Dou início aqui a uma série especial de artigos sobre a chamada sã doutrina. Desde o início da igreja os apóstolos já defendiam a prática da sã doutrina. Ou seja, se eles exortaram a que fosse defendida a manutenção de uma sã doutrina é porque havia uma doutrina nociva sendo disseminada no meio da igreja. Primeiro vamos definir o significado de sã doutrina.
"Conforme te solicitei, quando partia para a Macedônia, permanece em Éfeso para advertires a certas pessoas que não mais ensinem doutrinas falsas, e que parem de dar atenção a mitos e genealogias intermináveis, que causam discórdias em lugar de propagarem a obra de Deus, que tem como fundamento a fé. O alvo dessa orientação é o amor que procede de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé sincera. Alguns, contudo, se desviaram desses princípios, e se entregaram a discussões sem valor algum, intentando ser mestres da Lei, quando não compreendem nem o que propalam nem os assuntos sobre os quais fazem afirmações com tanta convicção.
Esta sã doutrina encontra-se no glorioso Evangelho que me foi outorgado, a saber, o Evangelho do Deus bendito!
Esta declaração é fiel e digna de plena aceitação: Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o pior. Todavia, por este motivo mesmo, me foi concedida misericórdia, para que em mim, o pior dos pecadores, Cristo Jesus, demonstrasse toda a grandeza da sua paciência, e me tornasse num modelo para todos quantos haveriam de crer nele para a vida eterna. Portanto, ao Rei eterno, imortal, invisível, Deus único, sejam honra e glória pelos séculos dos séculos. Amém!
Timóteo, meu filho, dirijo essa orientação a ti, levando em consideração o que as profecias anunciaram a teu respeito; com base nelas, luta o bom combate, preservando a fé e a boa consciência; porquanto algumas pessoas, vindo a rejeitá-la, naufragaram na fé." - 1 Timóteo 1:3-7,16,17,19 [Versão King James Atualizada]
Sã doutrina significa, literalmente, doutrina saudável; assim, aprender, ensinar e pregar a doutrina promove o bem-estar e a integridade dos cristãos. A mesma palavra usada em 3 João 2 para a saúde física é empregada nas cartas pastorais para a doutrina espiritualmente sadia (1 Timóteo 4:13,16; 5:17; 2 Timóteo 1:13; 4:3; Tito 1:9,13; 2:1,7). Diante desses versículos, quem ousaria sugerir que a doutrina não é prática? Observe que algumas dessas passagens são dirigidas a Timóteo; mas também se aplicam de maneira especial a pastores, líderes e mestres (1 Timóteo 4:13,16; Tito 2:1,7).
Preservando o bem
Um dos grandes males do nosso século é uma aversão a um ensinamento sadio, a uma regra de vida sadia, baseada nas Escrituras, a Bíblia. Não é uma aversão somente de pessoas que são de fora do cristianismo, porém alcança fortemente o nosso meio, até mesmo os evangélicos que deveriam caracterizar-se por uma vida cristã baseada somente no evangelho de Jesus Cristo. Por isso, quando utilizamos a expressões doutrina, doutrinamento e sã doutrina, há uma reação de repúdio e aversão, muitas vezes zombeteiras ou verbalmente violentas.
Creio que para tais pessoas não há esperança pois rejeitando a sã doutrina, rejeitam, também, os ensinamentos bíblicos e para conhecermos e nos mantermos na sã doutrina necessitamos exatamente do conhecimento bíblico e aceitação dos seus ensinamentos.
Pouco tempo depois de Jesus Cristo ter estabelecido o seu evangelho no mundo, cerca de 30 anos depois de sua morte e ressurreição, este problema já existia. Talvez sem a amplitude de hoje, já que o mal se propaga rapidamente através dos mais variados meios de comunicação dos quais dispomos hoje, porém já existia. E o apóstolo Paulo se preocupou em iniciar sua carta ao seu filho na fé, então pastor da igreja de Éfeso, discorrendo exatamente sobre a necessidade dele se manter na sã doutrina e levar a igreja a permanecer também. Desse texto inicial, para nossa série especial, queremos destacar os seguintes:
- A preocupação com os filhos na fé
A preocupação inicial de Paulo não era social, nem financeira, nem com a saúde. Via de regra confundimos as coisas e, quando levamos alguém à fé em Jesus Cristo nos preocupamos mais com o seu dia a dia, com as coisas desta vida. A preocupação principal deve ser com a manutenção da fé verdadeira em Jesus Cristo. Há muita fé falsa e muitos que rodeiam os crentes em Cristo tentando demovê-los e desviá-los da fé.
- O dever do pastor em advertir contra os desvios da fé
Há sempre pessoas se desviando e trabalhando para desviar outros da fé. São pessoas que se arvoram conhecedoras, que querem ser mestres das Escrituras, que não entendem nem o que dizem nem o que afirmam (v.7), mas que ensinam doutrinas diferentes da de Jesus Cristo. São pessoas que não se importam com o que Jesus ensinou e se importam muito mais com o que eles próprios pensam saber. São pessoas que fazem belos discursos baseados em fábulas, palavras fantasiosas ou se dedicam a intermináveis genealogias (v.5).
