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domingo, 2 de março de 2025

l📚ESTANTE DO LÉOl📚- ESPECIAL — "AINDA ESTOU AQUI"

Livro deu origem ao filme homônimo, que já foi assistido por mais de 3 milhões de brasileiros - (crédito: Divulgação)
Mesmo em meio à balbúrdia consequente da folia do famigerado carnaval, há uma boa parte dos brasileiros que estarão com suas atenções voltadas para a 97ª cerimônia de entrega do Oscar, que será realizada hoje (02/03).

Isso porque o filme "Ainda Estou Aqui", do cineasta Wálter Salles, estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello, é um dos indicados à premiação com a mais cobiçada das estatuetas da sétima arte. 

O filme, que já recebeu outras premiações internacionais e já foi assistido por mais de 3 milhões de brasileiros, estará disputando os prêmios de:
Pois é, o auê em torno dessa indicação histórica de um filme brasileiro ao Oscar, atiçou meu interesse não em correr para alguma sala de cinema para assisti-lo, mas sim em ler o livro que o inspirou e/ou de onde foi adaptado seu roteiro.

Aproveitei meu tempo livre e a facilidade de tê-lo disponível gratuitamente em arquivo PDF na internet (quem quiser conferir, eis aqui o link) e corri pra ler. 

Até mesmo porque, o tema da ditadura sempre despertou meu interesse literário. Tanto que "furei a fila" dos vários livros que tenho pra ler. Em relação ao filme, vou deixar para assistir depois.

Sobre o autor


Crédito: Divulgação Arquivo Pessoal

Marcelo Rubens Paiva é um conhecido escritor contemporâneo. Dois fatos marcaram sua vida e sua escrita: a morte do pai, em 1971, por perseguição do regime militar, e um acidente ocorrido quando Marcelo tinha 20 anos, que o deixou tetraplégico.

Ele nasceu em 1º de maio de 1959, em São Paulo (SP). É filho de Rubens Paiva (✰1929/✞1971), um deputado, e Eunice Paiva (✰1932/✞2018). 

O golpe militar aconteceu quando Marcelo tinha apenas quatro anos, e seu pai foi exilar-se após seu mandato ser cassado. 

A família se mudou para o Rio de Janeiro em 1966, mas Rubens Paiva foi preso, torturado e morto cinco anos depois, em 1971.

O evento é considerado um "desaparecimento político", já que o corpo nunca foi encontrado.

Carreira 


Em 1974, Marcelo e seus quatro irmãos mudaram-se para São Paulo com a mãe, e ele ingressou no Colégio Santa Cruz. Já demonstrava seus interesses literários ao escrever para o jornal da escola.

O autor também gostava do campo da música, escrevendo letras e concorrendo em festivais. Ingressou na Universidade Estadual de Campinas para estudar Engenharia Agrícola, mas em 14 de dezembro de 1979, pulou em um lago e quebrou uma vértebra do pescoço, o que o deixou tetraplégico.

Paiva tinha apenas 20 anos de idade. Com a ajuda de fisioterapia e terapia ocupacional, ele voltou a mexer as mãos e os braços.

Foi com a mobilidade recém-adquirida que começou a escrever sua obra mais conhecida, "Feliz Ano Velho", que foi publicada em 1982, o mesmo ano no qual entrou na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), no curso de Rádio e TV. Seu mestrado foi feito na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em Teoria da Literatura.

O livro foi o mais vendido na década de 80 no Brasil. Logo depois, o autor ganhou o Prêmio Jabuti, em 1983. Depois desse romance, Marcelo deslanchou, publicando dezenas de livros e peças de teatro cercados de humor e crítica. Desde 2002, Marcelo segue na área da escrita como colunista do jornal Estadão (ou O Estado de São Paulo).

Sobre o livro

Atenção: contém spoilers


Esse livro é de não-ficção, e aborda a ditadura militar que aconteceu no Brasil entre as décadas de 1960 a 1980, um dos períodos mais obscuros e torturantes da nossa história. 

