do mal, fazendo o Senhor tornar o mal de Nabal sobre a sua cabeça. 

E mandou Davi falar a Abigail, para tomá-la por sua mulher" – 1 Samuel 25:38-39.

Faltaria tempo para mencionar todas as mortes atribuídas a Deus, entretanto, quero lembrar a você querido leitor, que todos os Países tem seus costumes e crenças, e o povo judeu acreditava que toda morte inesperada, quer seja por doença, ou por acidente grave, era atribuída a Deus. Aqui no Brasil, também existem crenças em relação a Deus matar ou não.

Vamos imaginar um líder de uma determinada igreja, ou até mesmo um membro considerado por toda congregação como um “homem de Deus” sendo acometido por uma doença grave (câncer). Toda igreja fará o mesmo discurso: “O diabo está se levantando” vamos orar!

Agora vamos imaginar um membro de uma determinada igreja que esteja “batendo de frente” com a liderança, por discordar de sua postura ou ponto de vista doutrinário, e esse membro, sendo acometido de uma doença grave (câncer). Toda igreja fará o mesmo discurso: Se levantou contra o ungido do Senhor, “Deus pesou a mão”! Ou seja, se existe uma pessoa passando por alguma dificuldade, seja ela qual for, e essa pessoa é nosso desafeto, falamos que Deus está pesando a mão. Porem se essa pessoa for nosso irmão em Cristo, falamos que o diabo está se levantando, e convocamos toda a igreja para interceder pelo irmão.

Veja na Bíblia um exemplo clássico do que acabamos de ler.

"Então Satanás se levantou contra Israel, e incitou Davi a numerar a Israel" – 1 Crônicas 21:1.

"E a ira do SENHOR se tornou a acender contra Israel; e incitou a Davi contra eles, dizendo: Vai, numera a Israel e a Judá" – 2 Samuel 24:1.

Davi resolveu numerar a Israel. Em Crônicas o autor atribui o ocorrido a Satanás, já em Samuel, o autor atribui o ocorrido ao Senhor. Afinal, quem incitou a Davi a numerar Israel? O fato é, Davi numerou Israel. Se foi Deus ou Satanás, vai depender da crença de cada pessoa.

Outro exemplo: Duas pessoas da mesma família, da mesma igreja, resolvem fazer uma viajem, e as duas começam a encontrar impedimentos (dificuldades) para viajar. Uma delas poderá alegar: "Satanás quer me impedir de viajar! Tá amarrado!" Enquanto a outra pensará consigo: "Deus não quer que eu viaje."

Tá, mas e Ananias e Safira?

"Disse então Pedro: Ananias, por que encheu Satanás o teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo, e retivesses parte do preço da herdade? 

Guardando-a não ficava para ti? E, vendida, não estava em teu poder? Por que formaste este desígnio em teu coração? Não mentiste aos homens, mas a Deus. 

E Ananias, ouvindo estas palavras, caiu e expirou. E um grande temor veio sobre todos os que isto ouviram" – Atos 5:3-5.

Aqui não diz que Deus matou Ananias, e sim, que ao ouvir as palavras de Pedro, ele caiu morto! Podemos imaginar diversos motivos para a morte de Ananias, como por exemplo (eu posso livremente conjecturar sobre um texto das Escrituras, desde que não o tire de seu contexto ou o deturpe): Ananias poderia ser uma pessoa de idade avançada (a Bíblia não fala sobre a idade dele) e hipertensa (porque não, se estamos falando hipoteticamente), e ao ser exposto por Pedro na presença de toda a igreja, como uma pessoa que mentiu para Deus, poderia de tanta vergonha, ter sofrido uma parada cardíaca (analisando dentro do contexto da minha conjectura, essa é uma possibilidade altamente plausível). 

Ainda conjecturando, no caso de Safira é mais fácil explicar o que poderia ter acontecido com ela, pois, quantas mulheres já morreram ao receberem a notícia da morte de seu marido? 

Só sei de uma coisa,  se Deus mata uma pessoa, pelo simples motivo de não dar dinheiro para a igreja… Porque Ele não matou a mim, a você e a um tanto de outros irmãos ainda? Caso contrário, serei obrigado a pensar que Deus é miliciano (só lhe “protege” se você der dinheiro).

E no caso de Herodes? Vejamos:

"E num dia designado, vestindo Herodes as vestes reais, estava assentado no tribunal e lhes fez uma prática. 

E o povo exclamava: Voz de Deus, e não de homem. 

E no mesmo instante feriu-o o anjo do Senhor, porque não deu glória a Deus e, comido de bichos, expirou" – Atos 12:21-23.

Porque Deus não matou os imperadores de Roma? Como por exemplo: Nero e Calígula que sem dúvidas foram muito mais perversos que Herodes. Se Deus mata, porque Ele não matou todos os imperadores do Egito (pois eles eram adorados como “Deus”)?

Conclusão

Resposta: Deus não mata! Quem mata é o homem e/ou é ele morto como consequências de suas atitudes, de suas escolhas, e muitas vezes, atribui o assassinato a Deus.

"Fiz-me acaso vosso inimigo, dizendo a verdade?" – Gálatas 4:16