Ontem, 11 de outubro, foi um dia especial para os fãs da lendária banda Legião Urbana. Foi o aniversário de 20 anos da morte do seu líder, Renato [Manfredini Júnior] Russo.
Aproveitando esta data eu vou escrever abaixo uma resenha (cheia de spoliers e de impressões individuais, para variar) do álbum "O Descobrimento do Brasil". A escolha por esse álbum não foi aleatória. Há algum tempo eu já queria escrever sobre ele e como uma espécie de homenagem à lembrança de Renato Russo, vou fazê-lo agora.
Primeira formação da Legião: Bonfá, Dado, Russo e Rocha (✰1961/✞2015)
O disco foi lançado em 1993 e pode ser considerado inovador, um recomeço (como uma descoberta de si mesmo) e também um legado deixado por Renato Russo a sua enorme legião de fãs. Antes de adentrarmos ao disco irei fazer alguns comentários sobre à banda, ao cenário em que os integrantes da banda viviam, os problemas enfrentados por Renato quando o mesmo descobriu que portava o vírus HIV, o problema com o alcoolismo e como ele tentou se "limpar" em meio ao caos que sua vida estava.
Em novembro de 1993 a Legião Urbana volta às lojas com novo álbum. "O Descobrimento do Brasil" trazendo faixas que se destacaram nas rádios, como 'Perfeição',
(o vídeo clipe acima foi exibido à exaustão na programação da extinta MTV/Brasil), 'Vamos Fazer Um Filme', 'Giz' e 'Vinte e Nove'. O repertório ainda tem espaço para a raiva de 'Do Espírito' e o pop de 'Os Anjos'.
Com uma estética idílica e evocando referências de tempos remotos, apresenta na capa imagens que estampam cores, flores, emitindo uma energia na maioria das vezes solar.
"ouça no volume máximo!"
Depoimentos
"A gente tinha chegado à conclusão de que iria fazer canções com um formato mais pop. A ideia era pensar em vários 'singles', mas sempre tratando de questões importantes" (Dado Villa-Lobos).
"Me lembro da gravação do vídeo da música de trabalho ['Perfeição']. A gente foi pro rio gravar o clipe e foi uma produção super legal, com figurinos e tudo mais, como a gente nunca tinha feito" (Marcelo Bonfá).
Depois de lançar "O Descobrimento do Brasil", no final de 1993, o Legião Urbana resolveu voltar à estrada em 1995, realizando 25 shows pelo país. A turnê que marcou a volta do grupo aos palcos, depois de um jejum de quatro anos sem apresentações ao vivo, e que seria também a última da banda.
Contextualizando a obra
Em 1993 eu estava com 26 anos de idade. O Brasil dos anos 90 ainda estava tentando se recuperar de todo o desgaste que sofrera com o sistema autoritário da ditadura militar que durou mais de 20 anos, ceifando vidas de vários jovens e adultos que lutaram dignamente (ou não?) por mais igualdade e liberdade de expressão na sociedade brasileira.
Esse período também foi marcado pela posse do presidente Fernando Collor de Mello, conhecido midiaticamente na época como "caçador de marajás". Mas o que tudo isso tem haver com o disco "O Descobrimento do Brasil" e com o rock nacional!? Tudo, primeiramente vamos à um breve comentário sobre o que o presidente Collor fez: o mesmo "sequestrou" toda a grana que a população guardava em poupança, levando assim várias famílias de trabalhadores à miséria. Com essa situação vários músicos da época foram influenciados, inclusive a Legião Urbana.
O ano de 1993, então, foi marcado como o "ano dos suicídios" (você caro leitor se lembra deste trecho da música 'Perfeição':
"...Vamos festejar a violência e esquecer a nossa gente, que trabalhou honestamente a vida inteira e agora não tem mais direito a nada..."),
pois várias pessoas mediante a este caos, tiraram suas vidas.
Em meio a esse caos na sociedade com vários civis sendo prejudicados, iniciam-se vários manifestos e protestos de vários setores da sociedade. Um deles foi liderado por jovens e foi conhecido como movimento dos "Caras Pintadas", os mesmos lutaram pelo impeachment do presidente Collor. Por isso, fica óbvio o porquê do disco que vou comentar hoje ter uma carga ideológica bem presente em todas as faixas, bem como o mesmo fala também sobre coisas da vida.
Legião Urbana provoca amores e ódios. É uma banda da qual é difícil você ficar passivo. Existia até nos idos de 80 uma rixa entre os fãs da Legião Urbana e do Barão Vermelho, assim como as (não tão) saudáveis brigas entre fãs de Senna e Piquet. E o grupo dos fãs de Legião ainda se dividem nos que consideram que esse foi o último álbum da banda (sendo "A Tempestade... (já falei dele aqui)" e "Uma Outra Estação" álbuns do Renato Russo com participação dos outros integrantes) e os que dizem o contrário. Um breve resumo histórico para aqueles que nem eram nascidos no fatídico ano de 1993:
1993, o ano da obra
- O que você conhece hoje como República Checa (e todas as piadas adjacentes) e Eslováquia, um ano antes a gente conhecia como Checoslováquia.
