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segunda-feira, 23 de maio de 2016

ESPECIAL FAMÍLIA - INTRODUÇÃO

No ambiente plurirreligioso dos bairros de periferia das grandes cidades, migração, trânsito e mudança religiosa não se constituem exceção, mas norma. As pessoas aderem, ao logo da vida, a diferentes sistemas de crenças e práticas, configurando um panorama que se mostra caótico para quem se coloca como observador pouco sintonizado com as transformações recentes no campo religioso (Burdick 1998). 

Como morador de uma favela, compreendi que as pessoas, ao se defrontarem com um complexo de discursos religiosos sobrepostos, têm a chance de promover – e de fato promovem – passagens e rupturas: seja como membros exclusivos ou fiéis dedicados, seja como sujeitos simpatizantes ou frequentadores que reconhecem a força do grupo religioso e liga-se a ele, ou mesmo como meros usuários ocasionais dos serviços "mágico-religiosos" oferecidos por determinados grupos que se identificam como cristãos, e/ou evangélicos. 

A relação de proximidade estabelecida sobre o fenômeno do pluralismo religioso nas famílias especificamente da favela onde moro me colocou diante de inúmeras experiências de trânsito entre as religiões católica e evangélica e entre denominações evangélicas. Estas podem ser traduzidas como "casos" relacionados com conversões, escolhas religiosas ou mudanças de religião. Tomo como ‘casos’ narrativas orais cuja matéria prima são as vicissitudes do viver. Alguns acontecimentos extraordinários são reconhecidos pelos que contam como dignos de serem retidos na memória e atualizados, ou seja, contados. Diferenciando-se de uma memória social no sentido estrito, 'casos' são particulares à pessoa que conta ou a pessoas do círculo próximo; seus atores são, portanto, situados e nomeados. 

Para cientistas sociais, 'casos' como os que se apresentam como testemunhos têm usualmente servido à reflexão sobre caminhos, buscas e encontros que, sendo particulares a cada indivíduo, dizem muito da serventia da religião nos dias de hoje numa sociedade cujo repertório do sagrado é quase inesgotável. 

Nesta série de artigos, quero explorar uma faceta que se apresenta nos relatos de muitos ‘casos’: a importância das adesões religiosas nas transformações instauradas na vida de homens e mulheres e os significados que tais transformações trazem para a constituição de um novo ethos masculino e feminino com consequências para as relações afetivo-familiares. Isto numa perspectiva em que a movimentação das pessoas na arena religiosa tenha um sentido mais denso, profundo, do que a mera corrida em busca de satisfações imediatas, seja para o plano físico/material ou espiritual . Com isto, pretendo contribuir para a discussão no campo dos estudos de religião, ressaltando a importância da categoria de análise gênero, na medida em que esta amplia a possibilidade de dar conta da fluidez e ambivalência inerentes às escolhas e trajetórias religiosas das pessoas. 

Novas tendências, novos conceitos, velhas tradições 


O Núcleo de Tendências e Pesquisa do Espaço Experiência da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da PUCRS realizou em 2015 a 3ª edição do Projeto 18/34, que investigou as ideias e aspirações da Geração Y sobre conceito de família [A Geração Y, também chamada geração do milênio ou geração da Internet , é um conceito em Sociologia que se refere, segundo alguns autores, como Don Tapscott, à corte dos nascidos após 1980 e, segundo outros, de meados da década de 1970 até meados da década de 1990, sendo sucedida pela geração Z.]

Conforme o estudo, o jovem possui uma visão mais prática e pragmática sobre as funcionalidades da família, servindo como forma de facilitar a logística da vida. Ainda que tenha tendência mais tolerante com as diferenças, aspira estruturar uma família tradicional, mas menor que a dos seus ascendentes, podendo gerar, no futuro, uma geração de pais mais velhos com poucos filhos. Essas são algumas das conclusões do projeto, que ouviu 1.500 jovens de todo o país entre 18 e 34 anos, proporcionalmente divididos por regiões. 

Baseado na interessante pesquisa Novos tipos de famílias (2010), os estudantes que integram o Núcleo de Tendências e Pesquisa, coordenados pelo professor da Famecos Ilton Teitelbaum, selecionaram sete dos 24 formatos de família como ponto de partida para a pesquisa. Foram considerados Família Díade Nuclear (pai e mãe), Família Nuclear ou Simples (pai, mãe e filhos), Família Alargada ou Extensa (pai, mãe, filhos, avós etc), Família Reconstruída, Combinada ou Recombinada (pai, mãe, filhos e enteados), Família Homossexual Feminina e Masculina, Família Monoparental Feminina e Masculina (pai e filho ou mãe e filho) e Família Unitária (única pessoa). 

A etapa de investigação qualitativa fez o levantamento com nove famílias constituídas e nove jovens. Foram constatados que os diferentes formatos são vistos com maior naturalidade pela Geração Y, além de enfatizarem a liberdade de escolha. No entanto, existe uma maior resistência quanto ao formato homoafetivo em ambos os grupos. A maior responsável pela formação dos valores e influências nas escolhas dos jovens é a família de origem. A religião é um fator de influência quase nulo, uma vez que as crenças não são praticadas. O professor Teitelbaum afirma que o jovem tem uma leitura prática de família: "É uma visão projetiva, muito mais que uma autoanálise. Essa é uma geração mais conservadora do que se poderia imaginar". 

