Total de visualizações de página

terça-feira, 13 de novembro de 2018

DISCOS QUE EU OUVI - 46: "MAIS DOCE QUE O MEL", REBANHÃO

Resultado de imagem para gif de vinil

Você é capaz de imaginar um disco de música essencialmente gospel ser um símbolo de contestação? Pois é o caso do disco que trago no quadragésimo quinto capítulo da série especial de artigos Discos Que Eu Ouvi. "Mais Doce Que o Mel", da icônica banda Rebanhão, foi lançado no ano de 1981, em pleno período de censura pela ditadura militar. Uma época em que os artistas de todos os segmentos sofriam e muito com o punho forte dos censores e seus critérios nada convincentes para vetar e/ou liberar ao bel prazer alguma manifestação artística.

E, no caso do disco da Rebanhão, além dos rigores da censura, ele ainda passou pelo crivo da perseguição dentro do próprio círculo evangélico, que julgou a obra inapropriada para os rigorosos conceitos doutrinários de algumas denominações. O disco começou a causar desde sua capa. A foto da capa trazia os integrantes da banda. Até aí tudo bem, não fosse um detalhe que chocou os líderes religiosos da época: o líder e vocalista Janires - sem dúvida alguma, um dos nomes mais marcantes e importantes na história da música cristã nacional - pousou para a foto trajando uma camisa com os botões abertos e com o peitoral à mostra! Pronto. Estava causado o "escândalo".


A pastorada desceu sem dó o cajado na banda e muitos chegaram mesmo a proibir os jovens de suas igrejas de adquirirem o disco e/ou de ouvir aquela "música do diabo". Para resolver o "problemão" da capa, a gravadora, então, relançou o disco com uma enorme tarja preta tapando o peitão do Janires. Às favas com a estética! Ridículo, né? Pois é, mas para a época foi o que se pode fazer. Afinal, o disco por si só trazia um som que já era rejeitado pelos crentes daquela época em que os pastores afirmavam e os fiéis acreditavam que "o diabo é o pai do rock". Estupidez de quem falava tal asneira e burrice de quem acreditava.

Conhecendo o disco


Regime militar, libertação sexual, drogas, e desigualdade social e econômica. É o contexto em que o disco "Mais Doce Que o Mel", da banda Rebanhão, nasceu. A obra veio à existência em 1981, época em que festivais de rock e a cultura hippie, como o Woodstock, foram a marca dos jovens. Também, no período, bandas do gênero pregavam e viviam o lema "Drogas, Sexo e Rock & Roll". 

"Paz, Amor e Rock & Roll"


O grupo brasileiro, então liderado por um dos vocalistas, Janires Magalhães Manso, fora sensível a esses intensos fenômenos sociais e econômicos que atravessavam o país. Além disso, resgatou o apreço da cristandade pelo seu poder de contextualização cultural, o que os teólogos enquadrariam como tarefa do conceito de "movimento apostólico" da Igreja. 

Estas adaptações, sem, contudo, negar bases doutrinárias, tornam-se mais identificáveis nas influências musicais do disco, como o art rock, rock progressivo e pop rock, os quais, em geral, possuíam uma forte correlação com valores libertários do momento e que até hoje permeiam a cultura moderna (ou pós-moderna, ou hipermoderna). Sabiamente, misturou tais influências com estilos genericamente brasileiros, como a tropicália, solidificando o contexto nacional em suas faixas. 

Faixa a Faixa

A capa original, sem a famigerada tarja da censura religiosa


Isto é perceptível na canção (05/B) 'Casinha', um dos pontos altos do disco, escrita por Janires. Um choro que retrata, por meio de uma rica poesia, as facetas da desigualdade social e econômica nacional.

Tal contraste é enaltecido pela brasilidade contida na harmonia da faixa, por meio das belas execuções de violão ovation do compositor e acordeon por parte de Rick, escolha perfeita para se proclamar um dilema do nosso país.

Manso evoca não somente guetos de hiper desenvolvimento econômico e social, mas a própria idealização humana de cidade sem problemas, mentalização sinalizada em vários projetos [r]evolucionários de nosso tempo. Esta projeção, com tal riqueza filosófica, foi expressa por Fiodor Dostoievski, em Irmãos Karamazov, como o ato de trazer, por meio da ação humana, o céu a terra, na qual o mesmo condena como a atitude dos construtores da Torre de Babel.