- Nos EUA inicia-se a entressafra de Bushes (presidentes, que conste). Bill Clinton inicia uma série de dois mandatos.
- Brandon Lee (✩1965/✞1993) morre em um suposto acidente nas filmagens de "O Corvo". Com um pouco de computação gráfica, nem se percebe isso no filme. Nesse ano também morreu o Frank Zappa (✩1940/✞1993).
- Nirvana lança o "In Utero". Pearl Jam lança o "Vs." e a partir de 1993 ficamos esperando pelo Guns lançar o "Chinese Democracy" (que só seria lançado apenas em 2008).
- Itamar Franco (✩1930/✞1993) começa pra valer na presidência: Collor, o presidente anterior, foi caçado no final do ano anterior.
- Um Big Mac com fritas e refrigerante custava cerca de Cr$ 13.000.000,00 (isso mesmo: treze milhões de cruzeiros. Uma boa mesada era de cerca de Cr$ 50.000.000,00).
Bom, nada disso quase tem haver com o álbum… é só para compensar meu estado de nostalgia com um monte de interrogações na cabeça dos leitores mais jovens.
O que se deve levar disso para entender o álbum é que a cena política no Brasil não estava lá essas coisas, embora pela primeira vez o brasileiro achasse que podia fazer justiça, o que deixou muitos de nós bem ranzinzas (eu não, eu era grunge).
No mundo de Renato Russo e patota, o Band Leader estava começando um tratamento para se livrar de dependência química. Esses dois incidentes dizem bastante sobre o álbum. Outro ponto é que o cantor já sabia que era portador do HIV, embora não tivesse assumido publicamente. Nesse cenário temos 14 faixas, dentre elas a favorita do cantor e, segundo ele, sua obra prima ('Giz'). Vamos a elas, vamos ao disco.
"O Descobrimento do Brasil"
Lado A
(01) 'Vinte e Nove' — a música é um lamento digno do Charlie Brown de 3:42, sempre citando ciclos de 29. Essa música de autoria do Renato Russo é totalmente pessoal. Uma dica pra entender ela: Renato Russo assumiu sua sexualidade publicamente com 29 anos. E descobriu que era soropositivo com a mesma idade. Nessa música dá pra sentir algumas invencionices que se ouve também no "Acústico [da MTV]" (gravado um ano antes e só lançado como obra póstuma em 1999).
(02) 'A Fonte' — tem uma batida bem pop, em contraste com a letra, que fala dos problemas mundanos, como depressão, violência, desespero, doença, esperança e, com um pano de fundo, uma lúdica busca às fontes do reino de Hades. Se ele não dissesse
"...e esta é uma canção de amor...",
no fim da música, eu não teria percebido. No meio, uns vocais sampleados, com aquele manjado mas sempre bacana efeito de "gravado pelo telefone", que faz parecer um locutor de rádio AM;
(03) 'Do Espírito' — guitarras distorcidas, solos. O mais perto que a Legião Urbana já conseguiu chegar de "pesado". A letra é uma discussão com alguém, com frases do tipo
"...sai de mim porque eu não quero mais saber de você..." (auto exorcismo?).
O vocalista teria dito que seria "para uma pessoa ruim mas funciona para os críticos dos jornais e revistas".
(04) 'Perfeição' — uma metralhadora de críticas a atual situação do país. Primeira música (e acho que única, além da canção título do álbum) da Legião a usar bateria eletrônica. Virou hit radiofônico e ganhou clipe na MTV (acima). Tem aquela mesma pegadinha pop de 'A Fonte'. Dizem que o original era impublicável, de tantos palavrões que tinha, até que a mãe do cantor pediu que ele desse uma maneirada. Os últimos versos tem, como música incidental, 'O Bêbado e o Equilibrista' da Elis Regina. Tente cantar os versos de uma na outra.
(05) 'O Passeio Da Boa Vista' — praticamente um interlúdio. Tem a duração exata de dois minutos e é instrumental (dá pra usar de boa como espera telefônica), embora possua letra, jamais cantada:
"O meu coração está desesperado espero por alguém que nem virá
Abro a janela dou de cara pro mar e meus sonhos a navegar
Meus segredos estão expostos
Meus desejos seguros
Não vou sofrer
Não quero sofrer
Talvez morrer
É só a solidão batendo na janela do meu quarto
Estou sozinho já não sei quanto tempo vou suportar
Estou sem coragem, não quero chorar.