O pastor tem o dever de ordenar (no texto este significado da palavra grega paraggello é o que se encaixa melhor) que pessoas não ensinem falsas doutrinas. É compreensível que o pastor impeça o ensinamento pois, se advertir somente, ou somente alertar aos crentes, a palavra falsa sempre poderá surtir efeito de desvio em alguns. Assim como a fé vem pelo ouvir a Palavra de Deus, o desvio da fé pode vir pelo ouvir ensinamentos falsos. E sempre os ensinamentos falsos produzirão debates inúteis (este é o sentido de "questões" nos vs. 4 e 6) e controvérsias.
E os crentes que desejam permanecer firmes na fé precisam dar ouvidos às advertências do pastor.
- O pastor precisa ter convicção do valor da sã doutrina
Pastores sem convicção da sã doutrina se desviam e conduzem as ovelhas por caminhos tortuosos, das falsas doutrinas. Um pastor que crê no batismo por aspersão leva a igreja a batizar por aspersão; um pastor que não reconhece o valor da Ceia como um memorial do sacrifício do Senhor Jesus, leva a igreja a atribuir valores humanos à Ceia. Um pastor que não crê que a Bíblia é a Palavra de Deus, leva a igreja a descrer da Bíblia como Palavra de Deus. Um pastor que não crê na necessidade de santificação da igreja, leva a igreja a se mundanizar, a buscar igualdade com o mundo. Um pastor que crê que a igreja tem que transformar socialmente o mundo, levará a igreja a trabalhar pela transformação social do mundo. São apenas exemplos do que acontece no meio cristão e de como pastores são responsáveis por tantos desvios.
O pastor precisa ter convicção da finalidade do mandamento de Deus: o amor de um coração puro, uma boa consciência e uma fé não fingida, verdadeira. Precisa ter convicção de que o ensinamento é mais eficaz que a imposição legalista, porquanto leva o crente a um comportamento de fidelidade ao evangelho por reconhecimento da nova vida em Cristo (ver o exemplo do próprio apóstolo Paulo em 1 Timóteo 1:12-17). Mas, também, a lei é boa e precisa ser utilizada legitimamente, para com os que perseveram no pecado (v. 8-11)
Paulo delineia os que precisam ser tratados segundo a Lei: os injustos (transgressores); os obstinados em não se sujeitarem ao evangelho; os que não têm temor reverente a Deus (asebes – chamados de ímpios ou irreverentes em nossas versões); os que se dedicam ao pecado; os profanos (não santificados); os maus; os parricidas, os matricidas, os assassinos; os que praticam atos sexuais considerados impuros (pornografias); os sodomitas (arsenokoites – homossexualidade); os que colocam seres humanos sob escravidão ou fazem comércio da escravidão (andrapodistes); os mentirosos, os que acusam falsamente e os que são contrários à sã doutrina. Note-se que o apóstolo Paulo inclui os que se opõem à sã doutrina com os que cometem os mais variados e terríveis tipos de pecado.
- Precisa haver no pastor o sentimento da misericórdia de Deus em sua vida
O apóstolo Paulo vivia para obedecer a Cristo e para glorificar a Deus. O que ele sentia procurava, por todos os meios, passar para os crentes em Cristo, tanto ensinando aos pastores, quanto ensinando aos próprios cristãos. Ninguém é salvo e nem vive a vida cristã por seu próprio mérito. Ninguém é bom a ponto de merecer a salvação e o fortalecimento para a vida cristã. No seu profundo sentimento da misericórdia de Deus em sua vida, ele reconhecia:
a) Era agradecido a Cristo Jesus. Dava graças à ele.
b) O seu fortalecimento vinha de Cristo Jesus. Em nossa tradução está que ele reconhecia que o Senhor Jesus o confortava, porém a palavra utillizada tem a conotação clara de fortalecimento.
c) Ele próprio era propriedade de Jesus. Ele o chama de "Senhor nosso."
d) Agradecia porque foi Cristo quem o considerou fiel para o ministério.
e) Considerava-se o pior dos pecadores. Mas reconhecia que através da própria misericórdia para com os pecadores, o Senhor Jesus dava provas da sua longanimidade.
- A verdade do Evangelho
Uma palavra fiel, verdadeira (pistos), digna de toda a aceitação é a de que "Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores." Esta é a verdade do evangelho de Jesus Cristo, é a essência, é o motivo pelo qual Deus deu o seu Filho unigênito. Não há evangelho, não há sã doutrina, sem a convicção e a pregação de que todo aquele que crê em Jesus Cristo tem a vida eterna. Deixar essa verdade é fazer naufrágio na fé.
Conclusão
O pastor precisa ser exemplo de fé verdadeira em Jesus Cristo, precisa pregar e ensinar a sã doutrina, com o objetivo de levar os crentes a conhecerem o evangelho verdadeiro e se manterem firmes contra os que praticam e pregam doutrinas contaminadas pelo pensamento humano, ou, até mesmo, criadas por homens.
O pastor precisa combater o bom combate. Precisa ser combativo contra o mal que rodeia e penetra na igreja. Não pode ser condescendente, não pode transigir porque ele tem um Senhor que é o dono da igreja. Precisa conservar a sua fé em Jesus Cristo e a sua consciência governada pela mente de Cristo. Não pode pensar nem crer com a mente de homens, porém de Cristo. E a mente de Cristo nos foi revelada por ele próprio e registrada na Bíblia.
Os crentes em Cristo têm a mesma Bíblia que o pastor, tem a mente de Cristo e podem ouvir e aceitar de bom grado os ensinamentos e pregações que são realmente de acordo com a sã doutrina. Podem ajudar aos que estão se desviando da fé e devem, individualmente, permanecer firmes no evangelho de Jesus Cristo.
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