Eu já tinha lido a algum tempo "Feliz Ano Velho", para realização de uma prova de Literatura, para a 8ª série do extinto ginásio (correspondente ao atual 9º ano ensino fundamental) publicado em 1981, o primeiro livro de Marcelo Rubens Paiva (também de não-ficção) que enfatiza o acidente que sofreu aos 20 anos que o deixou tetraplégico.
    • Ainda hoje, mais de quatro décadas depois, este livro ainda continua sendo considerado uma grande referência literária.
Depois de mais de 30 anos de seu primeiro livro, o autor, então, volta a escrever sobre sua história, e consequentemente, a história da sua família.

Cheio de memórias "Ainda Estou Aqui" é um livro que aborda ainda mais a questão da ditadura e o quanto afetou a sua família e o desaparecimento do seu pai, exilado e assassinado em 1971.

Memórial histórico


O foco das memórias é Eunice Paiva, a mãe de Marcelo, podemos acompanhar os momentos da sua trajetória como a mulher de um deputado socialista morto, as condições de criar os 5 filhos, a vontade de estudar e lutar não só pelo caso do marido mas também dos direitos indígenas. 

O mais triste foi ver que depois de tanto sofrimento na família Paiva (assassinato do marido e tetraplegia de um filho), Eunice, ao final de sua vida, encontrava-se acometida pelo mal de Alzheimer, assim, tudo que ela passou e lutou foi perdido de sua memória, havendo, portanto, apenas pequenos momentos em que sabia quem era. 

Além disso, podemos acompanhar o caso Rubens Paiva, que só teve sua morte confirmada 40 anos depois, sim 40 anos depois, pela Comissão Nacional da Verdade:
"A Comissão Nacional da Verdade foi criada pela Lei 12528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012. A CNV tem por finalidade apurar graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988."
É interessante perceber a relação da obra com a criação da Comissão Nacional da Verdade no Brasil, que revelou algumas provas importantes sobre a morte de Rubens Paiva e suscitou constantes reportagens sobre o caso nos principais meios de comunicação do país. 

Cenário do horror


O livro conta com relatos de casos de tortura e violência durante esse período, e é muito forte, muito pesado, porque esses casos são reais, aconteceram de verdade, e até hoje há muitas famílias que não têm nem o conhecimento de onde estão os corpos de seus familiares, não têm acesso aos bens porque muitos até não tiveram a morte registrada numa certidão de óbito.

O quartel da Polícia do Exército, na rua Barão de Mesquita, na Tijuca, lugar onde Rubens Paiva prestou depoimento e foi torturado antes de desaparecer em 1971, amanhece impune todos os dias.

Às seis da manhã ouve-se a corneta que acorda os soldados. Será que a vizinhança percebia o que acontecia ali? Não sabemos. Há um silêncio quase intransponível quando se fala sobre o passado desses lugares de memória autoritária.

Os relatos no livro de Marcelo Rubens Paiva, que ecoa agora com o sucesso do filme, é um movimento contra essa indiferença, que parece permear as memórias dos desaparecidos políticos brasileiros.

A iniciativa de Marcelo de contar a história da sua família é uma narrativa de sobrevivência e movimento. Não é de hoje que o autor fala desse tema em suas obras.

No romance "Blecaute", de 1986, já havia uma referência oculta ao pai desaparecido. Em "Ainda Estou Aqui", no entanto, a opção do escritor é mais objetiva. Ao ler o livro, somos conduzidos por um labirinto de memórias, verdades e esquecimentos.

A trajetória de Eunice Paiva, sempre muito cuidadosa com a silhueta, esposa e mãe preocupada com os códigos de etiqueta da elite paulistana, ganhou outro rumo com o desaparecimento de Rubens Paiva.

Ela foi empurrada para o combate político sem nenhum treinamento. Sua busca, que primeiro era pelo marido, aos poucos se tornou a procura pelo corpo e, no final, era a briga com o Estado brasileiro para ter direito a um atestado de óbito, só conquistado em 1996.

Na superação da mãe, os filhos foram crescendo sem o pai. Cada um aceitou a morte de Rubens Paiva em um momento diferente (o que dá a sua morte uma impressão de continuidade atormentadora). 