Um dia na chuva outro no sol
O passeio da boa vista nunca aconteceu
Ouço apenas o ruído do silêncio
E não sei o que dizer
Apenas sei chorar"
(06) 'Descobrimento do Brasil' — devia-se chamar 'Descobrimento do Amor'. Romântica em nível piegas quase (isso não é um demérito, que conste). Exalta as coisas simples que, no fundo, é o que faz a gente se apaixonar por uma pessoa ou lembrar de um lugar e momento. Tem um arranjo bem simples, como deveria ter para fazer consonância com a letra.
(07) 'Os Barcos' — o que começa com o 'Descobrimento...' termina com 'Os barcos'. Mais uma baladinha, com umas puxadas mais pesadinhas em alguns pontos, por conta das guitarras. A canção do relacionamento que termina unilateralmente e do outro lado que não se convence disso.
Lado 2
(01) 'Vamos Fazer Um Filme' — esse álbum está recheado de musiquinhas românticas e essa é mais uma delas. Você adolescente: precisa escrever algo para aquela garota/carinha que está afim: esse é o álbum! Tem todos os temas e ele/ela provavelmente não vai saber que é plágio.
Vamos fazer um filme é para aquela situação quando você encontra uma pessoa de muito tempo atrás e se apaixona por ela, na pior depressão da pior fase possível da sua vida. Tem umas rimas meio forçadas, perceptíveis quando se canta
("...Um por todos, todos por um..."),
mas é bem gostosa. Uma das minhas favoritas do álbum (não só minha): o refrão
"[...e hoje em dia] como é que se diz eu te amo..."
virou título de um dos álbuns ao vivo. Outra que virou hit radiofônico. Tinha tudo pra isso, diga-se.
"...pegue duas medidas de estupidez, junte 34 partes de mentira…"
com uma batidinha bem dançante. Fala de "decepção crente": hoje não dá. Nunca se sabe o dia de amanhã.
(03) 'Um Dia Perfeito' — tem uma batida triste. É engraçado como as músicas mais agitadas desse álbum trazem as mensagens mais desesperançosas e vice-versa. Nesse som, tem uma coisa de tomada de fôlego: colocar os pés no fundo do poço pra começar a subir;
(04) Giz — Baladinha. Se os relacionamentos desse álbum tivessem uma ordem cronológica, podemos dizer que 'Giz' vem depois de 'Os Barcos'. A letra passa aquela coisa nostálgica de lembrar das boas coisas juntos, com alfinetadas de quem não terminou o relacionamento:
"…pra ser honesto, só um pouquinho infeliz...".
Dependendo da leitura, pode ser uma carta de despedida. Dá para entender porque ela foi a preferida de Renato. Outra que também tocou muito nas rádios.
(05) 'Love In The Afternoon' — Esqueça o que eu falei de carta de despedida. Essa sim deve receber o título. Na verdade, ela é uma: foi feita para um amigo de Renato Russo, Luís, que foi baleado na porta de uma balada e também em homenagem ao baixista Tavinho Fialho, conforme dito anteriormente. A cítara que toca de fundo dá uma força para a aura lúgubre da música.
(06) 'La Nuova Gioventú' — mais uma música "pesada". Mais uma música de separação. Tema recorrente do álbum, mostrando várias facetas da mesma moeda, sempre naquele pensamento desesperado. Particularmente não entra nem no meu Top 50 deles. Essa é aquela faixa (todo álbum tem uma) que não faria falta alguma se tivesse ficado de fora.
(07) 'Só Por Hoje' — baladinha que fecha o álbum como deveria. Começa com o pessimismo de tudo que aconteceu 29 vezes, mas termina com uma esperança, afinal
"...só por hoje vou me lembrar que sou feliz".
A música tem inspiração no lema dos Alcoólicos Anônimos: um dia de cada vez. Reflete a rehab do cantor.
Conclusão
Em resumo, o álbum está longe de marcar presença como o onipresente "As Quatro Estações" (falei dele aqui) ou de ter os preciosismos musicais de "V", mas é um bom álbum deles. Tem muita coisa aqui que deveria ser redescoberta, assim como o Brasil. Não vou colocar uma nota, pois não tenho dados de outros lugares para que você possa comparar as notas.
Em suma galera esse disco é um retrato bem profundo de nosso eterno legionário, Renato Russo, aquela mesma figura que compôs 'Será', que compunha canções bem marcantes, músicas que fizeram e ainda fazem parte do repertório de vários casais ou fazem parte da vida de pessoas que admiraram a obra de Renato Russo.
Mesmo não sendo o melhor disco da Legião, recomendo e muito esse disco, pois além de ser um clássico, é um disco que prova que quando estamos perdidos somos capazes de nos superar. Esse disco transmite toda a energia alegre, viva, que sempre penso que devemos levar de Renato, letras profundas e positivas que sempre incentivam as pessoas a irem atrás de seus sonhos.
A Deus toda glória.
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