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segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

ACONTECIMENTOS - OS 20 ANOS DA MORTE DO CB. VALÉRIO, O MÁRTIR DO MAIOR MOVIMENTO DA PMMG

Junho de 1997, a Polícia Militar do Estado de Minas Gerais (PMMG), iniciava as comemorações de seus 222 anos. Policiais militares, em sua grande maioria praças, deram início a um movimento reivindicatório inédito em toda sua história e que ficou marcado pela trágica morte do cabo Valério dos Santos Oliveira, à época, com 36 anos de idade. Cabo Valério se tornou o mártir do movimento que foi responsável por importantes mudanças na estrutura de toda a corporação.

Como nasceu o movimento


O movimento dos policiais, notadamente dos praças, não nasceu ao acaso. Já em 1988 a imprensa destacou a seguinte matéria: 
“Coronel afirma que governador corrompe comandantes da PM”.
A notícia era de um coronel reformado denunciando a miséria na Polícia Militar. De lá para cá encontramos - em 19 de maio de 1992 - a manifestação “Panela Vazias” protagonizada por cerca de 200 esposas de policiais militares da capital que saíram da Praça Duque de Caxias, passaram pelos 16º e 01º Batalhões até chegarem ao prédio do comando. 

Elas bateram panelas, fizeram orações e gritaram palavras de ordem. O movimento foi pacífico e pontual, mas não deixou de marcar na memória uma antiga reivindicação dos policiais, a isonomia salarial com os funcionários dos poderes judiciário e legislativo. 

Em setembro de 1995; novamente um coronel publicou na imprensa um manifesto incitando os praças a tomarem uma posição diante das condições objetivas por que passava os praças. As tímidas manifestações enunciadas não deixam de revelar o mal-estar que existia na Polícia Militar de Minas Gerais. Provavelmente, elas já evidenciavam um amadurecimento político dos integrantes da corporação caracterizado como uma “percepção tardia” de direitos e levada a efeito depois a partir das “performances familiares apreendidas” ao longo do tempo. 

No entanto, o que abalou “a disciplina e a hierarquia que constituem a base institucional da Polícia Militar” foi a sexta-feira do dia 13 de junho de 1997, o qual na visão das principais lideranças do movimento foi um “divisor de águas”. 


O estopim do Movimento


Em cinco de junho de 1997 o então governador Eduardo Azeredo (PSDB) concedeu um reajuste de 11% aos oficiais da Polícia Militar seguindo a primeira etapa da desejada equiparação com os delegados. A decisão política do governo, o qual acreditou na “histórica docilidade, disciplina e dedicação dos policiais de baixa patente da polícia mineira”, quebrou laços de solidariedade, reforçou uma espécie de darwinismo policial nas relações existentes entre oficiais e praças e precipitou a revolta dos praças que passaram a reclamar no interior das unidades da corporação. 

No dia seguinte ao anúncio de reajuste privilegiado aos oficiais, o cabo Glendyson Hércules de Moura Costa, 31 anos, foi alvejado por cinco tiros a queima roupa, quando tentava prender criminosos que roubavam uma casa lotérica. O episódio tencionou as relações no interior dos quartéis e, cinco dias após ser baleado, o policial militar não resistiu e morreu. O sepultamento do praça contou com a mobilização de aproximadamente 300 policiais.

As reivindicações


No 22º Batalhão da Polícia Militar (BPM) e no Batalhão de Choque colchões foram queimados nos alojamentos das praças. Acreditando na “docilidade da tropa” o comando da corporação minimizou os fatos e negou qualquer ato de rebeldia.

No dia 12 de junho de 1997, cerca de 300 praças do Batalhão de Choque recusaram as ordens para o policiamento. Neste mesmo dia ocorreram manifestações no 13º BPM, 16º BPM e 18º BPM. No dia seguinte a tropa do Batalhão de Choque ganhou as ruas de Belo Horizonte. Com um forte caráter de livre exercício da cidadania mesclado à cultura da caserna, muito bem conceituados como “uma atípica cerimônia militar”, os servidores policiais militares saíram em passeata reivindicativa no mesmo modus operandi dos trabalhadores celetistas. Durante o percurso, os PMs não interromperam o trânsito, ocuparam somente uma faixa da pista, ensaiaram palavras de ordem, orações, hino da corporação e o Hino Nacional.

