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domingo, 1 de janeiro de 2017

ACONTECIMENTOS - OS EVANGÉLICOS E A DITADURA MILITAR

Um dos temas históricos que mais eu gosto de estudar é o período da Ditadura Militar no Brasil, os 21 anos em que os militares estiveram no poder (de 1964 à 1985), que também ficou conhecido como os Anos de Chumbo, uma referência à forte censura vigente na época, que atingiu principalmente setores culturais e artísticos.

A revista IstoÉ
, em sua edição número 2170, de 15/06/2016, veiculou reportagem  sobre a atuação dos evangélicos no período da ditadura militar brasileira (http://istoe.com.br/141566_OS+EVANGELICOS+E+A+DITADURA+MILITAR/e trouxe assuntos que geraram muitas discussões: qual o papel do cristão ante determinados momentos da história social de seu país? Deve o cristão submissão irrestrita às autoridades, sejam elas quais forem?

Primeiramente, é preciso dizer que o uso de generalização na História (tão útil para fins didáticos) pode nos levar a não perceber a beleza da sua complexidade. Deste modo, os grupos que a História estuda quase nunca são homogêneos. Assim, na Segunda Guerra Mundial encontramos inúmeros líderes protestantes prostrados ante Hitler, mas também encontramos a resistência e a coragem de pastores como o teólogo luteramo alemão Dietrich Bonhoeffer (1906-1945, morto em um campo de concentração) e André Trocmé (1901-1971, preso por abrigar judeus). Na luta pela emancipação dos escravos, havia evangélicos dos dois lados. Muitos eram escravagistas, mas do outro lado da trincheira havia um Willian Wilbeforce (1759-1833), ou mesmo John Wesley (1703-1791)..

Podemos, pois, distinguir na reportagem supra citada pelo menos três tipos de comportamento que os evangélicos tiveram nos anos de chumbo no Brasil. Primeiramente, houve aqueles que, apesar de manterem uma certa distância dos embates políticos, saudaram a chegada dos militares ao poder. Entre eles estão pastores como Enéas Tognini (✰1914-✟2015), líder batista que nos anos 80 fundou a Igreja Batista do Povo.

Ele assim escreve em sua autobiografia: 

"E Deus respondeu ao clamor do seu povo com 31 de março de 1964. Um grupo de brasileiros acha que a revolução de 1964 foi política, cometeu muita injustiça. Não importa, o importante é que Deus fechou a porta para o comunismo. Para nós, evangélicos, o maravilhoso resultado foi LIBERDADE PARA ANUNCIARMOS A PALAVRA DE DEUS" (Enéas Tognini - A autobiografia. Ed. Hagnos. p. 164).

Reconhecendo os fatos

É preciso termos em conta que havia uma ameaça comunista real no país. Boa parte da esquerda não era democrática, mas queria implantar no Brasil um regime socialista, seja inspirado na União Soviética ou em Cuba. O comunista Prestes Maia (1896-1965) falava: 
"Já temos o poder, falta-nos o governo". 
Lembremos que nos países socialistas havia uma perseguição real aos religiosos, inclusive com confiscos de imóveis e prisões. Não é de admirar que os evangélicos (chamados protestantes) temessem a tomada de poder pela esquerda. O golpe militar foi um alívio, entendido, inclusive, como ato da providência divina. Compreendo este posicionamento, com uma ressalva. Na frase que citei do pastor Tognini, ele demonstra um desdém por injustiças cometidas pelo regime militar. 

Tal posição não se coaduna com a ótica bíblica:

"Ai dos que decretam leis injustas, dos que escrevem leis de opressão, para negarem justiça aos pobres, para arrebatarem o direito dos aflitos do meu povo..." (Isaías 10:1-2).
Em segundo lugar, a repotagem da IstoÉ traz a história de evangélicos que foram perseguidos pelos militares, inclusive com prisões e torturas. É o caso de Anivaldo Pereira Padilha, da Igreja Metodista do bairro da Luz, em São Paulo, Zwinglio Mota Dias, hoje com 70 anos, pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil, da Penha, no Rio de Janeiro e do teólogo Leonildo Silveira Campos, que era seminarista na Igreja Presbiteriana Independente e ficou dez dias encarcerado nas dependências da Operação Bandeirante (Oban), em São Paulo. 

Todos lutavam por um país mais justo, que oferecesse uma condição digna para o seu povo. Poderiam estar imbuídos do sentimento de indignação que enchia o peito de profetas no Antigo Testamento, quando denunciavam a injustiça em Israel. Sem entrar em pormenores, entendo que o cristão não deve se omitir ante os problemas sociais dos seus compatriotas. Não devemos nos fechar em guetos, em nosso mundinho eclesiástico, enquanto há clamores de justiça ao nosso redor. No entanto, mais uma vez faço uma ressalva: não entendo com legítima o uso de violência pelo cristão, mesmo com fins pretensamente nobres.

Por fim, houve uma outra posição tomada por alguns evangélicos brasileiros: a participação ativa na repressão. A revista cita os irmãos José Sucasas Jr. e Isaías Fernandes Sucasas, pastor e bispo da Igreja Metodista, que delataram pessoas da própria igreja que pastoreavam, e o pastor batista Roberto Pontuschka, capelão do Exército, que, segundo o texto, "torturava os presos à noite e de dia visitava celas distribuindo o Novo Testamento. Este comportamento é simplesmente inaceitável. Causa-me vergonha saber que líderes de importantes igrejas tenham tido atitudes como estas. Sei dos conhecidos argumentos em prol da submissão às autoridades, mas Cristo nunca se dobra à César. Os valores, princípios e convicções cristãos são inegociáveis. Por isso, os apóstolos puderam falar: 

"Antes, importa obedecer a Deus do que aos homens" (Atos 5:29).

Conclusão


Afirmando que o conhecimento da História é-nos de muita serventia. Refletir sobre o passado pode nos levar a construir um futuro melhor, a repensar "nossas teologias". Devemos observar que os evangélicos das décadas de 60  e 70 tiveram que tomar posições "no calor do momento", com aquilo que sabiam. Nós também precisamos nos posicionar hoje sobre temas de nosso tempo. As injustiças ainda perduram, os problemas sociais ainda existem. Que caminhos devemos tomar? No futuro os homens vão escrever sobre como os evangélicos do início do século XXI se portaram ante o seu mundo. Nossa história nós a fazemos hoje.

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