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sábado, 10 de fevereiro de 2018

DISCOS QUE EU OUVI - 41: "BURGUESIA", CAZUZA

Há vinte oito anos, no dia 07 de julho de 1990, morria Agenor de Miranda Araújo Neto, o Cazuza, considerado um dos maiores poetas da música brasileira. O rebelde (sem causa?)-zona-sul compôs belas canções e rasgou a garganta em rocks desvairados, influenciando toda uma geração.

Lutando contra quem?


Rebelde e contestador, Cazuza era um típico garotão de Ipanema. Entre fins de tarde no Arpoador, bebedeiras no Leblon e rachas na Lapa, o menino passou de fotógrafo profissional à ator, poeta e, por fim, cantor de garagem. 

Foi Léo Jaime quem o descobriu levou para descobriu num teste com a banda de Roberto Frejat no início da década de 1980. Era apenas o início do que se chamou na imprensa de Brock, ou o rock Brasil.

Cazuza tinha tudo para ser o típico playboyzinho zona sul, mas não era. Sabe-se lá porque, ele resolveu romper com todos os padrões que o pudessem definir como tal. Ele era muito, mas muito doido mesmo. E não fazia questão de esconder suas doideiras de absolutamente ninguém. Entretanto, se Cazuza fez mal a alguém, fez a si próprio, pois morreu vitimado pela Aids, quando a doença ainda era um flagelo que estava dizimando de anônimos a celebridades em todo o mundo. Mas não é falar sobre as "porralouquices" de Cazuza o propósito desse artigo e sim de um dos seus discos considerados pelos críticos como o melhor em sua curta carreira

"Burguesia"


O quinto e último álbum de Cazuza, "Burguesia", lançado pela Polygram em 21 de agosto 1989, veio duplo, recheado do material que o poeta acumulava em casa, escrevendo às pressas enquanto a morte não vinha, sendo seu último registro musical.

Cazuza gravou e produziu Burguesia quando se encontrava em uma cadeira de rodas e com a voz nitidamente enfraquecida. Sem forças, chegou a gravar algumas faixas deitado. É um álbum duplo de conceito dual, sendo o primeiro disco com canções de rock e o segundo com canções de MPB. Além de composições próprias o disco inclui também regravações de canções da banda Os Paralamas do Sucesso e de Caetano Veloso. A polêmica faixa-título, que critica a burguesia, foi lançada como single.
Clipe original da música, lançado após a morte do cantor, com montagem de cenas compiladas de outros clipes e de vídeos pessoais

Esse pode ser chamado de "o disco da ressurreição". Cazuza, já minado pela doença, provou que a pirraça era a forma de se manter vivo. Criava como um tresloucado, escrevia desbragadamente, aos borbotões. Mandava letras para Frejat, Ângela Ro Ro, Arnaldo Antunes, Arnaldo Brandão, Joanna, João Donato e também as dava a quem fosse visitá-lo na Clínica São Vicente. E exigia que eles musicassem tudo em milésimos de segundos. O álbum vendeu 250 mil cópias. Cazuza recebeu o Prêmio Sharp póstumo de melhor canção com a polêmica e um tanto quanto confessional “Cobaias de Deus”. 

Faixa a faixa


Para gravar o LP, Cazuza chegava ao estúdio da Polygram em cadeira de rodas, deitava-se num sofá e mandava ver, mesmo com a voz nitidamente enfraquecida, o que pode ser percebido e sentido em todas as faixas. 

João Rebouças criava os arranjos e ele ia colocando a voz direto. Os técnicos da gravadora agiram de uma forma pavorosa. Como ele cantava deitado, os microfones eram colocados de qualquer jeito, como se cada dia de gravação fosse o último e que aquele disco não iria ser lançado nunca. 

Era uma produção, digamos sem exageros, brutalista. Esse disco poderia ser comparado com Metal Machine Music, de Lou Reed. E as letras eram orgiásticas, haviam canções com 140 versos, tudo era fantasmagoricamente irracional, trovões e relâmpagos verbalizados numa linguagem devastadora. Era a própria urgência de cataclismas transcendentais. Cazuza expurgava, exorcizava sua revolta contra a doença que o consumia em versos carregados de uma agressividade visceral.

Resultado: 20 pulverizantes faixas. Um registro que sempre valerá a pena ser relido por “seculo seculorum”. Cazuza assumiu e assinou, com garras e dentes toda a produção. Só mesmo ele teria culhões e honestidade para fazer isto.