A passeata chegou ao coração da capital mineira e os policiais abraçaram estrategicamente o “Pirulito” da Praça Sete. Naquele local era percebido o apoio dos policiais civis, dos policiais militares do Batalhão de Trânsito, da Cavalaria, do 01º, 16º e 18º Batalhões de Polícia. Em seguida, os policiais desfilaram em direção à Praça da Liberdade contando com muitos aplausos da população e chuva de papéis picados.

Em frente ao Palácio da Liberdade, a então sede do Governo, cerca de 1500 policiais entoaram o Hino Nacional, se ajoelharam e fizeram orações em memória aos companheiros que tombaram em confrontos com criminosos e por suicídio. Além disso, deram entrevistas ás redes de TV e queimaram os contracheques dando de costas ao Palácio da Liberdade.

Longe da liderança e representação dos oficiais de alta patente, soldados, cabos e sargentos constituíram uma comissão e partiram para a negociação direta com o chefe do executivo mineiro. 

A comissão composta por representantes das entidades de classe e três militares do Batalhão de Choque apresentou a seguinte pauta de reivindicações: piso salarial de R$ 800,00, promoção por tempo de serviço (dez anos) e não apenas por concursos internos, revisão imediata do RDPM, do Estatuto de Pessoal da Polícia Militar, a não punição dos manifestantes e uma política habitacional que atendesse principalmente aos cabos e soldados.

A tragédia


Colegas tentando socorrer o Cabo Valério, após ele ter sido
alvejado por um tiro na cabeça
Os fatos que se seguiram foram trágicos. Alguns manifestantes “atropelaram” parte dos servidores da Forleg que faziam o cordão de isolamento e tentaram invadir o prédio do Comando 

Geral. Muitos tiros foram disparados. O cabo Valério dos Santos de Oliveira, 36 anos, que tentava conter os ânimos dos amigos foi, infelizmente, atingido por um tiro na cabeça. Socorrido ao Hospital de Pronto Socorro, João XXIII, em estado gravíssimo, o policial militar não resistiu e morreu no dia 29 de junho de 1997.

Duas hipóteses foram apresentadas sobre quem teria atingido o Cabo Valério. O comando da polícia apresentou o Soldado PM Wedson Campos Gomes, como o autor do disparo que atingiu o militar fundamentado em imagens divulgadas por emissoras de TV. Já as lideranças do movimento, e uma praça do 18º BPM que testemunhou o fato, acusaram como autor do disparo o novo Comandante do Policiamento da Capital (CPC), coronel Eleutério Cardoso.
“Eu vi o cabo Valério caindo baleado e o coronel Eleutério trocando a arma com um cadete”.
Em meio à crise, o governador Eduardo Azeredo recorreu ao Governo Federal, que enviou as Tropas da 4ª Divisão do Exército sediadas na capital. Elas se concentraram nas imediações governamentais como o Palácio da Liberdade, dos Despachos e nas Mangabeiras (a residência oficial do governador).

No dia 26 de junho, o governo do Estado anunciou um piso salarial de R$ 615,00 para soldados e detetives em início de carreira, significando um aumento real de 48% nos salários. Às outras patentes, ficaram acordados aumentos escalonados dependendo do grau hierárquico. As praças conseguiram também a garantia de participação em comissões de revisão do Regulamento Disciplinar, no Estatuto de Pessoal da corporação e benefícios indiretos, como uma política habitacional que levasse em conta a capacidade de pagamento do servidor e maior transparência nas decisões da corporação.

Todavia, o comando da PMMG instaurou o primeiro Inquérito Policial Militar (IPM) em 27 de junho no intuito de apurar a morte do Cabo Valério. Outros dezessete inquéritos foram instaurados visando apurar a participação das praças no movimento reivindicatório. Unidos com as principais lideranças, encabeçada pelo Cabo Júlio (deputado, PMDB) e pelo Sargento Rodrigues (PDT-MG), uma centena de policiais militares foi condenada com a pena administrativa capital, a exclusão disciplinar. No dia 13 de fevereiro de 1998 o soldado Wedson Campos Gomes foi considerado culpado pelo homicídio do cabo Valério e, em seguida, condenado a oito anos de prisão.

A condução dos processos do movimento foi seguida por acusações de perseguição, falta de transparência e vingança por parte dos oficiais administradores. Tais relações produziram um novo movimento, “Anistia já para os PMs”.

Com a eleição de Itamar Franco em 1998 para o governado do Estado foi encaminhado à Assembléia Legislativa a Emenda à Constituição Estadual nº 39, de 24/05/19998, a qual por meio de um mecanismo administrativo tratou de separar o Bombeiro das atividades da Polícia Militar, enquadrando na corporação dos Bombeiros Militares as praças excluídas. 