A família precisou ainda lutar contra as mentiras que os militares contavam. Diziam que Paiva estava vivo em Cuba, com outra família, ou que voltaria logo, por exemplo.

O caráter interminável do desaparecimento do pai e a progressiva perda da memória da mãe, devido ao mal de Alzheimer, levam o filho autor a nos guiar pelos caminhos da ausência.

No momento em que descobriria as verdades, quando Rubens Paiva ressurge a partir das pesquisas da CNV, é Eunice quem submerge, como se um tivesse que ir para que o outro ficasse. Os dois se encontram na lucidez dela, no momento em que assiste a uma matéria sobre o caso na TV e o reconhece.

O olhar sobre Eunice é respeitoso com os detalhes. Mulher prática, advogada, mãe que calculava o imposto de renda do filho, mas nunca dançou com ele, viúva que comemorou o reconhecimento da morte do marido tomando um sorvete na piscina do prédio, advogada corajosa e revisora atenta de textos. Enquanto coube a ela ser muitas, Rubens não escapou de permanecer o mesmo engenheiro, deputado cassado e pai carinhoso.

As cartas endereçadas a Rubens Paiva, que levaram a polícia até ele, o neto que não conheceu, a filha que estava estudando fora na ocasião do desaparecimento, os índios que Eunice defendeu e mesmo esta resenha nos aproximam ao “se” da história. 

E se nada disso tivesse acontecido? É inevitável que se reflita sobre o tamanho do estrago causado pela repressão durante a ditadura militar. E se antes quem invadiu a intimidade dessa família foi o Estado brasileiro, agora é o filho caçula quem nos convida a participar dela.

Não há sensação de justiça no fim da história. No entanto, desde 2014, existe uma estátua de Rubens Paiva, encomendada pelo Sindicato dos Engenheiros, em frente à entrada do quartel onde foi visto pela última vez, o mesmo que amanhece impune com o canto das cornetas.

O busto não olha para o prédio, está de costas para ele. Mas o fato dela estar ali, nos faz pensar no lema do início da abertura dos arquivos da ditadura militar:
"Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça".
"Ainda Estou Aqui" poderia ser só uma denúncia, mas é uma história cheia de humanidade e carinho sobre Eunice e Rubens Paiva. Eles ainda estão aqui. 

Conclusão


Ler esse livro num período de grande tumulto político (casos de corrupção, especulações sobre processo de impeachment, suposto golpe político da direita) onde há pessoas que defendam a volta da ditadura me fez refletir sobre o assunto, e perceber que essas pessoas podem ter: ignorância — não têm conhecimento da história e dos grandes males que a ditadura nos trouxe e que se refletem até hoje, ou que sim, maldade — defendem que esses crimes bárbaros voltem a acontecer, devido à falta de liberdade de expressão e censura aos que são contra esse tipo de regime.
Não se trata aqui da famigerada polarização política — quer seja de direita ou de esquerda —, negar os horrores da ditadura militar, é negar a história. 
Dadas as devidas especificidades, contextos e implicações, soa semelhante a uma negativa sobre a existência devastadora do Holocausto, período da história na época da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando milhões de judeus foram assassinados por serem quem eram.  
Os assassinatos foram organizados pelo partido nazista alemão, liderado por Adolf Hitler (★1889/✟1945).
Apesar de ser um livro muito pesado, acredito que deve ser lido por todos, é o retrato de uma família que foi fatalmente atingida pela ditadura militar, é o retrato da história da nossa nação. Não podemos deixar de conhecer a nossa cultura, a nossa história, é muito importante, é essencial.

Ficha Técnica


  • Páginas: 296
  • Formato: 15.00 X 23.40 cm
  • Peso: 0.446 kg
  • Acabamento: Livro brochura
  • Lançamento: 04/08/2015
  • Selo: Alfaguara

[Fonte: História da Ditatura, original por Cecília Matos, historiadora; Mundo Educação; A Bookaholic Girl, original por Camila Melo]

Ao Deus Perfeito Criador, toda glória.
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