Contrariando esse idealismo, mesmo que presente aparentemente no mundo, existe uma realidade de caos, violência e desgraças, a qual é expressa na segunda parte da canção. O cantor finaliza conclamando a existência da cidade eterna que Jesus construiu por meio de seu sacrifício na cruz, contestando todo tipo de planos de felicidade terrena. 

(02/B) 'Baião' é outro momento rico do álbum. No estilo nordestino baião, acompanhado pelo outro vocalista, Carlinhos Felix, Janires faz uma importante crítica. Ao som de triângulo, acordeom, guitarra e um baixo bem marcado de Paulo Marotta, o autor evoca vários temas de dimensões sociais, econômicas e culturais. Entre elas, o músico aborda a idealização de salvadores e o messianismo presente na nossa cultura. 

Desta forma, reflete o papel das universidades enquanto formadoras de certo tipo de personalidade. Caso refletirmos sobre todo o contexto histórico da educação, desde o nível fundamental ao superior, as principais influências são a Revolução Iluminista que, mesmo com todo o momento pós-moderno o qual vivemos, ainda presenciamos princípios que vão de encontro contra as ideias positivistas do movimento francês. 

Desta fonte, bebe-se a concepção da razão como um fim em si mesma, e, sob tal aspecto, teria um papel como um fundamento da virtude. Entretanto, a ilusão positivista não consegue enxergar que a razão serve também a algum propósito, é teleológica, como diria Aristóteles. Janires foi perspicaz ao cantar 
"até parece que as 'facurdade' só tá formando lampiões". 
Negando o seu rudimento teleológico, os racionalistas dão pano de fundo para as piores barbáries, quando eles mesmos não abdicam do racionalismo para se tornarem ideólogos, salvadores da queda humana. Como diria o poeta do Rebanhão, ainda tão atual, 
"...e Lampião e Lamparina, vela acesa e candeeiro, nunca vai salvar ninguém, inda se vai gastar dinheiro". 
O disco oferece, também, outras opções. (01/A) 'Tudo Passa' entra com um conjunto de metais, num estilo disco music, e já a mostrar um dos principais pratos da obra, o teclado de Pedro Braconnot, enquanto Carlinhos Felix proclama, em versos eclesiásticos, a temporalidade da vida e o fundamento absoluto em Jesus, o que pode ser até mesmo associado com a decadência do gênero naquele período.

A balada quase romântica e melancólica da segunda faixa (lado A do LP) 'Monte', com solos de sax tenor e cantada também por Felix, também é uma das melhores dádivas musicais da obra. Passageiro, num estilo funk blues, finaliza com solos de metais numa sonoridade próxima ao jazz e fala sobre o exílio de um cristão na Terra, enquanto um mero peregrino. 


Já o folk rock em (04/B) 'Amizade' enfoca nas seis cordas. Outra excelente opção do registro, (06/B) 'Tudo é Meu', segue o folk rock presente na faixa analisada anteriormente, mas trazendo como prenda solos de gaita, ao mesmo tempo em que conclama a promessa divina da herança de todas as coisas na realidade vindoura, em frente às falsas ofertas de identidade terrenas. As cinco canções foram todas compostas por Carlinhos Felix. 

(03/B) 'Refúgio', a única composição de Braconnot do disco, é uma faixa mais progressiva, com ênfase no teclado, a principal marca da canção. (03/A) 'Mel', de Janires, é construída por elementos do rock progressivo, com solos agudos e distorcidos de guitarra. O pout-pourri do cantor, em (04/A) 'Salas de Jantar/Jesus Cristo pode Te dar/Glória pra Jesus/Jesus Filho do Homem/Glória ao Pai, ao Filho, ao Espírito Santo', possui o detalhe de ter solos de guitarra, teclado e metais e ser a mais longa da obra (8:22). 