A Emenda Constitucional nº 39 reconheceu a greve policial como uma questão trabalhista e baseados neste argumento os manifestantes foram anistiados. O projeto beneficiou 182 praças, 27 sargentos, 54 cabos e 101 soldados.

Conclusão


Acredito que o movimento reivindicatório das praças da Polícia Militar de Minas Gerais não nasceu espontaneamente tal como vem apregoando o senso comum. Ele é resultado de um processo socialmente construído em busca de direitos e das condições objetivas pelas quais passavam soldados, cabos e sargentos. Nada foi espontâneo; sem a insatisfação, a liderança de poucos, o interesse de muitos e o apoio de grande parte dos seus pares - inclusive boa parte dos oficiais de baixa patente –, pouco ou nada os praças teriam conseguido em termos de mobilização de pessoal.

Quanto à hierarquia e a disciplina, princípios abalados durante e após a mobilização, tudo indica que foram resignificados. Isto porque não foi um movimento que reivindicava a desmilitarização da polícia ou mesmo colocar em questão toda a gênese, maturação e desenvolvimento da instituição. No que concerne aos valores militares, as praças nada mais pediram do que o cumprimento da ética policial militar, assentadas no “respeito à dignidade da pessoa humana, a camaradagem, o espírito de cooperação” e a solidariedade dos comandantes. 

Como visto, os laços sociais, em conflito latente, foram quebrados pelos oficiais de alta patente quando decidiram por legislar em causa própria. Nesse sentido, não é por acaso que o movimento se constituiu como um fato histórico e singular na PMMG. Ela foi tão importante que não deixou de dar vida a novos movimentos por todo o país e, inegavelmente, proporcionou muitas mudanças no que hoje os administradores de polícia vem chamando de política de segurança pública. 

O legado


Foi inaugurado em 24/06/2016, o Instituto Cabo Valério de Cidadania (ICVC), no Salão de Artes e Eventos da Aspra/PMBM. Idealizado pelo deputado federal Subtenente Gonzaga (PDT-MG), o ICVC tem como principais aspirações manter vivos os ideais vivenciados por Cabo Valério, considerado o mártir do movimento reivindicatório de 1997, e prestar um trabalho de responsabilidade social aos policiais e bombeiros militares, bem como aos seus familiares. 

Quando levou um tiro na cabeça ao tentar acalmar os ânimos de outros militares na maior manifestação da história da categoria, o Cabo e irmão em Cristo Valério dos Santos Oliveira carregava no bolso o número de telefone do amigo Gilson. O rapaz era apenas mais uma das inúmeras pessoas que o policial ajudou a superar uma fase difícil com auxílio espiritual. Agora, passados 20 anos da morte que mudou a realidade da PM no Estado, o praça volta a amparar, indiretamente, outros mineiros por meio do ICVC. 

A morte do Cabo Valério colaborou para o fim do motim. Os militares receberam um aumento de 48% nos salários. O movimento de 97 serviu de exemplo para policiais de outras partes do país e mudou as regras da corporação mineira. A categoria ganhou visibilidade e direitos nunca imaginados.

Para a esposa e os dois filhos de Valério, que na época tinham 6 e 9 anos, o Cabo deixou um apartamento, um carro, o exemplo, a fé e o legado. Portanto, a morte de Cabo Valério não foi em vão, por isso ele deve sempre ser lembrado como um eterno representante do melhor da família PMMG.

Daqui fica o meu alerta e o puxão de orelha ao Sgt. Rodrigues e ao Cb. Júlio, os senhores como parlamentares têm mandatos na mão, podem propor a criação desde um busto em frente ao local onde Cabo Valério foi assassinado, bem como propor a criação de uma Comenda Oficial Cabo Valério, a qual comemoraria no dia da sua morte 13/09/1997, com a entrega desta para personalidades que valorizam a segurança pública, sejam militares, da imprensa, justiça, etc.

Se a PMMG é bi centenária, patrimônio e orgulho do povo mineiro, e se Cabo Valério, ainda que involuntariamente, através da sua morte, pôde trazer a reflexão para o  seio da tropa, consequentemente para nós civis, ouso dizer: qual a diferença de Cabo Valério para o Alferes Tiradentes na História? Está dívida com a História e a memória de Minas Gerais, ainda não foi "paga". Será que algum dia será?

[Fonte: Jornal Hoje Em Dia (Fotos); Jornal EM (04/11/88, pg. 7, 20/05/92, pg. 20 - Caderno Cidades)]

A Deus toda glória. 

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