Comportamento 


A maioria (59,7%) dos jovens brasileiros ainda mora com os pais. A pesquisa apontou que em todas as regiões o vínculo domiciliar à família é predominante. No geral, sua ocupação é apenas estudar (61,93%), enquanto 36,4% exercem algum tipo de trabalho. As atividades por região se assemelham, pois as cinco principais são voltadas à tecnologia: acesso às redes sociais (72,7%), ouvir música (65,5%), buscar informações na internet (47,6%), assistir à televisão (25,3%) e games (21,2%). 

No Sul e no Sudeste, o interesse em games (24,3% e 22,9%, respectivamente) é maior e há menor interesse na busca por informação (42,7% e 44,8%) comparado a outras regiões. A maior busca por informações está nas regiões Centro-Oeste (51,3%), Norte (56,3%) e Nordeste (50,8%). Os itens menos utilizados são rádio (3,2%), assistir à televisão (25,3%) e ler jornal/revista (8%). 

Formatos de família e religião 


Em um país laico, a pesquisa mostrou que o catolicismo é a crença com mais adeptos (34,3%). Se forem somados os resultados de ateísmo (19,3%), agnoticismo (6,2%) e fé sem religião (6,7%), totalizam 32,14%, ou seja, quase 1/3 dos representantes. No Nordeste, há mais católicos; no Norte, mais evangélicos; e no Sul e Sudeste os ateus estão mais presentes do que em outras regiões do país. 

Para 81,1% dos jovens de todas as regiões, o conceito de família é fundamental ou muito importante. A maioria (47,5%) declara que seus valores vêm igualmente da criação em casa e da vivência com outras pessoas, enquanto 37,2% acreditam que vêm principalmente de casa. Os pais são os mais influentes nas decisões da Geração Y (31,3%), seguido por namorado(a) (10,1%). 

Nesta geração parece que a luta contra o preconceito gera resultados. Quando perguntados sobre qual formato de família menos agrada, a resposta nenhuma (61,5%) é predominante. Porém, entre as alternativas, as famílias homoafetivas (17,3%) ainda têm a maior rejeição. As justificativas para a escolha variam entre: por não ser ideal para a sociedade (56,2%); por questões religiosas (53,9%); por tradição familiar (42%); por leis reprodutivas (38,9%); e por dificuldade de aceitação (22,3%). 

Independentemente da orientação sexual, foi solicitado aos jovens que respondessem se as figuras paterna e materna estão vinculadas ao gênero. Segundo a pesquisa, em todas as regiões qualquer pessoa pode representar as duas figuras (52,9%). A declaração de que o pai e a mãe devem representar essas figuras (24,2%) vem logo depois. Ao serem questionados sobre as tarefas que devem ser desempenhadas pela mãe ou pelo pai, a resposta mais recebida foi a de que ambos poderiam realizar qualquer uma. Contudo, lavar roupa, cozinhar e arrumar a casa foram atos que ficaram ligados à figura feminina. As atividades de trabalhar e sustentar a família, ter autoridade, cuidar do jardim e fazer consertos e reparos em casa foram associadas à figura masculina. 

Futuro 


O casamento ainda é um desejo da Geração Y. Com 39,2%, a união civil e religiosa é o tipo que predomina no que se refere à relação que gostaria de ter. Logo depois, está a união civil (24%), seguida da união estável (16,9%). Para ter filhos, a pesquisa aponta que os jovens declaram ser necessário ter estabilidade financeira e emocional, ser maior de idade e não depender dos pais. Em todas as regiões, a preferência é por um ou dois filhos, enquanto 17,1% dos respondentes não pretendem ter. Isso pode formar uma geração de pais mais velhos e/ou com poucos filhos, tendência de países como Japão e do continente Europeu. Financeiramente, os jovens ambicionam ganhar o bastante para ter pequenos luxos (43,20%) e para se sentir confortável (43,07%). As regiões que visam acumular mais riquezas são Sul (43,58%) e Sudeste (44,92%). 

A primeira edição do Projeto 18/34, divulgada em 2013, constatou que 66% tinham como maior objetivo conhecer o mundo. A edição deste ano mostrou que esse sonho de vida não mudou. A maioria (72,9%) tem o desejo de viajar pelo mundo para conhecer outras culturas. Atrás, está ter uma boa formação na faculdade (55,6%). Somente 5,5% declararam ter como objetivo se dedicar totalmente ao trabalho.

Conclusão


Com base nestes dados sociológicos fica a seguinte pergunta: a igreja evangélica está estruturada para lidar com os vários formatos de famílias que fujam do perfil tradicional que a pesquisa chamou de Família Nuclear ou Simples (pai, mãe e filhos)?

Com a triste realidade dos divórcios - um outro desafio para o segmento evangélico -, novas famílias são formadas. E aí, como devem ser tratadas, recebidas e orientadas essas famílias nas igrejas? Vamos tratar desse assunto na sequência dessa série.

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