A sonoridade e profundidade de algumas letras são de emocionar qualquer um, ainda que o conteúdo não seja lá, digamos, muito ortodoxo. Ele foi gravado quando o estado de saúde de Cazuza já estava mal mesmo, em estágio praticamente terminal de vida, devido a fraqueza que sentia por causa da Aids. Inclusive esse álbum foi o que ele utilizou mais backing vocals, justamente para "segurar" o tom da voz.

O álbum abre com a maravilhosa 'Burguesia' que lança críticas a elite brasileira e o abandono da mesma para com a população. A batida dessa música é sensacional e cativante. Com trechos memoráveis como 
"As pessoas vão ver que estão sendo roubadas / Vai haver uma revolução / Ao contrário da de 64 / Vamos pegar o dinheiro roubado da burguesia / Vamos pra rua!" 
ou até 
"Enquanto houver burguesia / Não vai haver poesia". 
Enfim, hino de qualquer "anti-burguês".

O álbum segue com 'Nabucodonosor' que é bastante intrigante e meio "sem sentido" para alguns. Mas, ao meu ver, ela tem total sentido. Nessa canção Cazuza tenta expressar seu "contentamento" com a doença. Dado versos como 
"Agora eu acredito / Em reencarnação/ E também que a morte / Não é assim tão ruim não". 
Ah, sem falar no maravilhoso solo no final.

Depois vem 'Tudo é Amor' que..., que... ah, o nome já diz tudo. Tudo é amor! Seguindo vem uma das minhas favoritas, 'A Garota de Bauru', que fala de uma garota que mora em Bauru que o Cazuza "conheceu", no sentido bíblico do termo. Bem agradável de se ouvir e com versos legais e pegajosos.

A 5° música, 'Eu Agradeço', é bem legal. É outra que entra para o clube das profundas apesar de ter uma batida agitada. Ao meu ver, ela fala da falta de fé de Cazuza em sua recuperação e já esperando a morte. Seguindo vem 'Eu quero Alguém', mostrando que mesmo no leito de morte, Cazuza, maluco como era, queria alguém pra, digamos, "ficar".

'Baby Lonest', 'Como já dizia Djavan' e 'Perto do Fogo' talvez sejam as que eu menos simpatizo, são bem óbvias. Mas elas não são ruins, questão de gosto mesmo. Talvez porque as melhores estejam por vir. Pois a sequência de músicas com letras profundas e tocantes começa com 

'Cobaias de Deus'


Hoje, como cristão, devo confessar que esta é uma canção que me causa um certo desconforto em ouvir. Mas, dada as circunstâncias e a situação em que Cazuza estava, eu até entendo o desabafo que ele faz nessa canção. É o típico desabafo de alguém que não teve um mínimo relacionamento com Deus, que não O conheceu.

Mas, eu digo que, musicalmente, ela é simplesmente perfeita. Faz chorar escutar essa música. De pena por um uma pessoa tão perdida em sua própria essência. Trechos como 
"Se você quer saber como eu me sinto / Vá a um laboratórios com labirintos" 
"Meu pai e minha mãe / estou com medo / eles vão deixar / a sorte me levar" 
me faz pensar como foi difícil para ele, ali, deitado na cama de hospital esperando a morte, sem poder fazer nada. Pensar em como foi angustiante... E o pior é que depois dela vem 'Mulher Sem Razão', 'Por Quase um Segundo', 'Filho Único', 'Preconceito', 'Esse Cara', 'Azul e Amarelo', 'Cartão Postal', 'Manhatã', 'Bruma' e 'Quando Eu Estiver Cantando' e cara, falar delas é algo impossível. O sentimento que elas passam não pode ser descrito. Só ouvindo. Mas, eu diria que são uma sequência confessional de alguém que queria tentar se explicar, ou, quem sabe, se justificar.

Conclusão


Também devo confessar que, apesar de meus princípios e conceitos serem muito bem equilibrados e arraigados, este não é um disco que eu ouviria hoje. Mas o ouvi muito. E, pior, quando ainda não tinha o entendimento, o conhecimento e a maturidade que tenho hoje. Não é um disco indicado para qualquer um, pois as músicas, cada uma uma delas, cumpre muito bem o objetivo de seu compositor: expressar dor, revolta, rebeldia e, infelizmente, sem o mínimo traço de arrependimento. Pior, muito pior pra ele. Contudo, como uma sensacional obra desse que foi, indiscutivelmente e independente de qualquer coisa, um dos maiores artistas da MPB, eu deixo aqui o meu registro e o meu carimbo de 
A Deus toda glória.
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   E nem 1% religioso.


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