É, de certa forma, interessante o diálogo que algumas músicas estabelecem entre si. Versos que cantam a brevidade e a queda do homem em 'Tudo Passa', 'Mel', 'Refúgio', (01/B) 'Passageiro' e outras, são os mesmos que proclamam a incapacidade do homem de salvar a si mesmo, seja qual for a tentativa. Assim, tece críticas contra projetos humanos de redenção. Conforme canta Janires no pout-pourri
"...a poesia que fala que as flores iam crescer, estão amarrotadas, abandonadas no bolso dos poetas...". 
Porém, revela a salvação encontrada na cruz, no sacrifício de Jesus, como contraponto a esses projetos e a solução ao dilema da queda. 


Obra primorosa

Resultado de imagem para Imagem da contra capa do disco mais doce que o mel do rebanhão

Dois tópicos merecem ser ressaltados. O projeto, antes de tudo, cumpriu um papel, que, até o momento, era menosprezado pelos músicos cristãos no Brasil: a contextualização da visão protestante para os mínimos aspectos da vida social. Este dever, que hoje se encontra como tema para discussão em vários grupos teológicos nacionais, principalmente no neocalvinismo, já estava sendo abordado em 1981, com a banda Rebanhão, principalmente pelo finado Janires. 

O outro ponto está na musicalidade do grupo. Ao experimentar o rock, um gênero marginalizado por parte de alguns cristãos mais religiosos e pouco utilizado na época em que foi lançada a obra, o Rebanhão conseguiu influenciar uma geração posterior, principalmente dentro do rock, e fundamentar o papel do músico enquanto contextualizador da mensagem protestante. 

É válido perceber também a influência do Keith Green, confessada por Braconnot, na visão da banda. Janires foi uma espécie de Green brasileiro, tanto pela história de vida semelhante, como pela visão musical. Resgatado de um vício em uma casa de recuperação para dependentes químicos, o Desafio Jovem, ligada ao Teen Challenge, do importante evangelista e pastor norte-americano David Wilkerson, Manso concebeu a banda como uma forma de levar o evangelho a uma geração presa ao lema "Drogas, Sexo e Rock & Roll"

Keith, um judeu que aprendeu o evangelho desde cedo, veio também de um contexto ligado às drogas e amor livre. Convertido, teve sua vida dedicada a propagar a mesma mensagem a um público também imerso nessa cultura libertária. Ambos tiveram suas histórias devotadas à mesma missão, até o fim precoce de suas vidas. Assim, o legado é outro aspecto positivo do disco, revelado nas suas boas influências. 

"Mais Doce Que o Mel" representa um pilar para uma arte e musicalidade mais holística, e também como obra prima realizada pelos cristãos. Ofereceu diversos elementos que mais tarde seriam intensamente tratados por bandas como Resgate, Fruto Sagrado, e os grupos oriundos do chamado Novo Movimento. Apesar dos variados detalhes estéticos na área musical, o que mais marcou a obra foi o art rock, principalmente pelo teclado de Pedro, que sobrepõe mesmo à guitarra de Felix. Este traço é pouco comum dentro do rock como um todo, porém popular dentro do art rock.

Conclusão


"Mais Doce Que o Mel" (vale a pena ouvir o disco completo, é só clicar no link) é uma obra primorosa e que merece sempre ser lembrada com menção honrosa, ainda mais nos nesses dias em que a música cristã tem capengado na criatividade, na qualidade espiritual, mesmo que tendo a seu favor os holofotes da mídia e os aparatos da tecnologia. 

O que vemos e/ou ouvimos é uma enxurrada de modinhas copiando os originais americanos, cheios de parafernalhas tecnológicas, mas com total ausência de criatividade e unção (ok, tudo bem, válido salientar as raríssimas, mas raríssimas mesmo, exceções) que inundam os púlpitos das igrejas e as mentes dos alienados que, presos nos tentáculos do preconceito e na cegueira da modernidade evanescente, viram a cara para os clássicos. Dou sem mais demoras o meu carimbo de 
 

[Fonte: Super Gospel]

A Deus toda glória.
Fique sempre atualizado! Acompanhe todas as postagens do nosso blog https://circuitogeral2015.blogspot.com.br/. Temos atualização diária dos mais variados assuntos sempre com um comprometimento cristão, porém sem religiosidade.
E nem 1% religioso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário