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sábado, 13 de janeiro de 2018

ACONTECIMENTOS - OS 15 ANOS DO ASSASSINATO DO PROMOTOR CHICO LINS


Em 25 de janeiro de 2002, sete tiros disparados de uma pistola semiautomática calibre .380 calaram a voz de um promotor que lutava contra a Máfia do Combustível que agia em Minas Gerais.

A morte de Francisco José Lins do Rêgo Santos, um marco no duelo entre a Justiça e o crime organizado, completa 15 anos nesse mês. Neste capítulo da série especial Acontecimentos, uma homenagem ao homem que perdeu a vida defendendo o consumidor, mas contrastam com o destino dos três envolvidos no assassinato, que atualmente gozam da liberdade. Podem até ter calado a voz de Chico Lins, mas seu legado ficou para que não nos esqueçamos que, apesar dos pesares, podemos e devemos confiar na justiça.

O crime


Os noticiários locais daquele meio da tarde das férias do verão de 2002 chocaram a sociedade mineira:
"O promotor de Justiça da Vara de Defesa do Consumidor de Belo Horizonte Francisco José Lins do Rêgo Santos, 43, foi assassinado a tiros no início da tarde de hoje, momentos depois de parar seu carro no sinal de trânsito de uma movimentada avenida da região centro-sul da capital mineira. 
De acordo com testemunhas, uma motocicleta branca que transportava dois homens — a placa estaria coberta com fita adesiva — emparelhou com o carro de Lins, um Golf verde, ano 1996, momento em que o ocupante da garupa teria sacado uma arma e disparado vários tiros. 
No local do crime, foram encontradas 16 cápsulas, provavelmente disparadas de uma pistola automática. No corpo do promotor havia pelo menos cinco perfurações visíveis, no rosto, pescoço, peito e braços. A principal suspeita levantada ontem é a de que o promotor teria sido morto devido à sua atuação na apuração da existência de uma suposta máfia que estaria adulterando combustível em Minas. 
O promotor era casado - estaria indo se encontrar com a mulher- e tinha dois filhos. Ele era parente do escritor paraibano José Lins do Rego (1901-1957) e trabalhava no Ministério Público de Minas havia 15 anos. Tinha passado por comarcas do interior e por uma das varas criminais de BH."

As investigações


O promotor Chico Lins autuando Farah
em um de seus postos em Contagem
Na esquina da rua Joaquim Murtinho com a avenida Prudente de Morais, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, um monumento não deixa a cena de um brutal assassinato e a tentativa de intimidar a Justiça serem esquecidas.

Envolvido na adulteração de gasolina, que era misturada a solvente, o empresário Luciano Farah Nascimento, então com 29 anos, comandava a Rede West, com nove postos espalhados em BH e região metropolitana. O grupo dele era um dos 22 investigados pelo Ministério Público por causa da fraude.

Em setembro de 2001, o empresário sofreu um duro golpe ao ver o mais lucrativo de seus negócios, o Big Posto, que era localizado nas esquinas da avenidas General Davi Sarnoff e Babita Camargos (em frente a um centro de compras, onde hoje funciona a franquia de uma famosa rede de fast food) em Contagem, ser interditado depois de investigações comandadas por Lins.

De acordo com o MP, a Máfia do Combustível em Minas, além de lesar os consumidores, sonegava impostos, causando rombos de 15% no ICMS arrecadado anualmente pelo Estado. Fragilizado na época com o atentado, o MP garante ter intensificado e reformulado suas ações. A fraude, naquela época, mostra o quando a desorganização do mercado, aliada à ineficiência e à desarticulação das instituições públicas, servia de incentivo às práticas ilícitas.

Os assassinos e a dinâmica da execução


O assassino ameaçando o promotor diante das lentes da imprensa
e de várias testemunhas
O empresário Luciano Farah, de 29 anos, gostava de dizer que era um bom atirador "desde os tempos do Exército", quando serviu no 28º Batalhão de Infantaria, em Belo Horizonte. Apaixonado por armas, adorava discutir as qualidades de cada modelo com seus seguranças.

Depois de uma dessas conversas, no início de janeiro, Farah convidou um deles, o soldado da PM Edson Souza Nogueira de Paula, para "dar uns tiros" no estande de um clube do qual era sócio. Os dois passaram horas disparando e ficaram amigos. No dia 24 de janeiro, Farah chamou o funcionário para tomar uma cerveja após o expediente e lhe pediu um serviço extra.
"Tem uma pessoa vagabunda aí que está me prejudicando demais"
explicou.
"Preciso que você elimine essa pessoa." 
Nogueira, que já respondia a um processo por tentativa de homicídio, aceitou, sem sequer perguntar quanto receberia. Já sabia quem era o alvo — o promotor Francisco Lins do Rego Santos, de 43 anos, neto do escritor José Lins do Rego, que investigava o empresário por comandar uma rede de distribuição de combustível adulterado.

No dia seguinte, às 13h30, Lins saía de sua casa para o escritório quando parou num sinal vermelho. Uma moto branca com dois ocupantes, que vinha logo atrás, acelerou bruscamente e freou ao lado do Golf do promotor. O motoqueiro que dirigia gritou:
"Atira, atira!",
e o da garupa não se fez de rogado. Virou o corpo e apontou uma pistola .380 para a cabeça da vítima. Fechou os olhos, apertou o gatilho e descarregou as 15 balas do pente. Treze atingiram o peito, o pescoço e a cabeça de Lins, que morreu ali mesmo. A moto arrancou, seguida por um Marea preto, que dava cobertura.

A reconstituição dessas cenas foi possível com a prisão do PM Nogueira, que confessou ter sido ele o atirador na garupa da motocicleta, pilotada na ocasião pelo próprio Luciano Farah. A polícia prendeu o empresário e anunciou sua confissão. Chocado, o advogado que Farah havia contratado para sua defesa, abandonou o caso. Foi substituído por outro que garantia que seu cliente não confessou coisa nenhuma. Havia pouquíssimas dúvidas, no entanto, de que o empresário tinha sido mesmo o mandante.

Com autorização judicial, a polícia grampeou o celular de Farah e registrou uma conversa na qual ele pedia ao soldado que se livrasse da arma do crime. A moto branca foi identificada — o empresário a havia comprado uma semana antes. O Marea que dava cobertura também era dele, embora a polícia ainda não tenha confirmado quem dirigia o carro. O office-boy da empresa de Farah, Geraldo Parreiras, acrescentou que seguiu o promotor durante um mês, a pedido do patrão, para conhecer seus hábitos e horários — e que, além dele, havia seguido duas funcionárias da Promotoria de Defesa do Consumidor. Para o delegado que à época que o inquérito, Wagner Pinto, não havia mais dúvidas:
"O caso está encerrado".
Truculento e arrogante, Farah era um jovem empresário rico, com patrimônio avaliado em R$ 20 milhões. Ele e sua família eram donos da rede West, com nove postos de gasolina na região metropolitana de Belo Horizonte. Tinha um apartamento de luxo no bairro de Lourdes, avaliado em R$ 1 milhão, eram são sócios de uma indústria química — que, segundo as investigações chefiadas por Lins, servia de fachada para a produção e a distribuição de gasolina adulterada.

Cinco anos antes do assassinato do promoto, essa pujança toda não existia. Ela surgiu depois que Farah e seus três irmãos, herdeiros de um ferro-velho em Contagem, venderam o negócio do pai para abrir o primeiro posto de gasolina.

O esquema de adulteração de combustíveis


Lins começou a apurar. Descobriu que a rede West tinha um sistema de trabalho singular. Seus caminhões iam a distribuidoras pouco conhecidas do interior de São Paulo e sempre compravam muito mais álcool do que gasolina — estranho, porque o álcool representa apenas 7% das vendas em um posto médio. No caminho até Minas, porém, essa anomalia era corrigida com um milagre, a multiplicação do combustível.

Remessas de 5 mil litros de gasolina se transformavam em lotes de 15 mil litros, depois de um pernoite em uma indústria de Contagem, a Millen Química. A empresa, especializada na produção de solventes, pertencente a Cristiano Farah, irmão mais novo de Luciano. Câmeras escondidas pelo Ministério Público registraram a entrada e saída dos carregamentos. Mais tarde, com um mandado judicial, peritos colheram amostras dos galões estocados na Millen e compararam seu conteúdo com a gasolina dos postos West. Ambos estavam cheios das mesmas substâncias: tolueno, tíner, solvente de borracha e querosene.

Cercado, Farah não se dava por vencido. Arrogante, não tentou sequer desarmar o esquema para não dar na vista. Continuava vendendo gasolina adulterada. Apenas o Big Posto, o maior de sua rede, foi autuado 12 vezes. Em setembro de 2001, o promotor Lins foi até lá com a polícia para lacrar as bombas (fotos acima). O proprietário cumprimentou os visitantes e disse:
"Vou chamar uns 40 advogados e em uma hora abro de novo". 
Quando um PM estendeu uma faixa que anunciava o fechamento do posto por venda de combustível adulterado, Farah enfureceu-se e tentou arrancá-la.
"O comunicado está aí por ordem judicial, você não pode tirá-lo"
avisou Lins. Segundo testemunhas, o empresário se aproximou, de dedo em riste, e ameaçou-o (conforme pode ser visto também na segunda foto acima). Depois disso, pelo menos duas vezes Farah foi até o Ministério Público, com advogados, para falar com o promotor. Em dezembro de 2001, quando os recursos legais pareciam esgotados, ele chegou a enviar um padre, que pediu a Lins que amenizasse a fiscalização, porque ameaçava o emprego dos funcionários. Foi a piada do mês na promotoria.
"Dizíamos que Lins descobriu quem estava batizando a gasolina"
lembra um procurador.

Quando Lins foi assassinado, não havia muitos suspeitos a investigar. Rapidamente a polícia obteve autorização judicial para grampear os telefones de Farah. Preocupado com a ousadia dos bandidos, o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça decidiu convocar duas reuniões: uma para debater o combate à máfia dos combustíveis e outra para propor estratégias de proteção aos promotores que investigavam o crime organizado.
"A morte de Lins nos feriu, mas não nos intimidou. Agora, desbaratar essa máfia é uma questão de honra".

Conclusão

Os assassinos no dia do julgamento, da direita para esquerda:
Farah, Edson e Geraldo

O crime atingiu diretamente a instituição do Ministério Público, que reformulou seus procedimentos em nível nacional, e tirou a vida de um pai de família, deixando inconsoláveis os filhos Júlia, então com 1 ano, Gustavo, com 4, e a viúva Juliana Ferreira Lins do Rêgo Santos, aos 32, funcionária do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) mineiro. 

Passados 10 anos do assassinato, ela quebrou o silêncio, e falou pela primeira vez ao jornal Estado de Minas e fez uma revelação surpreendente: o homicídio talvez não tivesse ocorrido se Francisco tivesse ouvido a súplica do filho mais velho, que naquele dia tentou impedir que o pai seguisse para o trabalho. Juliana havia saído um pouco antes, logo após o almoço em família, mas ficou sabendo que o garoto escondeu a chave do carro. 
"Hoje você não vai não, pai!", 
disse o menino.

Após uma década e meia da morte do promotor Francisco José Lins do Rêgo Santos, Luciano Farah, condenado por ser o mandante e o piloto da moto no dia do crime, cumpre pena em regime aberto, ou seja, ele apenas dorme na prisão, segundo a Vara de Execuções Penais de Belo Horizonte. Farah foi condenado a 21 anos e 6 meses de prisão. Ele foi preso no dia 17 de dezembro de 2002 e, alguns anos depois, já cumpria pena em regime aberto. 

Edson Souza Nogueira de Paula, o ex-policial militar, pegou 19 anos por ter atirado no promotor, saiu da cadeia em 2011 por progressão de pena. Geraldo Roberto Parreiras, o office-boy que deu cobertura aos criminosos pegou 18 anos de prisão, mas também está nas ruas desde 2009.

No local do crime, um monumento lembra o trabalho de Francisco José Lins do Rêgo Santos pela Justiça. Olhar para este monumento também nos leva a uma reflexão: será mesmo que as nossas leis punem verdadeiramente os criminosos? Com a palavra os nossos ilustres (e caros!) legisladores.

[Fonte: Jornal Estado de Minas, Jornal Hoje Em Dia, G1, Revista Época]

A Deus toda glória.
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E nem 1% religioso.

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